Flores para Ela escrita por AHB


Capítulo 1
Flores Para Ela




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/36636/chapter/1

As portas do metrô abrem com um som metálico característico. As pessoas transitam pelas portas, distraídas com os próprios pensamentos. Minha mente estava quita e vazia, quando, do meio da multidão, ele apareceu. Era um senhor de meia-idade, grisalho e um pouco calvo, tipicamente brasileiro, vestindo calças jeans surradas e uma camisa social. O que atraiu minha atenção era que carregava um espalhafatoso cesto de flores vermelhas, decorado com papel celofane e um coração de pelúcia, além de um pequeno cartão dourado.

Para quem ele entregaria o tenebroso presente?

A principio, imaginei que fosse para sua esposa. Era um casamento feliz e esse era um presente de aniversário. Ela sem dúvida ficaria contente, eles jantariam ao som de música sertaneja e então aproveitariam da vida conjugal. Logo em seguida ocorreu-me que tal presente era um pedido de desculpas, pois ele a havia surrado na semana anterior. A esposa tinha então, se refugiado na casa da mãe e ele, com seu orgulho paternalista, levava esse cesto ridículo e aí imploraria pela volta da mulher, afinal a casa não funcionava sem a presença dela. Fazia sentido.

Ou talvez fosse um exagero de tragédia: os anos de convivência poderiam ter desgastado o relacionamento e o presente fosse uma tentativa de reanimar as coisas.

Isso fez vir a tona outra ideia... Quem sabe aquelas rosas não fossem um presente para uma amante? Uma moça com a metade da idade dele, vivendo de presentinhos do homem velho, tolo e apaixonado.

Quanto veneno! Isso já está tornando-se uma novela. Vejo o homem trocar poucas palavras com um rapaz sentado no banco posterior. Será que o dono das flores era gay? Talvez ele escondesse um relacionamento homossexual da família e dos amigos a anos, tudo pelo bem da sociedade moralista cristã em que vivia.

Pobre diabo, se isso fosse. Não deveria ser fácil...

Penso em escrever algo sobre ele, quando me ocorre que se tratava apenas de um presente de dia dos pais atrasado, feito com todo o carinho de uma filha querida, mas muito atarefada. Fazia sentido, porque ele havia aberto o cartão, e dentro, bem dobrada, havia uma mensagem escrita em uma folha de fichário.

O trem sacoleja, viajando veloz pelos trilhos de aço. Estamos próximos de uma estação e ainda não solucionei o motivo daquele homem comum carregar um objeto tão chamativo.

Lembro-me que, nos filmes policiais, mafiosos russos costumam mandar um buquê de flores, em número par, para aqueles que serão executados. Será esse homem um criminoso? Ou apenas um entregador que não sabe o crime que está por intermediar? Havia entrado nessa para trazer um pouco de ação a sua vida pacata, ou era apenas pelo dinheiro, afinal haviam contas a ser pagas e bocas a ser alimentadas.

Antes que pudesse solucionar o mistério do passageiro e seu cesto temível de flores, o trem para e o homem desce, calmo e despreocupado, carregando aquilo que criou tanta expectativa.

Ajeito-me em meu assento e repito comigo mesma que "são apenas flores para ela".


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!