Diários escrita por Tai Bluerose


Capítulo 7
Diários de Ciel 6: A Dor da Incerteza


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta com mais um capítulo. Espero que gostem.
Boa leitura.



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Diários de Ciel 6: A Dor da Incerteza

30 de Abril de 1889

Há um mês, não havia nada que eu quisesse mais do que receber uma carta do Sebastian. Ele voltou a me escrever, exatamente como eu pedira, no entanto, não consigo deixar de me sentir um tanto decepcionado. Sinto como se tivéssemos voltado ao início de algo. Antes da maldita briga, suas cartas eram mais livres, mais cheias de emoção e doçura. Não digo que há frieza em suas cartas agora, não é isso. Mas a escrita do Sebastian parece mais contida, e ele evita falar sobre como ele se sente... sobre qualquer coisa sobre ele mesmo.

Ela fala sobre tudo e sobre todos, menos sobre ele mesmo.

Eu não havia notado essa mudança em suas primeiras cartas, mas percebo agora. Isso tem me incomodado muito, porque, o que eu esperava era conhecê-lo melhor. Conhecer o Sebastian por trás do aluno. O Sebastian que os outros não conhecem. E tudo o que eu tenho recebido é uma cópia do Sebastian que todos conhecem. Não sei como explicar, mas eu sei que ele é mais do que isso. Mais profundo, mais intenso do que isso... mais apaixonado.

Quando estamos juntos, seus movimentos também parecem controlados. E ontem, eu tive a estranha impressão de que ele possui algum tipo de controle sobre quantas vezes ele pode me olhar nos olhos. Três vezes, durante uma mesma conversa. Depois disso ele evita contato.

Preciso dizer como isso está me deixando louco? Eu não sei o que há de errado com ele, não sei o que devo fazer, ou o que ele espera que eu faça.

Ele sempre me deixava uma flor dentro dos livros que me emprestava. Ele não faz mais isso. Será que perdi sua atenção?

Outro dia perguntei a ele se ele ainda queria me ter como amigo. “Mas é claro, Ciel!” foi a resposta imediata dele. Perguntei, então, porque ele estava agindo diferente, meio distante. Ele se mexeu um pouco, meio constrangido, como se a resposta se revirasse dentro dele como uma cobra mal-humorada; e ele disse:

 – É porque eu quero que continue sendo meu amigo.

Eu definitivamente não entendo a lógica dele.

É estranho estar com ele e sentir essa neblina desconfortável que nos apanha às vezes. Uma hora, estamos bem, como antes, conversando, sorrindo, próximos o suficiente para nos tocarmos, e, de repente, um silêncio o toma, e ele se vai.

Eu queria que...

Não. Eu não tenho recebido a mesma porção dele que os outros recebem, eu tenho recebido menos. Talvez Alois estivesse mesmo errado, porque... Porque se ele estivesse certo, não deveria eu estar recebendo algum tipo de atenção especial?

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03 de Maio de 1889

Hoje eu me aborreci de verdade com o Sebastian. Estávamos estudando no jardim (isso fazemos sem problemas, talvez porque tenhamos que falar apenas sobre a matéria), quando perguntei se ele gostaria de ir comigo até o lago. Foi quando vi aquele mesmo comportamento arredio, o mesmo fugir de olhos, a sensação amarga e intragável de estar sendo evitado. Geralmente me sinto constrangido ou triste quando ele age assim, involuntariamente me apiedo dele. Mas hoje, hoje me subiu uma raiva repentina, uma inconformidade avassaladora.

Coloquei-me de pé num salto, com os cadernos em mãos e derrubando meus lápis. Joguei tudo dentro da minha bolsa, sem me preocupar se iria amassar ou sujar. “Não precisa continuar fingindo ser meu amigo se minha presença o incomoda tanto”, eu falei antes de me afastar. Não sei se ele tentou me impedir ou se disse alguma coisa, eu não olhei para trás até chegar aqui e estava surdo de raiva.

Minha bolsa está cheia de grama, devo ter arrancado quando apanhei os lápis do chão. Acabei de verificar que a folha do exercício rasgou bem no meio, vou ter que escrever tudo novamente. Maldito Sebastian!

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04 de Maio de 1889

Ele continua me ignorando e pensa que eu me importo com isso.

Pouco me importa o que ele faz. Tenho outros amigos. Não preciso aturar as esquisitices dele.

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06 de Maio de 1889

Estava relendo as antigas cartas do Sebastian, e uma delas me chamou a atenção. Uma de março, que trazia uma nota de rodapé.

4ª/parágrafo

Lembrei-me que era um tipo de código e na época eu não descobrira. Mas agora, eu tinha tempo livre, e o distanciamento me fez querer ler e reler as palavras de um amigo que se importava comigo. Pelo menos na época em que a carta foi escrita.

