Cold Sun-Faberry escrita por jeanfeelings


Capítulo 4
Feel out of control so petrified


Notas iniciais do capítulo

Eu imagino que todo mundo ainda esteja abalado com a tragédia que ocorreu a alguns dias. Preciso esclarecer uma coisa, detestava o personagem, mas não tinha nada contra o ator.

O garoto passou por uma crise terrível com as drogas.

A única coisa que me deixa bem é saber o tamanho do carinho e solidariedade que as pessoas estão oferecendo a família e ao elenco de Glee devido a essa perda. Finalmente viram que essa briga boba entre fãs não leva ninguém a nada e estão apoiando uns aos outros.

Hoje, esse capítulo está dedicado à Cory Monteith e sua família. Que você esteja bem onde estiver.



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O final de Abril foi chapeado por nevascas letais. Almas foram recolhidas, não somente por intermédio de bombas, mas também pelo maior antagonista do calor. Nevoeiros dispersavam-se em chumaços traiçoeiros distribuindo horror e alienação.

Frio tortuoso.

Quinn carregava uma mochila pesada no meio de uma tarde recém-visitada por uma tempestade de neve. Calçadas estavam gordas e desniveladas. Crianças mergulhavam na onda fofa de gelo enquanto a menina de expressão vazia estava preocupada com a integridade dos dedos.

“Crianças malucas.”

Uma bola maciça a acertou no nariz.

“Você pensa muito devagar, Q.” Brittany saiu correndo do ninho de pequenos.

“Precisava ter feito isso?” Falou espantando neve da boca.

Brittany deu de ombros e Quinn pegou-a pelas pernas e jogou-a na neve, cobrindo-a com cócegas de tirar o fôlego até ouvir uma rendição em alto e bom tom.

“Estamos quites.” Bagunçou os cabelos dela e se levantou.

Kitty Wilde apontou do outro lado da rua principal, seus trapos pareciam cada vez mais gastos, a pele frágil como cacos de vidro e os cabelos agrupados em um coque deselegante.

Carregava um carrinho de mão.

Até ser interditada.

“Imunda!” Marley Rose anunciou sua chegada habitual. “O que tanto carrega para cima e para baixo? Acha que empurrar essa porcaria irá matar sua fome?”

Ela parou e desviou o olhar.

“Não vai me responder?” Desafiou-a.

Marley se irritou com o silêncio da menina, jogou-a para um lado e o carrinho de madeira para o outro. Sorriu vitoriosa e chutou um montinho de neve no rosto dela e saiu perambulando triunfante para casa.

“Fique aqui, Britt.” Quinn sussurrou.

Foi ao encontro da garota caída. Esticou a mão para ajudá-la e recolheu os pertences do chão. Um punhado de remédios, gazes e fio de sutura estavam dispostos nas costas da madeira.

“Isso tudo é seu?”

Kitty maneou a cabeça para os lados.

“São para o hospital da cidade. Estão precisando de medicamentos e ajudantes. Pessoas têm chegado feridas de todos os lugares.” Empurrou a mão maciça do carrinho. “Eu me alistei para ajudar e fiquei encarregada de transportar os remédios para onde requisitarem.”

Quinn escondeu um sorriso gentil.

“Marley não vai parar de assolá-la.”

“Imagino.” Deu de ombros. “Mas um dia ela irá mudar e se arrepender. Só preciso esperar”

Ela rezou para que a menina tivesse paciência de elefante.

Que durasse, no mínimo, para sempre.

“Tenho que cruzar a ponte.” Quinn sibilou em despedida. “Boa sorte, Kitty.”

Agradeceu em silêncio.

-oooooooooo-

Quinn descarregou a bolsa no chão da varanda torta. Chegou sem cerimônias e analisou a pilha de incontáveis pedaços de madeira lixados e um montinho de telha pouco promissor.

“Não daria nem para construir o telhado de uma casa de bonecas.” Sussurrou audível.

