Cold Sun-Faberry escrita por jeanfeelings


Capítulo 7
Finding you can change learning you were wrong


Notas iniciais do capítulo

Minhas mais sinceras desculpas pela demora. Acho que nunca demorei tanto para atualizar, mas foi um mês bem corrido e a segunda parte da história está me dando mais trabalho. Gostaria de agradecer imensamente a SHAYASHLEY pelos comentários em HANDS ALL OVER e a DEMI LOVATO e ANYYLEALIMA pelas respectivas recomendações em 21.
Faz algum tempo que não coloco meu coração na escrita.
Mas nesse capítulo eu consegui, espero que valha a pena.
Boa leitura.



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            Uma vastidão de capim verde se estendia por todo horizonte até onde os olhos podiam alcançar. A mata verde-musgo brilhava chamuscada por pequenos flocos brancos. Carregar um buque de flores tornou-se difícil a medida em que subia uma colina nada sutil.

            O casaco branco fazia com que parecesse parte da paisagem.

            Branca.

            Fria.

            Chegou ao cume onde várias lápides estavam despojadas de maneira desastrada. Caindo uma sobre as outras. Tantas vítimas da guerra, mas só uma lhe era de interesse. Doía seguir aquele caminho até a pedra lascada.

            "Ela está morta." Pensou tão alto que quase podia ouvir. Transpassou um conjunto de árvores tristes e chegou ao túmulo. Baixou os olhos carregados e depositou o arranjo sobre a mata de giz.

            "Sinto sua falta." Quinn lamentou baixinho. "Todos os dias."

            Lembrava-se de ter dito isso centenas de vezes. E realmente havia, mas nunca recebera uma resposta. Somente o vazio do silêncio podia ser ouvido. Então uma gota de chuva caiu sobre sua testa e escorreu para o sul do queixo.

            Outras vieram.

            Um coral de água.

            Ela chorou e misturou as lágrimas com a chuva forte. Caiu de joelhos e soluçou diante daquela pessoa que tanto amara. Raios partiram o céu em dois e ela abriu os olhos para vislumbrar vermelho. Sangue. Escorrendo das letras da lápide até os seus joelhos.

            Gritou tão alto quanto pôde.

            Afastou-se da inscrição da pedra com rapidez e deu uma ultima olhada para as palavras manchadas de rubro. Aquele nome a assombraria para sempre.

            Judy Fabray.

            Um último raio caiu e ela acordou num sobressalto.

            -oooooooooo-

            Quinn olhou ao redor desorientada e banhada em suor. Estava no casebre de Rachel, caída sobre a mão direita que latejava em protesto. Tinha desmaiado, sem dúvidas, o último ataque de ansiedade a derrubara de forma implacável e imensurável.

            A dona do local continuava no chão.

            Inconsciente e quieta demais.

            "Meu Deus." Quinn obrigou-se a ficar de pé com todas as forças que ainda retinha. Chovia forte do lado de fora o que explicava o temporal que a retirara do pesadelo. Rumou até a judia e abaixou perto dela lentamente com o coração martelando na garganta. "Está viva, mas respiração está fraca. O que eu faço?"

            Pensou em chamar ajuda, mas onde arrumaria alguém que pudesse cuidar de uma menina como ela em plena alemanha nazista? Talvez a levassem para um campo de concentração e cuidasse dela por la, mas então lembrou-se do que Rachel havia lhe dito quando entraram nesse assunto: Não é isso que acontece lá! Isso a deixou embebida em curiosidade sobre o que será que realmente faziam com judeus num lugar daqueles?

            Mas não podia pensar nisso agora.

            Rachel estava por um fio.

            "Pense, pense, pense, Fabray."

            De repente a voz de Brittany a alcançou. A irmã tinha ido visitar alguém que talvez pudesse confiar, que já tinha se mostrado bondosa em todos os sentidos e tinha as habilidades necessárias para prestar socorro.

            "Emma." Levantou rapidamente e puxou a capa cinza de Rachel para proteger-se da chuva. Deu uma última olhada na menina arrasada. "Aguente. Vou buscar ajuda, estarei aqui em alguns minutos. Prometo."