Primeiro achei que tivesse algum segredo escondido no quarto parágrafo, mas li e reli e não descobri nada. Depois de muitas suposições, percebi que Sebastian escrevera 4ª e não 4º. A quarta de cada parágrafo. A quarta palavra de cada parágrafo. Era tão simples! Como não notei antes?

Selecionando todas as quartas palavras eu obtive a seguinte frase:

“Ciel, você é a pessoa mais importante para mim, Sebastian”

Quando eu formei a frase, eu sorri. E senti como se tivesse ganhado um bilhete premiado. Minha primeira reação foi contar a Sebastian que eu tinha descoberto seu segredo. Mas lembrei que não estamos nos falando.

Talvez eu não fosse tão importante assim.

Eu peguei as cartas e tranquei de volta no meu baú.

Quando eu tinha nove anos, as amizades costumavam ser mais simples.

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07 de Maio de 1889

Por que ele não vem falar comigo? Será que ele espera que eu peça desculpas por aquele dia? Por que eu deveria fazer isso, se ele que estava se comportando inadequadamente? Ele que venha pedir. Não preciso dele.

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Rascunhos feitos no diário de Ciel depois do dia 07 de Maio

Meu pai me mandou um livro novo, gostaria de lê-lo? Talvez pudéssemos

Sebastian, sobre aquele dia... eu...

Sabe, eu descobri o segredo naquela carta. Você ainda pensa assim?

Sinto muito pela forma como agi, Sebastian. Nós podemos 

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Carta de Sebastian Michaelis enviada a Ciel Phantomhive em 10 de Maio de 1889

 

Caro Ciel,

Perdoe-me se eu de alguma forma o magoei. Não era, nunca foi a minha intenção. Sei que meu comportamento tem sido meio evasivo, mas não sei como lhe explicar as minhas razões. Na verdade, não posso. Sei que está bravo comigo, e até agora não veio falar-me.

Fique bravo comigo, Ciel, mas certamente não me odeie. Eu penso em você muitas vezes.

Há sempre alguém me observando, há sempre alguém me controlando, dizendo o que eu posso e o que eu não posso fazer. Com quem devo falar e com quem não devo. Olhos que me julgam e me recriminam. Não quero isso para mim, não quero isso para você.

Eu fui imaturo, eu fui insensato. Perdi o controle e me meti naquela briga que só me trouxe problemas. Eu devia ter ignorado, eu devia ter deixado passar. Foi tolice minha pensar que ninguém... Eu fui descuidado, Ciel, entende o que quero dizer? Eu sei que não. Estou a falar coisa com coisa, não é mesmo?

Eu fiquei com tanto medo de perder sua amizade, que não percebi que eu mesmo a estava destruindo aos poucos. E você foi tão paciente e gentil, como sempre. Você tem sido um bom amigo. Não o culpo por ficar zangado comigo. Eu não tomei a melhor decisão, já que magoou a mim e a você. Naquela tarde, quando você se afastou, me acusando de fingir amizade, pensei por um instante se isso não seria o melhor, terminar nossa amizade. No entanto, percebo que foi uma péssima ideia. Eu sinto sua falta.

Eu não finjo amizade, Ciel. Meus amigos são as pessoas mais precisas para mim, sobretudo você. Acredito que em meu coração você ocupe um patamar semelhante ao ocupado por minha mãe e minhas irmãs. Talvez, talvez você esteja até mesmo acima disso. Não, eu sei que está acima disso.

Oh, Ciel! Por tudo que há de mais sagrado, tenha cuidado com esta carta.

Sua presença não me incomoda, ela me alegra. Gosto de ouvir o seu riso, de ouvir o som da sua voz, de como a luz faz seus olhos brilharem. Gosto quando segura minha mão quando lemos juntos. Gosto quando ficamos juntos. Perdoe-me se te causo algum desconforto por confessar isso. Esses dias têm sido difíceis, porque eu estive com você, mas senti como se não estivesse de verdade. Dói-me pensar que eu posso tê-lo feito sentir a mesma dor. Eu sinto a sua falta.

Se a amizade desse parvo aqui ainda tiver alguma importância para você, eu peço que desconsidere tudo. Desconsidere o último mês. Retomemos nossa amizade de onde paramos, de onde realmente paramos. Eu serei melhor.

Eu terei treino com a equipe de remo pela tarde, mas estarei no jardim as cinco, sob o grande salgueiro, ao lado das três faias, para jogar xadrez. É preciso dois para jogar, então, estarei esperando companhia.

 Se desejar, é claro. Caso contrário, o deixarei em paz.

