Histórias Sobre Trilhos escrita por Mary e Mimym


Capítulo 1
Próxima Parada


Notas iniciais do capítulo

Oie!! Mais uma fic só minha *-*, um único capítulo, meu primeiro. Espero que gostem.



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Entrei no trem, ainda era manhã, umas dez horas, se eu não me engano, por isso não estava tão cheio. Sentei-me no primeiro assento que vi, o trem era um dos novos, bem estruturado e arquitetado, o ar condicionado funcionava muito bem que me fizera sentir frio.

Era bom estar neste trem, já peguei tantos outros cheios, sem ar condicionado, sem lugar, sem alegria. Não posso dizer que a viagem fora tão perfeita nesse trem novo, podendo assim dizer, porque ainda assim eu via que a alegria não habitava neste também.

A locomotiva saiu da inércia em que se encontrava e começou a se movimentar sobre os trilhos. Era tão bom o silêncio. Diferente dos trens velhos, que dava para ouvir o ranger do ferro dos trilhos.

Haveria uma parada logo em frente e, ao invés do maquinista avisar, ouvi uma voz feminina, diferente.

“Próxima estação...” e logo depois: “Next Station...”. Sorri comigo mesmo, era estranho e engraçado esse novo jeito de anunciar. Algumas pessoas me olharam sem compreender o motivo do meu humor. Tornei a ficar sério novamente. O ser humano tem esse dom de encarar aquele que sorri sem motivo, apenas pelo simples prazer de viver e aprender com a vida.

Logo em seguida, esperei pelo famoso e monótono aviso do maquinista: “Atenção ao espaço entre o trem e a plataforma”. Mas, para a minha surpresa, a mesma voz feminina que havia anunciado a próxima estação também disse essa frase, mas de forma diferente.

“Prezado cliente, ao desembarcar, observe o espaço entre o trem e a plataforma.”.

Sorri mais uma vez, achando engraçado, mas depois bateu uma tristeza, preferiria o maquinista dizendo essa frase. Eu sei... É estranho desejar isso, mas agora eu não sei mais o quanto animado está o maquinista. Em todas as minhas viagens de trem, ele nunca me parecia feliz. Assim como eu ao entrar na locomotiva, assim como todos que entravam.

Todos não, corrijo-me: As crianças são as únicas que se divertem nesse meio de transporte imenso. Mas poucos veem sua alegria de olhar para a janela e admirar a passagem correndo como se estivesse com pressa.

Ouvi mais uma vez a voz feminina, não sorri desta vez. Olhei para as pessoas que estavam no mesmo vagão que eu e nenhuma sorriu. Suspirei. Cruzei os braços. Estava ficando com frio. Ouvi alguém tossi e o olhei automaticamente. Era um senhor, que sentara perto das portas, ele também havia cruzado os braços.

Seus olhos estavam quase se fechando, talvez fosse de cansaço. Ele tossiu mais uma vez e me olhou. Sorriu tão docemente. Retribuí. E depois se ajeitou no banco e encostou a cabeça na parede do trem, voltando a fechar os olhos.

Minha visão se desvencilhou para outro lugar. Um rapaz. Este não desgrudava do celular. Teclando como se não houvesse o amanhã. Pensei, comigo mesmo, que a conversa estava animadora. Mas ele não sorria em nenhum momento. Afastei esse pensamento. Ele ajeitou a mochila em seu colo, mas não desgrudou os olhos do celular.

Decidi não olha-lo mais, estava dando nervoso vê-lo totalmente e absurdamente vidrado em algo tão material e sem vida.

Meus olhos decidiram, por si só, avistar outro ponto do trem. Olhei para um mapa que ficava na altura do teto. “Cinco estações para chegar a Central”, pensei comigo. Olhei para o relógio, ainda era cedo, não chegaria atrasado ao meu compromisso, mas imaginei levar uma bronca ou um tapa, pois havia perdido um trem, então não chegaria pontualmente.

O silêncio estava tão bom, que fiz como o senhor, que sorriu gentilmente para mim, encostando minha cabeça no vão da janela, para descansar um pouco. Quando fechei os olhos, o trem parou e aquela voz eletrônica voltou a anunciar onde estávamos.

Ignorei e voltei a fechar os olhos. Mas o silêncio não foi duradouro. Mais pessoas entraram e o alvoroço também. Aqueles vendedores ambulantes começaram a vender seus produtos. Alguns eram de empresas, outros trabalhavam por conta própria.

Eram tantos barulhos e tentativas de persuasão para vender, que eu não consegui descansar.

Um casal sentara a minha frente, um casal de idosos. Mas o senhor havia se levantado para comprar algo no trem. A senhora colocou a bolsa no banco para guardar o lugar do seu marido.