            Quinn não era um prodígio em manter a palavra.

            Mas sabia que dessa vez não tinha escolha.

            -ooooooooo-

            "Quero pintá-lo de azul."

            "Mas é um sol, Brittany." Emma ralhou, coçando a cabeça e segurando várias canetas coloridas com a outra mão no livro. "Não pôde desenhá-lo dessa cor. Qual o propósito?"

            "Ele é a Quinn." Sibilou rabiscando o núcleo do seu sol com entusiasmos exagerado. "Não teria sentido colocar uma cor quente para ilustrar a minha irmã."

            A enfermeira ficou ligeiramente impressionada e não pode deixar de concordar internamente. Quinn não combinava com calor vindo do amarelo, vermelho ou rosa. Precisava de cores melancólicas e o qual melhor do que o azul para representá-la?

            Brittany terminou de fazer o sol frio.

            E começou a dedilhar traços de esfumaçado no outro canto da página.

            Emma ergueu as sobrancelhas pensativa.

            "Quem é essa estrela amarela?"

            A pequena ergueu os olhos para ela. Parou alguns segundos pensando se responderia e abriu a boca para dizer, mas foi silenciada por batida desenfreadas que circundavam a porta no andar inferior. Emma correu escada abaixo e girou a maçaneta.

            "Quinn?"

            A menina estava ensopada e totalmente desorientada. Tinha uma mancha de sangue escorrendo pelas mãos e presas numa capa cinza que não lhe pertencia. O fôlego havia deixado-a de onde quer que tivesse vindo.

            "Preciso...de ajuda." Resfolegou dobrando-se sobre os joelhos. "Eu vou tentar explicar no caminho, mas temos que ir agora."

            Emma focou na capa vermelha.

            "Deus do céu." Arquejou. Puxou um casaco e jogou sobre os ombros. Brittany desceu nesse exato momento. "Fique aqui, pode comer os biscoitos e desenhar seus sois tristes o quanto quiser, estarei de volta num instante."

            "Quem estava na porta?"

            "Um médico que precisa de ajuda com uma paciente." Era apenas uma meia mentira. "Comporte-se e não saia de casa."

            Correu para fora antes que ela pudesse retrucar e bateu a porta.

            -ooooooooo-

            O casebre estava quase na penumbra. A única vela acesa começava a se extinguir deixando tudo no breu tão profundo quanto uma noite sem lua. Emma ascendeu outra que encontrou jogada sobre a mesinha próxima.

            Seu coração parou quando a claridade invadiu o cômodo.

            "Eu sei que é difícil de acreditar." Quinn estava ao lado da menina ensanguentada. "Mas ela precisa de ajuda ou vai acabar morrendo. Por favor."

            Não precisou pedir mais nada.

            Emma pulou sobre elas e puxou Rachel colocando-a sobre a cama mal arrumada. Os lençóis ganharam manchas vermelhas a medida que a judia ia perdendo as roupas para ser minuciosamente examinada.

            Um corte transversal marcava toda a extensão das suas costas e parava um pouco acima da cintura.

            "Ela provavelmente não alcançou o corte para limpá-lo." Sibilou puxando a caixa de papelão debaixo da mesinha como se conhecesse cada canto. Quinn reparou, mas não disse nada. "Como isso aconteceu?"

            A história foi contata e Emma cresceu em ira.

            "Porque você fechou as portas?"

            "Não sabia que iria resultar nisso." Rebateu.

            "E agora Rachel está morrendo porque você simplesmente a odeia sem razão."

            Quinn fechou os punhos tremendo e ergueu a voz.

            "Não ouse me julgar. Você não sabe de nada do que tive que passar por causa..." Parou de chofre. Uma pequena coisa que Emma lhe disse alfinetou seus nervos e a vez esbugalhar os olhos verdes profundos. "Eu não lhe disse o nome dela."

            Emma continuava trabalhando o mais rápido possível.