Seu amigo,

SM

P.S.: Espero que não chova.

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10 de Maio de 1889

Eu voltei ao meu quarto depois do almoço para pegar os livros para as aulas da parte da tarde. Encontrei uma carta do Sebastian dentro do meu livro de literatura. Ele deve lembrar que eu teria aula hoje. Só posso dizer que a carta que recebi hoje é tudo o que eu esperava receber dele.

Eu fiquei tão inexplicavelmente feliz, que apertei a carta contra o peito. Agradeci por estar sozinho no quarto.

“Eu penso em você muitas vezes.”

“Eu sinto a sua falta.”

Eu também, Sebastian. Eu também.

Aquelas palavras entraram em mim, e ficaram flutuando na minha cabeça pelo resto do dia. Era uma tarde fria, mas não choveu, graças. Eu levei a carta comigo, no bolso da minha calça. Vez ou outra, eu escorregava a mão para dentro do bolso e sentia a textura do papel, e de alguma forma me senti aquecido.

Quando o encontrei, ele estava sentado sobre a grama entre as raízes, recostado no tronco do salgueiro, com o tabuleiro de xadrez em mãos. Quando me viu, ele engoliu em seco, e fiquei olhando seu pomo de adão fazer um movimento de sobe e desce. Ele levantou a cabeça para me encarar, eu pude ver matizes vermelhas em seus olhos castanhos. Ele me fitava com expectativa.

 – Quando estive na Índia fiz um curso de como perdoar o estranho comportamento de jovens parvos. Para sua sorte, sou um especialista nisso. – Ironizei.

Ele sorriu. Um sorriso enorme que há muito não via. Aquele sorriso dele que conseguia arrancar um sorriso de mim. Fazia um dia frio parecer quente.

 – Eu fico com as peças brancas – falei, e me sentei na grama de frente para ele. Senti a umidade transpassar o tecido da minha calça, mas não me importei com isso.

 – Claro que fica, as brancas sempre saem na frente. Isso te dá uma vantagem – ele falou com uma naturalidade familiar. Percebi naquele momento que eu realmente o tinha de volta. E isso era bom.

 – Eu gosto de ter vantagem – confessei.

 – É, gosta. Você sempre tem vantagem sobre mim, em tudo – ele comentou, ou simplesmente deixou escapar. Fiquei intrigado.

 – Como? – insisti.

 – Eu me rendo – ele respondeu como se isso explicasse tudo.

Fiquei olhando para ele, até ele terminar de colocar todas as peças. Tentava entender o que ele quisera dizer. Ele se rende a mim?

É deveras estranho, mas senti um calorzinho dentro de mim. Uma sensação boa que me fez sorrir, que se espalhou por meu corpo e queimou minhas bochechas. Uma sensação de contentamento tão grande, que parecia não caber no peito. Perdi a concentração e quase perdi o Jogo. Ah, Sebastian! Ele gosta de mim, eu sei. E acho que senti mesmo a falta dele. Eu gosto que ele goste de mim. Eu acho que... não... Eu sei que gosto dele.

Nós jogamos até a hora de nos recolhermos para o jantar. Nossos olhos se encontraram várias vezes, não apenas três ou quatro. Várias. Ele ainda desvia, e eu às vezes o faço involuntariamente, mas antes de desviar, ele olha bem dentro de mim. Ficamos em silêncio, mas não o silêncio incômodo. O nosso silêncio. Quando só nossas respirações falam, quando encontramos compreensão em simples olhares, quando nossas almas estão calmas, e nossos corações também.

Enquanto jogávamos, eu me perguntava qual a verdadeira natureza dos sentimentos dele. Eu sei o que o Alois disse, eu sei o que aquele garoto insinuou. Mas o que o Sebastian realmente sente? Ele não me deixa ter certeza. Compreendo agora que muitas atitudes dele se assemelham mais as de um amante do que as de um amigo, e consequentemente, eu acabo assumindo o papel de donzela apaixonada. Sei que isso deveria me incomodar, mas não incomoda. O que me perturba é a incerteza. Ele quer a mim apenas como amigo, um amigo especial, ou está interessado em mim romanticamente?

Eu o quero como amigo, portanto, gosto que ele goste de mim. É um sentimento egoísta. Mas se for um interesse romântico como eu quero penso que seja, há algum mal em querer retribuir, nem que seja só um pouquinho?

Talvez eu deva esperar até ter certeza.

Estou indo dormir. A carta repousa no bolso do meu pijama.


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Notas finais do capítulo

Comentário são bem vindos, se desejar fazê-los.
Responderei a todos assim que possível.
Obrigada por ler até aqui.
Beijos



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