Um cara entrou apressadamente no vagão, pois a porta já estava se fechando. Ele se dirigiu ao lugar que estava marcado para o senhor que havia saído. Ergui meu corpo, ainda sentado, fiquei com medo que aquele cara pegasse o lugar do senhor. Fiquei atento para ver o que iria acontecer.

A senhora, então, disse que o lugar era de seu marido, sua voz era calma e sem preocupação. Diferente da do cara que a encarou e reclamou em tom alto.

Estamos num trem, não tem essa de ficar marcando lugar, não!— Ele disse bem enraivecido.

Não o culpo, a vida do lado de fora do trem é bem mais estressante do que imaginamos. Até dentro dele é. Nos dias de hoje, são raros os momentos em que não ligamos para um lugar já marcado, nos obrigando a ficar de pé.

O senhor então voltara com um saquinho de amendoim. Eu ri. Ele fora tão longe atrás do rapaz que vendia.

A senhora, esposa dele, o recebeu e contou do acontecido. Prestei atenção na reação deles. Não estava fofocando a vida alheia, mas fiquei curioso para saber a reação.

Surpreendi-me. Os dois sorriram, a senhora olhou para mim e eu não pude deixar de esboçar um sorriso também. Os dois acharam graça. Parei para pensar: Quando ficamos mais velhos, ficamos mais sábios, pois não nos abatemos por coisas tolas, como um pequeno conflito por um lugar marcado.

O senhor abriu o pacotinho de amendoim e, ao invés de comer, deu para a sua amada. Não pensei em nada durante alguns segundos. A cena fora tão linda. Um casal de idosos juntos, felizes... Eles sim sabem o verdadeiro significado da felicidade. Sorri subitamente com aquilo. Pensei em como eu queria encontrar alguém e ter uma vida como a daquele casal. A minha sorte é que eu já encontrei essa pessoa.

Hoje em dia é tão raro ver esse amor verdadeiro...

“Próxima estação...”

“Next Station...”

Meus pensamentos fugiram de minha mente ao ouvir o aviso, faltavam apenas duas estações para chegar à Central. O trem novamente parou e mais pessoas entraram; outras, saíram. Não estava tão cheio, mas havia pessoas em pé.

Um rapaz que vendia água entrou, ele ainda estava um tanto distante de onde eu estava sentado, eu o esperaria para comprar, estava com sede. Mas...

Uma senhora com uma criança no colo entraram no vagão e ela começou pedindo desculpas por atrapalhar o silêncio. Achei desnecessário, já que as pessoas conversavam e o rapaz que vendia água não falava baixo ao anunciar o que vendia.

Ela disse que precisava de ajuda, qualquer valor que fosse, para alimentar seu filho. A criança parecia estar dormindo. Eu não sabia se era verdade o que ela dizia, mas bateu um aperto no coração.

O rapaz que vendia água passou por mim, me olhou como se já soubesse que eu sentia sede, mas eu nada disse. Esperei a senhora com a criança no colo passar e lhe entreguei algumas moedas que estavam no meu bolso que eu usaria para comprar a água. Ela agradeceu e seguiu seu trajeto. Não deu para perceber muito o seu olhar, mas tinha a plena certeza que ela não estava feliz.

A observei até que chegasse ao outro vagão, assim que ela sumiu da minha vista, olhei para outro ponto do trem: A paisagem de fora.

Tudo era tão corrido que mal dava para apreciar. Inclinei-me para frente na tentativa de ter uma visão menos distorcida e corrida. Não deu muito certo, mesmo assim não me importei, era legal apreciar a paisagem de fora. Montanhas, árvores, prédios... Prédios... Prédios... Em alguns pontos não se via muito verde, mas continuei a observar. A moça que sentara ao meu lado se levantou. Faltava só uma estação para chegar ao meu destino.

Assim que o trem parou e a voz daquela mulher, que já estava irritando, anunciou a estação que estávamos, consegui olhar, finalmente, uma paisagem menos agitada. Mas não me agradei muito.

—“Era melhor ver a distorcida mesmo... Até os prédios eram mais interessantes...”— Pensei.

A imagem a minha frente era de pessoas vagando de um lado para o outro, entrando e saindo do trem, com olhares cansados e... Desanimados. Aquilo foi contagioso, pois me bateu um desânimo também. Eu, que antes havia me inclinado para frente na tentativa de ver a imagem que se formava fora do trem, recostei-me e não quis ver mais nada. Do que adianta ver claramente pessoas com pressa, que não admiram nada a sua frente? Do que adianta ver nitidamente os olhares perdidos e tristes, se não há nenhuma maneira de fazê-los ficar contentes?

Fiquei intrigado com meus próprios pensamentos. Deixei até me abater por conta disso. Nesses momentos que é bom ser criança, sabe por quê? Elas não se preocupam em querer prestar atenção em tudo o que as rodeia. Elas simplesmente esboçam um enorme sorriso ao ver uma imagem distorcida da janela. Apontam para uma árvore e caem na gargalhada ao perceber que em poucos segundos já estavam apontando para um prédio que ainda estava sendo construído.

