3 Meses Com Annie escrita por Tamires Nogueira


Capítulo 1
Capítulo 1: Despachada


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem do primeiro capítulo.



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21 de junho.

Exilada na Sibéria. Quer dizer, Peruíbe Se existe uma diferença, não imagino. A Sibéria não é aquele lugar que te mandam pra morrer? Ao que me parece, Itariri não é muito diferente. Acho que a idade média daqui é de uns 85 anos, com expectativa de vida de 86 anos. Tem algo errado nisso ai... Obrigada mãe! Obrigada por me pagar uma passagem só de ida pro inferno. Oh, quer dizer, pro mausoléu dos meus avós que tem cheiro de meias sujas. Tenho certeza de que estão todos animados, e tenho certeza de que vai ser um ótimo verão do nível tortura chinesa pra todo mundo. Mas enfim... Quem se importa? Ninguém. Na verdade, talvez, Itariri seja o lugar perfeito pra mim. Aliás, quando eu descer desse ônibus deveria só atravessar o píer e pular! Acabar com tudo! Adeus mundo! A verdade é que se eu não estivesse por perto, os problemas de todos se resolveriam. Minha mãe poderia se concentrar em salvar seu oitavo casamento, e minha avó poderia passar o resto da vida fazendo aqueles trecos com conchas do mar. E meu avô, só ficaria concertando seu barco... que ele nunca terminou. É, minha avô nunca se importaria se eu sumisse. Minha avó tem um problema sério de ansiedade. Talvez eu devesse dar uns comprimidos meus pra ela. Eu devia fazer isso mesmo. Facilitar as coisas pra todo mundo. Se eu não estivesse aqui, eles viveriam melhor. Só tem uma pessoa que poderia realmente se importar. Mas meu pai morreu quando eu tinha 1 ano. Por que eu nunca fico impressionada em ver tanta gente velha ao mesmo tempo em um lugar só?

— É uma alegria ter você aqui. De verdade!

Meu avô está sempre tentando fazer as coisas parecerem mais bonitas do que realmente são... Isso meio que me lembra um garoto que eu conheci. Numa outra vida... Onde será que ele estaria agora?

— É, na verdade, não estava nos meus planos passar o meu verão inteiro com um monte de gente velha. Isso aqui parece um asilo!

— Acho que também não planejou ir para a escola no verão, não é?

— Se eu me preocupasse só um pouquinho com a escola, eu acho que sim... É meio que um alívio.

— Sua mãe disse que tirou notas ótimas o ano todo. Isso é fantástico... Deveria se orgulhar de si mesma e entrar em uma boa faculdade.

— São só notas vovô, nada pra se orgulhar. E eu não vou fazer faculdade...

— Claro que vai! — e ai está. Minha avó querendo se intrometer na minha vida. Mal cheguei e ela já começou com o show. Se ao menos eu ganhasse algo por isso...

— Não vou não, porque na verdade eu vou me matar antes de completar 25 anos, então... Não sobra muito tempo pra eu me formar!

Minha avó quase infartou com minha piadinha. Infelizmente foi "QUASE".

— Caso você saiba, Annie, piadas devem ser engraçadas! — retrucou minha avó.

— Mas não é uma piada!! Olha, eu fiz uma lista de varios jeitos de morrer. — tirei do bolso um caderninho marrom que eu costumava usar como um diário. — Cair de um lugar muito alto, eletrocução... Sabe, eu ouvi falar que seu coração frita e você vomita os restos até morrer e...

— Annie já chega!!!!! Pare agora mesmo!!!

— Não, espera, eu ainda não terminei! — eu disse sorrindo. — Ainda tem uma lista de coisas que eu quero fazer antes de morrer. Por exemplo, eu quero comer um inseto! Só pra dizer que eu comi mesmo... E, eu quero brigar com um homem adulto, tipo aquelas mulheres dos filmes que deixam os caras no chão. E eu quero fazer uma tatuagem. De qualquer maneira, depois que eu escolher como eu vou morrer, eu vou tentar fazer tudo dessa lista aqui, e aí cometer um suicídio bem sinistro. Ninguém mais vai ter a Annie aqui enchendo o saco.

Meus avós ficaram calados o resto do caminho. Vovô parou o carro bem em frente a casa. Nossa, eu não via aquela casa desde os meus 6 anos.

— Ah! Olha só quem é! Certamente você cresceu e se tornou uma bela jovem... Debaixo dessa maquiagem.

— Sra. Fontana, a mesma velha mala sem alça e intrometida!

— O que??? O que disse? — e agora ela estava surda... Isso ia ser tão divertido....

— Eu perguntei... Como é que vai a vida!!? — eu gritei.

— A vida? Quem é essa??? — Surda e ainda por cima burra? Sério isso produção?

— Ah... Ei, — eu aumentei meu tom de voz. — a Senhora ouviu falar sobre um pedaço de lixo espacial enorme que caiu sobre a casa de uma Sra. a quase uma semana atrás, bem aqui mesmo, em "Infernuíbe"?

— ONDE????? — Meu Deus! Pra que ela grita tanto? Não é porque ela é surda que eu também seja!

— É sim!!! O universo é cheio de coisas malucas flutuando pelo céu... — eu fui abaixando meu tom de voz até virar um sussurro e ela ter que aumentar o volume de seu aparelho de surdez. — e ai de repente BUUUMMMM!!!!!!!!!!! — ela deu um pulo para trás quando eu gritei.