“Ainda bem que não moro em uma.” Rachel apontou atrás dela assustando-a e fazendo-a quase encontrar o chão. A alemã deu três passos para longe. “Boa tarde, desculpe o susto.”

“Você não me assustou.” Rebateu erguendo o peito.

“Certo.” Ela abriu um sorriso grande demais para o desagrado da outra. “Vamos começar?” Bateu as mãos e apontou para a pilha de entulhos. “Precisamos levar uma dessas tábuas para a escada atrás da casa que irá servir de suporte para as telhas. Pode me ajudar?”

Quinn deu de ombros e encolheu as mangas.

Cada uma puxou uma ponta e foi sincronizando os passos para a parte traseira do casebre. Era muito mais pesado do que a loira calculou e seus músculos entraram em combustão ao mesmo tempo em que ficava com a face cada vez mais rosada.

“Se estiver muito pesado posso levar sozinha.” A judia interpôs.

Quinn estreitou os olhos.

“Talvez você queira soltar.” Rebateu roxa.

Rachel gargalhou alto o que enfureceu ainda mais a alemã. Todas as vezes que a garota de pele escura abria a boca parecia que estava zombando dela, rir era um insulto cada vez mais pesado.

“O que é tão engraçado?”

“Seu pensamento de que quero te irritar, quando na verdade, só estou pensando no seu bem.” Colocaram a madeira nos pés da escada, a menor subiu os primeiros degraus e fisgou a parte interna da tábua transportando-a para cima.

“Por que você iria querer o meu bem?” Quinn insistiu.

“Por que eu lhe desejaria algum mal?” Respondeu com outra questão.

Ela pensou por alguns instantes: Porque sou sua inimiga. Chegou à conclusão, mas a manteve no pensamento. Essa menina tinha algo extremamente diferente dos outros judeus que conhecera.

Mesmo que tenham sido poucos.

 “Vem.” Rachel esticou a mão para que ela a ajudasse na escalada.

Quinn desdenhou e subiu na outra extremidade carregando o martelo no bolso. Rachel não disse nada, apenas deixou passar e começou a martelar os pregos da sua ponta enquanto a outra estava sendo enroscada por mãos pálidas.

“Você não me disse o seu nome.”

“Não importa.” Quinn martelou o próprio dedo ao responder. “Droga.”

“Como posso chamá-la senão sei?”

Se irritou profundamente e martelou outro dedo.

“Porcaria...porcaria...porcaria.” Colocou-o na boca para aliviar a ardência. “Escuta aqui, nós combinamos de não trocar nenhuma palavra durante a construção desse entulho que você chama de telhado e a meu ver já ultrapassamos essa linha o bastante.”

Silencio mórbido carimbou essa sentença.

Quinn continuou martelando: A tábua. Lugares onde o prego não estava. Os dedos. Talvez devesse riscar a profissão de carpintaria do seu futuro ou arrumar um plano de saúde que durasse para sempre.

Ou os dois.

Terminaram a primeira remeça de telhas no fim da tarde. Rachel embrulhou o restante de cacos quebrados pelo vento forte ou por Quinn e desceu carregando-as nos braços. A alemã veio logo atrás.

“Está vindo uma tempestade.” Rachel sibilou. “Melhor você ir.”

Quinn olhou para o remanescente de telhado. Um buraco ainda era visivelmente legível no teto do casebre. Se perguntou brevemente como aquela menina sobreviveria a uma tempestade sem a proteção de um teto decente?

“Tem razão.”

Girou nos calcanhares, mas foi parada no meio do caminho.

“Espera.” Rachel veio correndo com um papel em mãos. “Deve ter caído da sua mochila.” Esticou o desenho de uma macieira colorida e dobrou os olhos para a assinatura. “Oh, então esse é o seu nome?” Sorriu.

Quinn arrancou das mãos dela.