Eu senti falta disso, mas a gente cresce e vai perdendo essa imaginação e alegria constantes. Para os adultos olhar para a janela é como olhar para olhos das pessoas no trem, não veem nada.

Eu estou feliz por saber que ainda não perdi essa visão, mas sei que a perderei... Ou talvez a deixarei oculta em alguns momentos da minha vida. Fechei os olhos.

“Próxima Estação: Central”

“Next Station: Central”

Aquela voz deu uma breve pausa e depois continuou.

“Prezado cliente, ao desembarcar, observe o espaço entre o trem e a plataforma.”.

O trem então parou, meus pensamentos pararam também.

“Central”

Ao dar esse anúncio, as portas se abriram. Levantei-me. Olhei para o vagão e vi que o senhor que sorrira para mim já havia saído nas estações anteriores e eu nem havia percebido. O casal de senhores estava sorrindo um para o outro e se levantaram também. O rapaz que mexia freneticamente no celular também não estava mais ali.

Comecei a caminhar para a saída. Durante o percurso para sair da plataforma, vi um casal: Uma menina de mexas rosa e um ruivinho, os dois estavam de mãos dadas. Ele a beijava calorosamente. Espantei-me um pouco com a voracidade do beijo.

Vi tantas coisas no trem, mas o que mais me marcou foi o amor entre o casal de senhores. E, quando saio da locomotiva, deparo-me com um jovem casal se beijando apaixonadamente. Senti um aperto no coração, bem mais profundo de quando eu vi a moça com seu filho no colo pedindo por ajuda.

Senti um vazio, como se um buraco estivesse sendo aberto em meu peito. Parei onde eu estava e esse pensamento depressivo saiu da minha mente junto com o vento que passara. Olhei fixamente para frente.

Sorri.

Ela sorriu para mim.

O vazio que eu sentira antes foi preenchido pela felicidade que vi a poucos metros de onde eu estava.

Voltei a andar. Apressei os passos e ela também. Paramos um na frente do outro. Abraçamo-nos.

—Fiquei ansiosa com a sua chegada, você demorou. – Ela me deu um tapa no braço. Eu ri, aconteceu exatamente o que eu havia pensado.

—Desculpa, acabei perdendo um trem. Tive que esperar outro. – Disse a olhando.

—Tem histórias para contar sobre a sua viagem? – Ela me conhece tão bem, que chego a me espantar.

—Digamos que... Sim. – Soltei um breve sorriso.

Olhamo-nos durante um tempo. Eu a beijei docemente.

—Quero ficar ao seu lado sempre, quero que você guarde meu lugar no trem quando eu sair para comprar algo para a gente e depois que um cara chegar e ir em direção ao meu lugar, diga para esse cara que o seu marido está sentado ali. Não ligue se ele resmungar. Assim que eu chegar, conte-me tudo o que aconteceu. Depois iremos rir. – Disse, segurando seu rosto.

—Por que está me dizendo isso? – Ela não entendeu de imediato, mas depois completou – Viu isso no trem?

Sorri e virei o rosto.

—Vi nós dois no futuro. – Disse, agora ela sorriu – Vamos?

—Claro.

Segurei sua mão para sairmos dali, iríamos pegar o metrô.

—Elesis. – A chamei.

—Diga. – Ela olhou para mim, curiosa.

Descemos as escadas para chegar à parte subterrânea.

—Eu estava pensando durante a viagem e acho que já sei o que farei.

—O que você fará? – Perguntou.

—Contarei para a pessoa que eu amo tudo o que vivi no trem. Assim que terminar, farei um pedido.

—E que pedido é esse? – Elesis sorriu.

—Não posso contar, preciso dizer a história primeiro. Se a pessoa que amo for paciente, eu faço o pedido.

—A pessoa que você ama será bem paciente. – Ela me olhou e eu sorri.

Ouvimos o som do metrô se aproximando. Dei um beijo na bochecha da minha ruiva e segurei a sua mão.

—Você acha que a pessoa que amo ficará feliz quando eu a pedi para ser a minha companheira até os fins de meus dias? – Fiz essa pergunta assim que o metrô parou.

—Eu tenho certeza que sim. – Elesis entrou no vagão.

Sorri. Entrei também. Não havia lugar para sentar, ficamos em pé. Eu a segurei, abraçando-a, pois também fazia frio por causa do ar condicionado.

O metrô deu partida. Comecei a contar sobre o que vi no trem. Ela sempre me ouvia atentamente.

Eu sempre contei histórias alheias, mas estava perto de começar a contar a minha. Talvez na próxima parada eu vá fazer o pedido. E um novo livro será escrito...


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Notas finais do capítulo

E então? Eu queria saber muito o que vocês acharam dessa história, ainda mais por ser de único capítulo.



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