            Limpava a ferida com água seguida de álcool.

            "Você a conhece?"

            "Sim." Respondeu entre dentes, passando um pano nas extremidades da ferida. "Como você acha que ela lhe encontrou no dia do bombardeio?"

            Um fleche de memórias a atingiu com força. Na noite em que ajudara Kitty, a judia foi em seu socorro com tanta perícia que só podia saber sua localização para se expor ao perigo de bombas chovendo do céu. Agora entendia o por quê.

            Emma lhe dissera.

            "Você mandou-a para me ajudar, não foi?"

            "Não." Respondeu pegando um último punhado de gazes que jaziam na caixa de papelão. "Disse que procurasse um abrigo o mais rápido possível, que já havia enviado alguém para trazê-la até mim, mas ela insistiu. Não tive escolha, disse onde estava e ela partiu." Fez uma atadura simplória. "O álcool e as gases acabaram. Porque não foi me pedir mais, Rachel?"

            Agora ela sabia onde tinha parado os suprimentos "desaparecidos" da escola.

            Tudo se encaixava.

            Sentiu-se um lixo. Fétida e inútil. Rachel salvara sua vida tantas vezes que perdera as contas. Aquela menina não podia morrer. Não depois de tudo. Quinn não permitiria. Não importava o preço, estava na hora de começar a pagar o que devia a judia.

            Construir telhados não era o bastante.

            "O que nós podemos fazer?" Perguntou imponente.

            "Limpei a ferida, mas ela está com febre alta, precisa ficar aquecida o melhor possível, tomar antibióticos na hora certa e se alimentar." Emma cobriu-a e exalou um cansaço intenso. "Como vou cuidar dela em tempo integral?"

            "Não vai... eu vou." Quinn rebateu erguendo o peito.

            "Você tem escola." Emma lembrou-a com ar infeliz. "Se faltar vão investigar o por quê da sua ausência e podem chegar até aqui. Se fizerem isso, vão levá-la embora."

            "Então eu posso ficar durante a tarde e a noite." Quinn sugeriu num último sopro de esperança. "Você fica durante o dia. Assim podemos colocar nossas coisas em dia sem que ninguém perceba e não precisaremos deixar minha irmã sozinha." Falou tudo muito rápido. Porque era crucial. Tinha que ficar ao lado dela. Por tudo que aconteceu. "Combinado?"

            Emma lhe sorriu depois de uma eternidade.

            "Ela está mudando." Pensou com gosto.

            "Até amanhã, Quinn."

            -oooooooooo-

            A primeira noite foi a pior de todas. O vento castigou a lona que matinha o teto integro. Quinn dançou com complicação para mantê-la no lugar. Depois de lutar intensamente, ascendeu um punhado de velas e espalhou pelo ambiente. Precisava de calor para manter a paciente aquecida e não podia contar com uma lareira sem lenha.

            Rachel estava debruçada de costas em delírio sobre a cama.

            "Frio, frio...frio." Não para de repetir. Como uma música sem letra. Tremia com muita precisão e descontrole.

            Quinn ajoelhou ao lado da cama e puxou todas as cobertas para cobrir a cicatriz vermelha.

            "Vai melhorar." Sussurrou para a judia inconsciente tentando formular um mínimo de acalento. "Você vai ficar boa logo." Imaginou-a correndo, jogando travesseiros contra ela e sorrindo nas horas inapropriadas. Como sempre.

            Uma pitada de ar fresco passou por debaixo das colchas quebrando Rachel.

            “Coloquei tudo que tinha de mais quente sobre você.” Ditou passando a mão pelos cabelos em divagação. O que poderia fazer para ajudá-la? Não havia mais velas, nem lençóis corroídos. Lembrou-se de Emma tagarelando sobre como se aquecer numa noite tempestuosa caso não houvesse calor suficiente. Usar a pele do corpo. “Não posso fazer isso, Rachel. Não é apenas pelo meu sangue, mas por quem perdi. Você não entenderia.” Deixou os olhos caírem. “Ninguém compreende.”

            Horas passaram e a febre tornou-se insuportável.