“Até amanhã.” Rosnou impaciente.

Rachel a viu partir com um sorriso contido e sibilou baixinho.

“Até amanhã, Quinn Fabray.”

-oooooooooo-

Brittany soprou uma sessão de pássaros em miniatura que tinha confeccionado e adicionado tinta florescente fazendo-os rodopiar pelo quarto escuro como uma aurora boreal encantada.

“Por que você perde tempo com essas besteiras?” Quinn perguntou com as costas sobre o chão frio e os braços servindo de travesseiro.

“Eu gosto de transformar as coisas.” Rebateu dando de ombros. “Tudo parece tão sombrio e triste hoje em dia.”

O rádio ao lado do quarto foi ligado no som mais baixo possível e dele soaram as primeiras notas da língua estrangeira que estavam proibidas de apreciar. Brittany começou a fazer danças descoordenadas ao redor de si mesma enquanto a irmã sorria no escuro da noite congelada.

“Meanwhile I was thinking

She's in the mood, no need to break it

I got a chance, I ought to take it

If she'll dance, we can make it.”

Little Queenie.

Uma deliciosa música dos Beatles.

“Vem, Q!” Esticou a mãozinha para a irmã mais velha que apenas negou, mas ela não se deu por vencida. Alavancou Quinn do assoalho e jogou-a no meio do palco. “Você está triste demais.”

“Por um acaso você está tentando me transformar?” Arqueou a sobrancelha.

“Talvez...” Brittany rodopiou ao redor dela. “Provavelmente terei mais trabalho com você do que com o desenho da árvore.”

Quinn perdeu o queixo.

Muita petulância para pouca idade.

“Quer dizer que eu não sei ser engraçada?” Rebateu.

“Exatamente.”

“Eu conheço alguém que discorda.” Amaldiçoou-se mentalmente por ter dito isso. Onde estava com a cabeça para citar a judia só para ganhar uma discussão com irmã?

“Quem?” Brittany fez uma barreira de braços e esperou.

“Bem... eu...é...”

De repente a música parou e o rádio começou a berrar no andar inferior.

Um pássaro impaciente.

O cuco.

Quinn perdeu a pouca cor que lhe restava. Correu até a janela e abriu a cortina para um espetáculo de horrores cada vez mais próximo. Uma série de fogos se desprendia do chão por intermédio de cometas de pólvora vindos do céu.

Um avião inimigo.

Despejando bombas por onde passava.

-ooooooooo-

Pessoas corriam desenfreadas por todos os lados. A alienação guiou o desespero naquela noite tempestiva. Quinn algemou a mão trêmula de Brittany e saiu correndo pelo campo minado. Dirigiam-se para a casa dos Pillsbury que possuía o porão mais seguro da cidade.

Emma estava na soleira da porta recebendo os desabrigados e encaminhando-os para a segurança.

“Depressa.” Gritou para a população assolada.

Quinn acelerou com a irmã tropeçando em seus calcanhares. Uma bomba caiu na casa à direita delas e destroçou a construção, fazendo alguns pedaços acertarem o rosto desprotegido da irmã Fabray mais velha que jogou o corpo na frente da outra.

“Quinn.” Brittany sacudiu os ombros frouxos dela.

“Estou bem.” Sussurrou momentaneamente surda devido à explosão. “Vamos.”

Faltava o equivalente a dois quarteirões para alcançarem a casa de Emma quando uma voz surgiu da escuridão. Quinn estacou. Olhou para uma garota soterrada por destroços em chamas, enquanto outra tentava acamá-la.

Prendeu o ar.

Marley Rose estava sendo destroçada por concreto quente.

Kitty Wilde tentava desesperadamente ajudá-la.

“Droga.” Quinn pensou em seguir o caminho para a segurança por um segundo, mas desistiu no seguinte. “Corra até aquela luz e obedeça a senhorita Pillsbury até eu chegar. Não pare por nada. Entendeu?”

