60 Segundos escrita por Jessearth


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

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O tempo era de 60 segundos.

Fora este apenas o prazo que lhe deram antes do fim, então, como não tinha mesmo o que fazer, decidiu esperar.

55 segundos...

Onde estava sua família? Gostaria de saber onde andava sua mulher e filhos. Será que sabiam que tinha apenas alguns segundos de vida? Será que choravam? Descabelavam-se? Berravam por sua vida?

Ou estariam felizes? Mesmo porque ele não fora um exemplo de pai, nem de irmão, quanto menos de marido para poder se defender. Como homem e pessoa na sociedade, ele fora ninguém. Ou talvez menos que isso.

48 segundos...

Havia uma luz machucando-lhe os olhos. Tinha certeza de que a enfermeira desatenta esquecera o abajur aceso, porque nenhuma luz celestial viria salvá-lo.

Interessante, seria nessa hora em que o diabo apareceria com uma “oferta irrecusável”? Aonde teria que assinar para ter sua vida miserável de volta?

40 segundos...

Seu colega da faculdade dissera que após a morte, veríamos um barco flutuando num lago escuro (Styx) e, dando uma moeda para o barqueiro, poderíamos passar para o “outro lado”.

Tinha dez pratas no bolso da calça, será que Caronte aceitaria moeda local?

35 segundos...

E o padre disse, com sua voz complicada e etérea: arrependei-vos, filhos da perdição, para assim herdarem o paraíso após a morte.

“Eu me arrependi”, pensou. “Arrependi-me de ter te ouvido aquele dia”.

Onde estava aquele deus para lhe salvar? Não matara, não roubara, não prostituíra, nem a mulher gostosa do vizinho tinha lhe tirado do caminho. Onde ele estava com sua graça celestial?

29 segundos...

Uma dor comprimiu-lhe o peito e levou a mão a ele, apertando-o.

Como seria morrer? Haveria um estalo de “fim de conexão”? Um filme recordatório de sua curta vida, talvez? Uma luz branca que não viesse do abajur?

Ou seria como adormecer? Fechar os olhos inconscientemente e quando perceber... Puf! Uma nova alma para o capeta!

23 segundos...

Estava perto. Quase podia sentir o bafo pútrido da morte. Deveria estar ali, bem perto, gozando-lhe a cara com seu tempo em mãos, checando-o avidamente.

19 segundos para um idiota qualquer morrer...

Talvez essa seja a hora em que deve se arrepender, como nos filmes, para então alguma força externa salvar-lhe e poder abrir os olhos novamente para o mundo. Talvez devesse dizer algo bem constrangedor, assim alguém poderia rir nesse momento único.

10 segundos...

É agora! O momento derradeiro. O fim.

Havia sim um filme rodando em sua mente, e com desgosto, lembrou-se de sua vida enfadonha, dos atos sem valor, do desgaste sem motivo, do estupor mental.

3 segundos... 2... 1...

...

...

Nesse último momento, ele provou a dor, única responsável por reafirmar, no ultimo instante, sua condição humana. Provou a angústia, recebendo-a de braços abertos, como única emoção verdadeira. Sentiu pena de si mesmo.

Nesse derradeiro segundo, no limiar da consciência, enquanto sua alma esvai-se de seu corpo, para perder-se em diferentes mundos fúnebres, ele teve uma revelação. A plena certeza de que durante toda a sua trajetória de vida, o maior marco de sua existência formou-se... No momento em que parou de viver.


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