            Quarenta e dois graus é um passo quase certo para os braços da morte.

            Quinn respirou fundo medindo suas opções.

            Não tinha restado nenhuma.

            “Você salvou a minha vida. Tantas vezes.” Não era justo deixá-la morrer quando podia fazer algo, mesmo que fosse contra sua doutrina ou vontade. Ela rodopiou a cama e caiu lentamente sobre o colchão gasto que terminou de afundar com o acréscimo de peso. Rastejou até Rachel com a mão estendida, muito levemente a tocou.

            Imaginou repulsa dançando por suas veias.

            Correntes de luminosidade carregadas por ira.

            Mas nunca, jamais, o que realmente sentiu.

            Chamas. Em todos os lugares. Não daquelas que lhe destroem, mas as que aquecem o coração e engrandecem a alma de uma maneira na qual a ainda não existe explicação, pois não se trata de algo racional. Como conhecer a existência do infinito sem nunca conseguir vê-lo por completo.

            Puxou as cobertas para longe.

            Jogou-se em proximidade e puxou uma mão escondida para a sua.

            Rachel continuou tremendo por alguns minutos, mas parou de resfolegar. Inspirou com calma e aninhou-se contra o pescoço rígido de uma Quinn nervosa. Estavam totalmente fechadas, mãos em mãos, pernas encontrando-se e respirações caindo em suas audições inquietas.

            A alemã resolveu falar para quebrar a combustão, mesmo sabendo que ela não ouviria.

            “Você conhece Brittany, Emma e provavelmente Marley e Kitty, mas nunca me contou.” Quinn sussurrou tão baixo que alguém com a orelha colada a sua boca não seria capaz de ouvir. “Quero saber mais. Tudo. Você, sua família.” Olhou para o pulso fervendo da judia. “Essa pulseira com uma estrela dourada.” Abaixou a voz a um breve e inaudível pedido. “Você pode não morrer, por favor?”

            O silêncio intercalou o restante da noite.

            Assim, elas adormeceram.

-ooooooooo-

            Os dias correram com pressa. Bombas encontraram lugares de nomes complicados enquanto Brittany ouvia o rádio, sem entender muito, mas prestando total atenção. Estava preocupada com o pai. Não tivera notícias desde a última ligação.

            Ele estava na França.

            Onde não era mais seguro.

            “O que você está fazendo?” Quinn já devia estar acostumada as loucuras da irmã.

            “Escalando.”

            Claramente. Era uma cena pouco comum. Uma menina incrivelmente pequena e magra, subindo a parede do próprio quarto com uma espécie de corda de alpinista amarrada a sua cintura de maneira ideal.

            “Onde conseguiu isso?”

            “Eu projetei.” Brittany resfolegou ao encostar os dedos no teto. Sentiu o gelo cobrindo-lhe as extremidades e sorriu para a conquista. “Ficava muito apertada nas pernas, então cortei a corda e emendei com uma mais grossa. Está melhor agora. Posso usar os braços sem medo de cair de bunda no chão.”

            Quinn às vezes se perguntava: Porque a irmã tinha tanta criatividade para coisas inúteis?

            “Precisamos conversar.” Ditou enrugando a testa como costumava fazer para indicar que o assunto era sério. “Sente-se.” Brittany desceu e retirou o apoio sem dificuldade, aninhou-se na cama e esperou. “Você sabe quem era aquela menina que estava ajudando?”

            “Sim.” Birttany deu de ombros, como se fosse uma pergunta fácil. “Ela é uma estrela dourada.”

            Não era exatamente isso que Quinn esperava ouvir.

            “Ela é judia.” Corrigiu-a.

            “Certo.” Ela pensou: “Aos seus olhos cegos.” Crianças enxergam um mundo diferente. Mas limitou-se a confirmar. “E daí?”

            “Não pode contar a ninguém sobre...”

            “Vai tentar me ensinar as regras de casa novamente?” Levantou cruzando os bracinhos seguros. “Não podemos falar com judeus, muito menos ajudá-los... sei de tudo isso, escondi a existência dela de você por muito tempo, posso continuar fazendo isso.”