Os olhos de Brittany tremeram.

“Você não vem?”

“Daqui a pouco.” Sibilou recebendo um abraço apertado da irmã. “Prometo.”

“Não ouse quebrar essa promessa.” Sussurrou no ouvido dela.

E virou em disparada para o abrigo.

-ooooooooo-

O fogo sobre os destroços crescia a cada segundo, engolindo a menina aprisionada. Ela possuía a perna direita rasgada por baixo da balaustra metálica e o calor infernal só fazia a dor piorar.

 “Socorro! Socorro!” Berrou a plenos pulmões.

Kitty posicionou-se atrás de uma barra de ferro tentando improvisar uma gangorra para mover os restos de casa para longe de Marley, mas seu corpo esguio e desnutrido não surtiu efeito algum.

Forçou novamente com mais entusiasmo.

Nada.

“Kitty!” Quinn alcançou-a com cabelos divididos por cinzas e neve queimada. Imitou o plano da menina movendo o corpo contra a barra de ferro. Houve um acréscimo generoso de peso que fez com que a parede se movesse minimamente para depois inutilmente voltar à posição inicial. “Não adianta.”

Verdade.

As labaredas de fogo cresciam a cada segundo.

Quinn arriou o corpo para ter uma visão mais adequada da vítima. Encontrou olhos azuis borrados em medo e sofrimento. Estava presa pela perna ensangüentada e com as mãos sobre o peito em oração.

Testou suas possibilidades.

“A barra está bem posicionada, mas há muito peso sobre ela.” Gritou em meio aos assobios de explosões. “Temos que equilibrar esse lado.”

“Como?”

Uma boa pergunta. Sem resposta. Quinn estudou o ambiente por cima da pinha destroçada. Madeira, tijolos e ferro. Tudo mesclado numa montanha fugaz de horror pútrido.

“Eu vou morrer, não vou?” Marley gritou, sufocada.

Ambas as meninas abaixaram e trocaram breves olhares. Kitty entrou embaixo das ruínas flamejantes e colocou a mão direita sobre a testa dela. Olhos azuis a espiaram lá de baixo.

“Nós vamos tirar você daqui.”

Silêncio.

Somente as bombas falaram após essa promessa.

Quinn Fabray apoiou-se contra o andaime e vislumbrou os destroços tentando encontrar um mínimo vestígio de esperança. Fechou os olhos em concentração. Uma voz lhe chegou aos ouvidos: Sempre há uma saída, ainda que tudo pareça perdido. Respirou fundo e abriu os olhos para encontrar sua última carta.

Uma pedra gorda estava segura por uma barra fina logo acima da alavanca de ferro, se pudesse libertá-la o peso da pedra equilibraria o jogo, erguendo a muralha de destroços.

“Fique com ela, Kitty.” Quinn pediu. “Encontrei uma saída.”

-oooooooooo-

Emma contou os habitantes no porão. A cidade inteira presente. Famílias encolhiam-se durante o estalar de cada bomba. Terminada a contagem, deu por falta de três meninas.

Um murmurinho foi iniciado no fundo do recinto.

Duas mulheres atracaram-se como leoas.

“Para onde sua filha levou a minha?” Uma mulher alta e elegante de olhos azuis cintilantes berrou com outra vestida por trapos. “Se acontecer alguma coisa com Marley eu...”

“O quê?” Esbravejou a outra. “Você sabe muito bem que a sua filha tortura a minha a anos.” Tentou acertá-la, mas Will Shuester segurou-a pelos pulsos. “Se alguém tem culpa nessa história é ela.”

“Chega.” Emma berrou separando-as. “Ouçam o que dizem! Isso é um absurdo. Estão tentando achar um culpado no meio de uma guerra ao invés de se preocuparem com o bem estar das próprias filhas!”

O mundo ficou momentaneamente mudo.

