Despedida escrita por Robson Moura


Capítulo 1
Nós dois




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Se eu morresse agora. Eu queria ver sua imagem.

Talvez assim, eu poderia descansar em paz.

Isso faria com que meu espírito se enchesse de alegria...

Mas será que se pode ser feliz na hora da morte?

Não sei.

Eu desejaria ver sua imagem e os seus olhos verdes,

Refletidos em meus olhos agonizantes...

Isso seria como a fé que surge no desesperado.

E o desespero da agonia seria apenas

A melancólica fantasia da despedida.

...

 

Ele conseguia sentir o frio e ouvir a música que tocava no velho rádio. Não devia ter abusado da heroína, pensava. Sentiu uma pontada forte em seu abdômen, e quando colocou a mão, notou que a dor havia se tornado mais intensa. Viu então que sangrava, mas não se lembrava de muita coisa, só conseguia lembrar que havia abusado demais da heroína.

Com a visão embaçada, pôde ver que o quarto estava praticamente escuro, apenas a luz do banheiro iluminava o lugar. Fechou os olhos e deixou a cabeça cair em cima do travesseiro. Seus pensamentos lentos, procuravam pedaços das lembranças de horas atrás.

Sentiu que braços o agarravam e o puxavam.  E quando se deu conta, já não estava vestindo a camisa, e depois de uns segundos sentiu uma leve queimação sobre a ferida.

 – Quieto, a dor irá passar logo – disse uma voz conhecida.

Levou uns segundos para reconhecer a voz.

Harry... – disse, tentando disfarçar um grito de dor.

Draco esfregou os olhos e fitou o rapaz que estava ao seu lado. Os mesmos cabelos bagunçados, os mesmos olhos verdes... Era ele, era Potter quem estava ali, limpando seu ferimento para fazer curativos novos.

 – O que aconteceu? Eu não lembro de muita coisa – disse Draco, com a voz arrastada.

– Eu encontrei você desmaiado lá fora, ensanguentado – Harry fez uma breve pausa. – Parece que nesse seu bairro as pessoas não se preocupam umas com as outras.

Acho que dessa vez abusei. brincou o loiro. E dessa vez pôde sentir uma queimação incômoda.

– Você sempre diz isso, Draco.

Ele tem razão, pensou. Não sabia como havia chegado àquele ponto, primeiro a prisão do pai, depois o fracasso profissional e por último o término de um relacionamento. Sentia que nada mais poderia acontecer, e se envergonhava por ser tão fraco... E ele dizia várias e várias vezes que seria a última vez, que não as usaria mais.

Draco notou que o tom na voz de Harry era sério, e que nunca o tinha visto daquele jeito. O rapaz parecia cansado, há quanto tempo estaria ali? Ou melhor, há quanto tempo ele estava ali.  Sua cabeça começou a latejar. Harry terminou de limpar o ferimento e foi ao banheiro jogar as gazes velhas no lixo.

– Você poderia trazer algo para dor de cabeça? Dê uma olhada no banheiro, deve ter alguma coisa.

Draco sentia que a cada segundo o ambiente se tornava mais frio e que seu corpo se tornava cada vez mais fraco. Mas ignorou isso, observou enquanto Harry ia até a cômoda e abriu a gaveta. Ele pegou uma camisa branca, e outro cobertor. Achou engraçado, Harry ainda se preocupava com ele.  Harry deixou a camisa sobre a cama e foi rápido até a cozinha, voltou segurando um copo d’ água. Fez com que Draco tomasse o analgésico que ele havia encontrado. O rapaz ajudou o outro a vestir a camisa, o loiro aproveitou esse momento para encostar a cabeça em seu peito. O moreno ficou sem ação, abraçou-o. Draco pôde sentir que o corpo de Harry era quente.

Você perdeu muito sangue – disse Harry.

– Eu vou ficar bem – após um suspiro longo, o loiro continuou. – Há quanto tempo você está aqui? 

– Há pouco tempo. Você teve sorte, resolvi ver você justo hoje.

Draco fitou seu braço esquerdo, notou que não estava com o relógio de ouro que sua mãe havia lhe dado de presente.

– Eles levaram meu relógio... – disse Draco, com certa raiva.

 Hã? Eles quem? – perguntou Harry.

Os estranhos... Lembro de dois rapazes... Acho que tinham facas.

Lembrava-se disso também, dos rapazes com facas e da heroína.  Harry cobriu o loiro, que puxou o cobertor mais um pouco, para esconder seu braço. Não queria que o moreno visse as marcas de sua fraqueza, como estava mais pálido que o normal, elas ficavam em evidência.

Não adianta esconder – disse Harry. – Eu já vi. Pensou que só elas poderiam ajudar você?

Um fio de humilhação passou pelo loiro, não queria ser visto daquele jeito.

– Bastou um término de namoro pra você...

Draco se irritou. Foi rápido:

– Idiota! Não comecei isso por sua causa – foi ríspido. – Não lhe daria esse prazer.