             Quinn assentiu um pouco mais maleável.

            “Você não deveria ser tão esperta na sua idade.” Quinn concluiu.

            “Você não deveria ser tão boba na sua.” Brittany rebateu e recebeu um ataque de cócegas que só teve fim ao primeiro pedido de rendição.

-oooooooooo-

            Outubro chegou num sopro vago. Quinn cuidou de Rachel durante todos os dias que abriram o novo mês. O ferimento nas costas estava praticamente fechado, mas a menina permanecia inconsciente, as vezes abria os olhos e resmungava coisas ininteligíveis.

            Quinn doava um braço toda noite.

            Ás vezes o ombro.

E compartilhavam o mesmo ar.

            Ela se acostumou a essa sensação de alento, proteção e segurança. Imaginou que Rachel também devia se sentir assim. Quando percebia que ela estava muito inquieta começava uma melodia inglesa um pouco errante, pois seu domínio pela língua estrangeira era muito limitado.

            "Se meu sonho fosse ser cantora, provavelmente morreria de fome." Sussurrou numa noite fria, abraçada a judia calada. Uma mão afagava os cabelos negros enquanto a outra servia de colo. "Na verdade não tenho nenhum objetivo." Enrugou a testa ao pensar nisso. Era uma premissa que não possuia. "Qual será o seu?"

            Não houve resposta, mas um brilho ardeu no pulso pardo.

            A pulseira com um pingente de estrela.

            "É o mais próximo de uma amiga que já tive." Confidenciou quase muda. "Não pude agradecer, mas vou me esforçar para te ajudar. Em tudo." Quinn mudou de posição e ficou cada vez mais próxima dos olhos chocolates dorminhocos. "Sei que não está ouvindo, mas prometo que vou ser o que precisar que eu seja, para tentar agradecer tudo que já fez por mim."

            Ela sentiu um aperto leve na mão direita.

            Rachel não acordou naquela noite, mas de alguma forma o acordo foi selado.

            Estariam juntas até não precisarem uma da outra.

            -oooooooooo-

            A treinadora Beiste reuniu tantas alunas quanto pôde para o embate de sexta-feira. Meninas pálidas arfavam nas fileiras, exalando medo da mulher incrivelmente gorda que sorria no comando. Fez com que treinassem até a tarde cair.

            Quinn conseguiu realizar todos os exercícios, seus músculos gritaram com muito ímpeto e as roupas ficaram sujas de lama e neve, mas fez a proeza de não levar um hematoma no rosto delineado pela mão da treinadora.

            Marley e as meninas que a seguiam conseguiram se sair bem, apesar de todos os gritos que quase estouraram seus tímpanos.

            O problema se instalou em Kitty.

            "Não consegue fazer uma flexão sem ajuda, porca?" Beiste uivou.

            June Andreys, uma das seguidoras de Marley jogou a menina no chão no meio da corrida e a fez perder os óculos em formato de tartaruga. Ela passou o restante do treino tateando a neve a procura de seu pertence, até que ouviu o assobio do apito e no segundo seguinte tinha todos em cima dela.

            "Não consigo encontrar meus óculos." Desculpou-se tremendo.

            "Além de porca, é cega?"

            Todos riram dela, menos Quinn, que vasculhava o chão com os olhos a procura de lentes enroladas por arame e Marley que permanecia imóvel com a respiração pesada.

            "Alguém quer ajudar a imunda a ficar de pé?"

            June correu para onde Kitty estava e esticou a mão para servir de apoio, mas quando Kitty foi puxá-la, ela retirou com agilidade fazendo a menina perder o equilíbrio por completo e cair de boca na neve suja.

            A treinadora urrou de rir.

            "Este é o seu lugar, morta de fome."

            Kitty tinha lágrimas por baixo dos olhos embaçados.

            Quinn estava pronta para intervir, mas foi empurrada para o lado e perdeu a vez.