Ambas as mulheres desabaram em lágrimas e cada uma foi para um canto distante no porão trêmulo. Emma chegou perto do zelado e sussurrou.

“Senhor Shuester...”

“Will.” Ele sorriu.

“Certo.” Corou levemente. “Will, preciso de ajuda para encontrar as filhas dessas senhoras. E uma menina de cabelos loiros, chamada Quinn Fabray.”

Ele assentiu silenciosamente.

-oooooooooo-

Quinn escalou a ferrugem de chamas. Suas mãos e olhos ardiam devido ao calor maçante do fogo. Bombas tremiam o chão a todo momento e desestabilizavam a pilha de destroços.

Teve medo que tudo viesse abaixo.

Duas vidas dependiam do seu sucesso.

Dobrou a direita de entulhos e teve o pé cortado quando o apoiou para alcançar a outra ponta da montanha. Escorregou alguns centímetros, mas se manteve firme o melhor que pôde.

“Estou quase no topo.”

Subiu uma inclinação rigorosa que culminava perto da pedra maciça.

Finalmente tocou o concreto milagroso. Precisava de toda força restante para empurrá-lo. As chamas impediram-na de ter um ângulo decente, então se esforçou para mirar na reta da tábua de metal.

Colocou as mãos na pedra e fez um esforço tortuoso.

Houve um mínimo deslocamento.

Um grito veio do chão seguido de um aviso.

“Depressa, Quinn.” Kitty alertou-a.

Para equilibrar-se melhor apoiou as costas conta uma parede e usou as pernas para firmar-se contra pedra. Empurrou uma vez. Nada. Tentou novamente com todo empenho.

Ela se deslocou, mas não o suficiente.

“E agora?” Sussurrou para o nada.

Olhou em êxtase para o vazio da noite. O avião acabara de destruir uma casa bem ao seu lado. Precisavam sair dali agora. Sua visão periférica foi invadida no momento seguinte por uma capa cinza estranhamente familiar.

“Vim ajudar.” Rachel gritou ao lado dela.

“Como sabia que eu estava aqui?”

“Precisamos empurrar de uma só vez e com toda força.” Ignorou a pergunta da alemã. “Vou contar até três.”

Cada uma se posicionou em uma extremidade. Juntas, empurraram com todas as forças. Gritaram na noite escaldante quando parecia que não conseguiriam ir mais longe. Tomaram um último gole de adrenalina...

...e a pedra se soltou.

Caiu, espalmando poeira para todos os lados e atingiu o alvo em cheio. Durante o percurso estremeceu a montanha de destroços fazendo as meninas perderem o equilíbrio e caírem, uma de cada lado, até colidirem no chão.

Quinn levantou estupefata.

Correu para o outro lado da pilha. A judia já não estava mais lá.

“Socorro!”

Ouviu o grito habitual e foi conferir o resultado de seu esforço. A pedra levantou boa parte dos destroços, mas ainda uma ínfima parte prendia Marley terminando de exterminá-la.

“Não, não, não.” Quinn pulou sobre a barra e forçou para baixo. “Vamos, mecha-se!”

Houve um acréscimo de locomoção.

“Por favor, por favor...” Pediu em total desespero. Fechou os olhos e sentiu a barra descer sobre o peso dos seus dedos. Levou um susto e abriu-os para vislumbrar os músculos de William Shuester deslocando o mar de destroços com a ajuda da pedra. “Puxe-a.” Instigou Kitty a ajudar.

Marley foi alavancada, sem cerimônias e caiu sobre o colo de Kitty.

Sentia o corpo inteiro em estado de choque, mas seus pulmões agradeceram o ar invernal.

“Vocês estão bem?” Will checou as meninas. “Vou levá-la para o abrigo. Vocês duas venham atrás de mim.”

Soldados com bandeiras vermelhas enfeitadas por suásticas resolveram dar o ar de sua graça, acompanhados por uma onda de bazucas e começaram a descarregar munição contra os aviões baderneiros.