— AAH!!!!

— Tudo vira cinzas. Tchauzinho!

É, ia mesmo ser divertido tirar uma onda com essa velhinha. Primeiro dia e eu já tinha ganhado meu motivo de risadas! A casa dos meus avós tinha mudado. Era rosa, e agora esta branca. Por dentro e por fora. E aquelas "esculturas" de conchas da minha avó estavam tomando conta da casa. O pior, é que eu nunca conseguia entender o significado delas. Deviam ser o que os artistas chamam de arte abstrata.

Subi pro quarto que deveria ser meu, e que foi da minha mãe um dia. WOW! MAIS CONCHAS! Eu estava quase me sentindo a pequena sereia! Bom, ruiva eu já sou. Agora preciso ter uma cauda verde e começar a conversar com um peixe e um caranguejo. Tinha uma pia. Não sei por que, mas tinha. E do lado uma mesinha com uma maquina de costura infantil. O papel de parede era desgastado e cheio de desenho de peixes. E tinha o gato. Já que eu não tenho um peixe para conversar... Vamos conversar com o gato!!! Apesar de tudo, adoro gatos. Embaixo da mesinha com a maquina de costura, tinha uma saída de ar. E dava pra ouvir meus avós conversando na cozinha. E mais uma vez, eu era o assunto favorito da minha avó. Eu deveria começar a cobrar por isso, eu ia ficar rica!

— Ela é louca! Se eu fosse a mãe dela teria a mandado pra um sanatório.

— São só três meses! Relaxa logo ela vai embora. Não acha que ela está falando sério, acha?

— Claro que não, ela está só sendo dramática. Tentando nos enlouquecer.

— Hum, sabe quem ela me lembra nessa idade?

— Claro, a Karen...

Karen é minha mãe. E com esse elogio maldoso, ganhei um galo enorme na nuca, porque bati a cabeça na mesinha.

— EU NÃO PAREÇO NADA COM A MINHA MÃE!!!!!!!!

Se tem uma coisa que eu odeio nesse mundo, é que me compare com ela. Não que eu a odeie. Nunca. Mas não gosto do jeito dela tomar as decisões, e nem do jeito de agir. Oito casamentos é uma prova disso.

Terminei de arrumar minhas coisas e depois desci pra comer um lanche que meu avô tinha feito pra mim. E ela já estava na mesa. Preparar os ouvidos!!!!!!!!

— Vô, pode me dar 20 reais, por favor?

— Ah, claro!

Nossa! Fácil assim? Bom saber.

— Annie, deve saber que aqui em casa existem algumas regras.

— Olha vó, não se preocupe com isso, tenho certeza que minha mãe já me disse todas...

— Ah, que bom...

—... Tenho mais certeza ainda de que eu não prestei atenção.

— Bom, então me escute. Você poderá ter um verão muito bom aqui, mas com minha supervisão. Então, se quiser algum dinheiro, terá que arranjar um emprego. Não pode chegar depois das 22h, e não tem permissão pra sair da cidade. Principalmente ir ao Parque perto da Represa, não é lugar pra você. Entendeu querida? 

— Ok. — Eu coloquei meu lanche no prato devagar, depois continuei. — Deixa eu te dizer como vai ser, “querida”. Eu vou aonde eu quiser, quando eu quiser e com quem eu quiser. E só volto pra cá quando eu quiser. É assim que funciona com a Karen, e se for um problema pra você, resolve com ela. Foi ela que me criou assim. Entendeu? Vamos fazer um favor para nós duas e não falar nada uma da outra, e o verão vai passar bem depressa. Okay? Ok. Obrigada pelo dinheiro vô.

Peguei o dinheiro, o meu resto do lanche, e fui pra fora. Fiquei sentada no balanço na varanda, olhando os idosos cuidarem de suas casas, ou do jardim. Meu avô veio me ver uns 10 minutos depois. E me trouxe um sorvete. Ele era o único naquela casa, que eu conseguia ter uma conversa amigável. Parte, porque ele não ficava me cercando, nem dando palpites na minha vida.

— Quanto seu carro faz? — perguntei, interessada na lata velha.

— 80km por hora.... na descida.

— Hm... Posso pegar?

— Melhor não... Eu sei o que houve quando tentou tirar sua carteira.

— Hey!!! Aquele instrutor era emocionalmente instável tá? Não foi meu jeito de dirigir que fez ele chorar! — Meu avô começou a rir. Finalmente! Uma risada nesse lugar! — É sério! Não ria!!

— Vamos ver o que sua mãe pensa...

— O que ela pensa? Vou te dizer, ela é campeã em dar bola fora... Ela acha que a teoria das cordas tem a ver com tricô. — Mais risadas! — Ela é a mulher que me aconselhou sobre meninos, e os maridos vem e vão tão rápido que eu mal posso acompanhar!!! Qual é esse? Numero nove?

— Quarto. E não pode dirigir sozinha sem habilitação. É ilegal. — Epa. Essa não era a voz do meu avô. Ah olha ela ai, minha avó mais uma vez. Ela não cansa?

— E qual a pior coisa que poderia acontecer? Eu morrer?

— Não, a pior coisa, seria você levar alguém junto quando morrer. — Menos mal, assim eu não ficaria sozinha na minha jornada para o céu. — joguei as costas da mão na testa imitando um drama barato. Minha mãe vai me pagar por me fazer ficar aqui... Isso se eu for pra casa.


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