            "Vamos." Marley Rose arriou os joelhos próximo a ela e passou um braço ao redor do próprio pescoço para suspendê-la. Içou-a sob o silêncio dos olhos incrédulos de todos e tirou-a do campo interditado de murmúrios.

            -oooooooooo-

            Marley umedeceu um pano limpo e passou-o sobre o lábio inferior inchado e rubro de Kitty. A garota resfolegou e gemeu com o contato doloroso, mas manteve a proximidade com coragem. Conseguiram retirar boa parte da sujeira adquirida no estádio.

            "Obrigada." Kitty sussurrou vendo-a limpar os braços arranhados.

            "Pelo quê?" Ela deu um risinho. "Não fiz nada."

            "Você fez tudo."

            Elas pararam para trocar um olhar cúmplice.

            Havia tanto amor neles que era impossível calá-los.

            Estavam apaixonadas além da conta, contra todas as consequências e todos que pudessem vir a ficar no caminho.

            "Ninguém vai lhe fazer mal se eu puder impedir." Sibilou.

            "Acha que suas amigas vão desconfiar?"

            "Provavelmente." Marley soltou o pano no balde e voltou a inspecioná-la. "Mas não importa. Qualquer coisa é válida quando se trata de você. Você me faz bem, coisa que elas nunca fizeram, sou melhor porque estou com você e não quero que isso mude." Ela pareceu lembrar de um pequeno detalhe, enfiou a mão no bolso e puxou uma armação torta de dentro. "Quase esqueci, encontrei perto do banco de reserva, alguém pisou nele e o quebrou no centro, mas a lente está intacta."

            Recolocou os óculos remendados delicadamente sobre os olhos de Kitty, sem nunca perdê-la de vista.

            "Melhor?"

            "Muito." Kitty estava muito agradecida e impossivelmente mais apaixonada. "Eu te amo."

            Foi dito de modo simples.

            Sem nada de muito especial, só um balde, óculos fraturados, roupas sujas e sorrisos cheios.

            Mas significou o mundo.

            Porque era isso que sentiam naquele momento. Não importava as ações desgovernadas que regiam o país ou qualquer regra familiar que estivessem triturando, somente elas importavam agora. E bastava.

            Enlaçaram os lábios e se perderam em si mesmas.

            -oooooooooo-

            Quinn passou a semana seguinte dormindo ao lado de Rachel e vigiando seus movimentos na esperança de que a consciência se tornasse presente. Não aconteceu, mas a febre e o desconforto já não existiam mais e o ferimento já estava emendado.

            Só faltavam os olhos chocolate.

            Quinn sentia falta deles, da presença de calor que emanavam.

             “Não tenho tido pesadelos.” Falou puxando uma mecha de cabelo negro para longe de Rachel. “Nunca os tenho quando estou aqui.” Reparou. “Como isso é possível?”

            Não havia uma resposta.

            Mas ela se sentiu extremamente feliz com uma boa noite de sono.

            O vento entrou rasteiro pelo buraco no teto e castigou-as, obrigando Quinn a abraçar a judia para que a mesma não morresse de frio.

            “Vou consertar esse telhado amanhã mesmo que eu quebre todos os meus dedos.”

            O dia cresceu amarelo e laranja. Quinn trocou os curativos das costas de Rachel e aproveitou o fim de semana para trabalhar no telhado inacabado. A parte da frente foi um sucesso, apesar de ter acertado alguns dedos no percurso. O problema ficou nas laterais.

             Não dava para encaixar a escada por conta dos canos.

            “Como vou fazer para alcançar o topo?”

            De repente a resposta chegou, como uma brisa, algo que ela mesma julgara dispensável, mas que na verdade não era. Olhos de um adulto muitas vezes esquecem que as crianças possuem mais tato, pois sonham e acreditam ser possível.

            “Talvez suas invenções não sejam tão inúteis.”

            Naquela noite faria uma visita ao quarto de Brittany.