Foi um verdadeiro caos.

Chegaram a casa em questão de minutos do mais puro terror. Will carregou Marley nos braços seguido por Kitty. Quinn parou na soleira da porta e virou na direção do pandemônio.

Sentiu-se tola por se preocupar.

Mas procurou uma capa cinza no meio da escuridão flamejante.

“O que você está fazendo?” Emma puxou-a pelo braço e jogou-a para dentro de casa. Antes de fechar a porta deu uma última olhada e sibilou baixinho para um sujeito indefinido. “Obrigada.”

-oooooooooo-

Gritos silenciosos.

O porão estava abarrotado deles.

Marley foi depositada delicadamente no canto norte e foi brevemente acompanhada por olhos verdes bondosos que a sondaram com humildade, até Kitty ser arrastada para longe pela mãe da menina.

 “Afaste-se da minha filha, sua imunda.” Rebateu a senhora Rose tomando o rosto de Marley nas mãos cansadas. “Você está bem? O que você estava fazendo na companhia dessa escória?”

Olhos azuis mudaram de direção e voltaram para ela.

Não sabia o que dizer.

“Responda.” Gritou assaltando o ouvido dos habitantes ao redor.

“Eu...só...” Gaguejou sentindo o braço sendo esmagado pelo aperto da mulher.

Will chegou a cena e enlaçou o ombro da senhora Rose diminuindo a distância entre eles para sussurrar: “Comporte-se, senão juro por Deus, vou colocar a senhora para fora desse porão e esperar que sobreviva a chuva de bombas.”

Não houve mais murmurinho depois disso.

Só paz, enfeitada por explosões ao fundo.

Quinn foi carregada por Emma e colocada ao lado da família humilde de Kitty. Encostou a cabeça dolorida na parede fria e recebeu um jato de pomada relaxante no ombro queimado para aliviar a dor.

“Melhor?” Emma fez uma atadura improvisada.

Ela assentiu curtamente.

“Quinn, Quinn, Quinn.” Brittany veio correndo e se jogou contra o colo dela criando alguns gemidos dolorosos devido ao estado lastimável da irmã. “Desculpe.”

“Tudo bem.”

“Melhor vocês tentarem dormir um pouco.” A enfermeira advertiu. Seria uma longa noite. “Estão seguras aqui.”

Brittany se ajeitou no peito da irmã como pôde e fechou os olhos cansados. Quinn se manteve atenta aos ruídos imaginários que agora zumbiam em sua cabeça. Fruto das explosões.

Não conseguiria dormir.

O tempo passou e mais corpos desarmaram-se em meio ao sono urgente. Quinn correu os dedos entorpecidos nos cabelos agora cinzas de Brittany e esperou que ela dormisse uma noite tranquila.

Porque estava a salvo.

 “Todos estamos.” Sussurrou quase inaudível. “Menos...”

“Ela estava me intimidando quando aconteceu.” Quinn saiu de seus devaneios para encontrar a voz de Kitty ao lado. “Estava falando que minhas roupas eram trapos surrados que usava para jogar o lixo fora quando tudo explodiu ao redor.” Prosseguiu suspirando. “Foi muito rápido, a casa foi pulverizada, nos jogamos no chão, mas ela ficou presa.”

“Você pensou em deixá-la e fugir?”

“Sim. No princípio.” Confidenciou dando de ombros. Era o instinto humano agindo antes da razão. “Mas não pude. Simplesmente, não consegui.”

Quinn estava prestes a perguntar por que quando Emma entrou carregada pela luz dos primeiros raios do dia.

“Acabou.”

Todos soltaram o ar preso em uníssono.

-oooooooooo-

O avião fizera um estrago considerável antes de ser devidamente derrubado pelos nazistas armados. Setes casas foram alavancadas e levadas pelo vento. Destroços cinzentos tomaram as ruas de Würzburg.