Harry voltou a ficar sério, abraçou Draco com mais força. O loiro se sentia fraco, e sua dor de cabeça se tornava mais forte.

– Está frio – disse o loiro. E depois de uma pausa tornou a falar. – Se minha mãe me visse assim, hein? O que você acha que ela diria?

Diria que você é um completo imbecil respondeu Harry, sorrindo.

O loiro pensou em uma resposta mal criada, mas achou melhor não dizer. Pro inferno o orgulho, ali ele já não servia para nada.  Não queria ferir seu sorriso com sua língua em forma de espada.

– Você se perdeu, Draco. Espero que tenha aproveitado suas seringas.

Não me julgue, Potter. Não venha com seus discursos moralistas. E sem falsa piedade...  Poupe-me dela.

Harry riu abafado. Draco também riu, mas um riso fraco. A presença do moreno começou a anestesiá-lo, já não sentia a dor de cabeça.

Droga! – disse Harry. – Sua ferida voltou a sangrar.

Harry deitou Draco com cuidado e se levantou. Tirou o curativo ensanguentado, voltou-se para o criado mudo, pegou novas gazes e panos limpos.  Demorou alguns minutos até estancar o sangramento.

– O corte foi profundo... – disse Harry, era visível sua preocupação. – Tenho medo, espero que não tenha atingido nenhum órgão seu...  Droga, Draco! Acho melhor levar você ao Hospital... Vou descer para pedir ajuda. Levo você no meu carro... Ou eu devo chamar uma ambulância?

Harry percorreu o olhar pelo cômodo à procura do telefone.

– Não! – berrou Draco.  – Esqueça, só faça o mesmo curativo.

O loiro ficou calado, pensou em chorar. Teve medo, medo da morte... Deveria ser forte, tentar resistir. Mas sabia que estava fraco, talvez não desse tempo para a ajuda chegar.  Até que ele chegasse à ambulância, até que chegasse ao hospital... Seria um tempo perdido, cada segundo era precioso... E seriam bem aproveitados ali, naquele momento.  Draco prestou mais atenção na música que tocava, ouviu o som do piano e dos violinos.

– O que você quer dizer com isso? – perguntou Harry, sua expressão era atônita.

– Você sabe...

...

Sei que daqui a pouco você já não vai estar aqui

...

– Eu não gosto de ver você desse jeito, Draco  – disse Harry, enquanto beijava a testa do loiro.

Por um segundo ele quis que o tempo parasse naquele momento. Teve vontade de confessar que sentia saudades daquele “testa rachada”. As outras coisas já não tinham mais importância, apenas Harry era importante. O quarto estava mais escuro, e Draco sentiu que estava ficando mais frio... A luz da rua atravessou a janela e permitiu que ele enxergasse os olhos verdes de Harry. Sentiu que o seu abraço era especial, e que seus olhos verdes eram a única vista que ele queria ver...  E que seus lábios eram os únicos que queria beijar.

– A morte é rápida – disse Harry, enquanto uma lágrima escorria pelo seu rosto.

– É o que dizem – sussurrou Draco, sentido que faltava pouco. – Está frio aqui... Me abraça mais forte?

Assim Harry fez, abraçou Draco mais forte.  O loiro se atreveu mais um pouco.

– Um beijo, é a última coisa que eu peço.

E Harry o beijou. Um beijo que faria o sangue de qualquer um ferver. Seus lábios tocaram os de Draco, sentiu a língua do rapaz. Então juntou forças para se empenhar naquele beijo com gosto de morte. Harry o beijou mais uma vez, demorado. Apertou Draco contra o seu corpo, suas lágrimas já não se continham.

– Você sabe que eu amo você, não sabe?  – disse ele, aos soluços.

– Sei? – perguntou o loiro. Tinha um sorriso sereno.  – Sim, acho que sei.

Suas falas emudeceram, o único som era o do rádio. Harry beijou o rosto do loiro uma última vez. Draco já não disse nada.

“Draco”, Harry disse baixo. Mas não houve resposta.

...

Sinto sua face em meu abraço gelado. Sei que daqui a pouco você já não vai estar aqui. Em meu abraço, tudo que eu posso dizer é: vamos esperar a morte, nossa hora chegou.

Na cama, lençóis manchados com seu sangue... E o rádio antigo toca “La Traviata”...

Eu imaginava um futuro diferente... Agora imagino um futuro tingido em cinza e preto...

Você não se move. Por um momento pensei que morreríamos juntos. Eu deveria ter ficado com sua fotografia, pois duraria mais tempo que você.

É assim que isso termina.

Lá fora está escuro.

E após um tempo, posso ver a manhã surgir...

Outra vez.

 

 

 N/A:

 La traviata (em português A transviada) é uma ópera em quatro cenas (três ou quatro atos) de Giuseppe Verdi com libreto de Francesco Maria Piave. Foi baseada no romance A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. Mas não relaciono  o romance à fic.  ^^

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Fic postada. Espero que tenham gostado. Um pouco triste eu sei, mas o próprio gênero explica tudo. ^^
Espeo reviews.
Abraços!!



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