-oooooooooo-

            Rachel sentia a cabeça cortada ao meio e uma dor nas costas imensurável, mas estava internamente feliz por acordar do que parecia ter sido uma vida. Quanto tempo ficara dormindo? O breu que se instalou no recinto a fez pensar que era noite, mas a luz por baixo da porta dizia outra coisa.

            Levantou com cuidado e apoiou na cama escura.

            Puxou o lençol, enrolou no corpo para se proteger do frio e começou a tatear o vazio.

            “O que está acontecendo?”

            Sua garganta estava seca e arranhada. Galgou até a porta e a abriu com extrema delicadeza devido a falta de força. O dia estava reluzente, sem neve e brilhante. A estação mudara por completo, mas o frio não fora embora. Ele ficaria ao lado dela o tempo todo.

            “Que barulho é esse?”

            Voltou a atenção para a parte lateral da casa e levou um susto. Quinn estava pendurada em uma corda curta que mostrava claros sinais de apertá-la nas pernas, mas possuía a testa fincada em concentração enquanto mirava o martelo no prego.

            Não percebeu a presença de Rachel.

            “Consegui!” Jogou o objeto no ar com a maioria dos dedos enfaixados. “Não foi tão ruim dessa vez.” Falou observando suas mãos calosas.

            “Quinn?”

            Rachel viu o olhar de espanto escorrer pelo canto dos olhos verdes acima, mas havia um certo alívio nos pontos dourados que pareciam muito irregulares. Quinn manobrou a corda e alcançou o chão com perícia. Desatou os nós e caminhou até ela.

            Pararam para se observar durante muito tempo.

            “Você voltou.” Não foi uma pergunta. “Quanto tempo eu dormi?”

            “Pouco mais de vinte dias.”

            “Céus.” Ditou apertando o cobertor. “O meu telhado está pronto?” Ela perguntou esbanjando incredulidade. Quinn assentiu parada. “Por quê?”

            Ela entendeu que a pergunta era muito maior do que parecia, não somente a razão de ter voltado.

            “Desculpe.” Sibilou a alemã. “Sou a responsável por você ter se ferido.”

            “Não é verdade, Quinn. Você não me atacou com uma enxada.”

            “Mas fechei as portas para que isso acontecesse.” Retrucou serrando os punhos. “Nunca mais vai acontecer. Vou lhe trazer tudo que precisar todos os dias. Comida, remédios...sem exceção.” Ela fechou a aproximação exageradamente. “Não vou mais fugir.”

            Rachel sentiu o hálito dela tão próximo a ponto de confundir as respirações, mas não podia se dar ao luxo de sofrer tudo de novo. Aquela promessa não tinha uma base para se manter. Virou as costas e caminhou para dentro do casebre.

            “O que está fazendo?” Quinn ergueu uma sobrancelha.

            “Isso não vai dar certo.” Rebateu parando a porta. “Você tem um peso grande demais guardado, todas as vezes que ele explode machuca alguém. Foi tão bom ter alguém por perto durante os últimos meses que quando você foi embora eu me vi perdida. Não posso ter sua companhia para perdê-la de novo.”

            “Você não vai.”

            “Como?” Rachel pontuou. “Diga-me como isso pode funcionar?”

            Quinn inspirou fundo e fechou os olhos. Sempre quis alguém que pudesse entendê-la e não julgá-la. Rachel nunca a julgara de modo errôneo, talvez fosse a pessoa certa para entendê-la. Sabia que não era apenas uma questão xenofobica, tinha muito mais.

            Lembrou-se de Emma dizendo: “Você precisa de ajuda. Tem que arrumar um jeito de colocar para fora o que está lhe perturbando para conseguir seguir em frente.”     

              Talvez estivesse na hora.

            “Vou te contar tudo.” A alemã decidiu e soltou o corpo. “Principalmente o por quê de eu não compactuar com judeus. Meus pesadelos não são criações do meu subconsciente.” Levantou os olhos líquidos. “São lembranças.”   


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Notas finais do capítulo

Obrigada por continuarem me acompanhando mesmo depois de todos os problemas de espera. Continuem observando que estou correndo com o tempo. Boa semana. Nos vemos no próximo.



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