Quinn estava morta de cansaço.

Passou a noite acordada guardando o sono da irmã.

Virou um corredor para uma cena perturbadora.

“Vamos, Marley.” Incitou uma menina de rosto chapado, prendendo o pescoço de uma Kitty indefesa contra o armário. “Acabe com ela.”

Marley Rose fechou um punho e levantou, encarou os olhos verdes opostos em total pavor, implorando silenciosamente para que ela não fizesse aquilo. Hesitou por o que pareceu uma eternidade até que uma das meninas do grupo berrou para que agisse.

O soco deslocou a mandíbula da menina podre para o lado.

Quinn cuspiu fogo.

Correu até o grupo e esmurrou a garota para o chão. Marley caiu com olhos terrosos e um peso insustentável sobre os ombros.

“Como você pode ser tão ingrata?” Quinn rosnou.

Estava prestes a prosseguir com a lição quando uma voz segurou-a pelos pulsos.

“Chega.”

Emma Pillsbury bloqueou Quinn e pediu que Marley sumisse de vista junto com as outras meninas. A enfermeira analisou o filete de sangue na borda do lábio de Kitty, precisaria de pontos.

“No que estava pensando?” Essa sentença foi dirigida para a menina íntegra. “Quer que sua irmã leve outra surra?” Pontuou exasperada.

 “É um absurdo.” Quinn queria explodir. “Veja o que a Rose fez com a menina que salvou sua vida? Acha isso justo?”

“Não é uma questão de justiça.” Emma sussurrou um alerta. “Você bater nela não resolve nada, só cria mais ira naquela criança e você viu a mãe dela? Como é criada?” Aproximou-se mais calma. “Julgar ou condenar não é direito seu.”

 “Quanta filosofia barata!” Quinn disse antes que percebesse.

Encontrou o olhar desapontado da enfermeira. Os seus próprios estavam em ebulição. Precisava de ar o mais rápido possível. Girou nos calcanhares e rumou para a porta principal.

“Você é melhor do que isso.” Emma gritou com empenho.

Bateu a dobradura às costas.

Não.

Ela não era.

-oooooooooo-

Quinn chegou ao casebre nublado com as maças do rosto em chama. Ficou internamente satisfeita em ver que a judia que estava ajudando estava perfeitamente intacta.

“Olá.” Rachel abriu o sorriso que ela detestava. “Como foi a noite?”

Deixou cair os ombros.

“Como todas as outras.”

Pegou um punhado de pregos cálidos ao lado da varadinha decrépita e subiu o tão conhecido buraco que já diminuía com o passar dos dias trabalhosos. Empunhou o martelo e começou a agir.

Os três primeiros acertaram a madeira como deveriam.

Já o quarto afundou o anelar dela.

“Droga!” Agarrou os dedos com aspereza e segurou-o com a mão boa.

“Você não é muito boa nisso.” Rachel subiu a tempo de presenciar a cena.

“Quer dizer que recitar coisas óbvias também é um talento seu?”Quinn retribui com aspereza.

Para seu acréscimo de raiva, causou uma série de risadas melodiosas cansativas da outra menina. Pegou o martelo com o dedo dolorido e começou a distorcer a madeira tentando acertar o prego.

Rachel parou de rir no momento seguinte.

Alguma coisa estava muito errada.

“Assim você vai terminar de quebrar os seus dedos.” Alertou.

“O que eu faço é problema...”

Mas não pode terminar a frase.

Perdeu o equilíbrio e caiu de lado em direção ao chão do lado de dentro da casa.

-oooooooooo-

Por sorte ou piedade do destino, colidiu contra um sofá arrebentado, o que limitou os danos da queda. A cabeça bateu contra o encosto causando uma leve tontura e ardência na parte de trás do couro cabeludo.

Mas nada que não pudesse lidar.

Vislumbrou a casa na penumbra, iluminada apenas pelo buraco solar no teto. O recinto era pequeno, apenas um quarto mobilhado com um sofá débil, um rádio escondido no canto escuro, uma pequena escrivaninha gasta que ficava de frente para uma cama de casal antiga.

A única beleza vinha de uma lareira em frente ao sofá.

Pura miséria.

“Meu Deus!” Rachel veio correndo porta adentro. “Você está bem?”

“Não chegue perto de mim.” Quinn alertou adivinhando seus pensamentos.

Rachel se deteve. Abaixou a cabeça em sinal de respeito e sentou na cama ao lado.

“Sente alguma dor forte?”

“Minha cabeça, mas vai passar.” Quinn deu de ombros. Observou o corpo com atenção. Tinha dois dedos perdendo sangue. “Que ótimo.”

“Espera.”

A judia imediatamente correu para a escrivaninha e tirou uma caixa de papelão lá de baixo. Carregou um embrulho nas mãos e depositou ao lado da alemã tomando o cuidado de manter uma distância saudável.

Foi aberto por mãos pálidas.

Quinn deparou com álcool e gases numa proporção considerável.

“Onde conseguiu tudo isso?”

“Você faz muitas perguntas.” Rachel deixou no ar.

Os curativos foram rapidamente confeccionados em estado razoável. Quinn jogou a cabeça para trás e fechou os olhos para espairecer um pouco dos últimos pensamentos que a assolavam.

 Tiros. Judeus. Gritos.

Pobreza. Riqueza.

Ingratidão.

“Como pode uma pessoa pobre ser tão amável e uma rica tão detestável?” Saiu um pouco mais alto do que pretendia.

Rachel ouviu e esticou as sobrancelhas.

“Eu me faço essa mesma pergunta.” Disse com um meio sorriso.

Quinn voltou a atenção para ela e entendeu o erro.

“Não estou falando sobre nós, eu...” Analisou a sentença da judia e uma coisa parecia muito errada e totalmente deslocada. Nunca mencionou que tinha dinheiro. “Como sabe que sou rica?”

Houve dois segundos de silêncio.

Olhos encontraram-se numa luta de descobertas mudas.

Até que um barulho rápido e longo quebrou o momento em pedaços.

“Você ouviu isso?” A loira arregalou os olhos.

“Foi um tiro.”

Passos descalços correram para a varanda. Tinha certeza que o som viera de muito perto. Puxou a capa cinza para cobrir os ombros e os cabelos quando Quinn a alcançou.

“Onde pensa que vai?”

“Alguém pode estar precisando de ajuda.” Rachel apertou os passos na neve fofa.

“E o que você pretende fazer sozinha?” Gritou da casa.

Ela girou nos calcanhares para olhá-la uma última vez.

“O possível.”

Embrenhou-se no meio das árvores e sumiu de vista. Quinn estapeou a própria testa. Estava exausta. Não podia lidar com aquilo. Uma pessoa normal sairia correndo para o lado oposto do disparo.

Mas essa menina era surreal.

Demais para o próprio bem.

“Quer ser baleada? Ótimo.” Deu de ombros voltando para a penumbra do interior. Jogou-se no sofá e começou a estalar os pés contra o soalho. A impaciência a abateu de maneira caótica. “Eu não a mandei ir lá, não tenho nada com isso.” Proclamou para as paredes.

Outro tiro ecoou pelo vale.

Ela bufou vencida.

“Não acredito que estou fazendo isso.” Pegou um martelo enferrujado na varanda e colocou-o preso no bolso da calça- em caso de emergência- saiu trotando na tarde invernal, com a cabeça pesada, dedos doloridos e impropérios aguçados.

“Detesto essa menina.”

Jogou-se na floresta cinzenta.


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Notas finais do capítulo

Divirtam-se com as pessoas que vocês amam e larguem os problemas que não tem solução de lado. Tenham uma boa semana e até o próximo.



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