Mythland, lar de heróis, de donzelas, de batalhas incansáveis e de dragões. Era assim que ela ouvia falar de sua terra natal quando criança, hoje apenas tinha o entediante vislumbre de pilhas de livros com nomes de casas, terras e batalhas. Pietra sabia bem que deveria conhecer cada detalhe daqueles livros, por ser filha de Lorde Chaste, senhor de Fireland. Um dia, não muito distante, se casaria com o herdeiro de uma casa importante, teria filhos e traria ainda mais prosperidade a sua casa.

Os Chaste tinham suas terras a sudeste de Midland, a capital mantida pelo rei Lionel Goddard. Em Fireland havia prosperidade, era a terra dos rubis, cheios de minas, artesãos e joalheiros. Todo o castelo era enfeitado com as pedras, cadeiras incrustadas, chafarizes, estatuas, todos exibindo rubis vermelho fogo.

Pietra amava aquele castelo.Passava horas lendo e costurando no pátio das rosas junto com suas irmãs e outras garotas de família nobre do reino. Era um lugar bem aberto, florido e com frondosas árvores e bancos de mármore, ficava a beira do precipício onde era possível passar horas observando o mar e as embarcações indo e vindo do porto abaixo do castelo.

Pietra adorava olhar o porto, adoraria um dia poder viajar num daqueles barcos, quem sabe ver as terras da Serpente.Ah, sim, esse lugar seria incrível conhecer, era misterioso, mágico, exótico e distante. Passava tardes pensando em como seria conhecer aquele povo de olhos verdes igual esmeraldas, cabelos negros igual a noite. Ouvia-se dizes sobre os costumes diferentes, o calor, as especiarias, as flores mais coloridas, as belas serpentes verdes e, ouvia-se dizer, das tribos nômades onde homens mantinham varias esposas.

Havia um homem da terra da Serpente na guarda pessoal de seu pai, o nome dele era Ethan Falk. Era bastardo de uma casa medianamente influente, donas de terras. A mãe era uma camponesa, o pai lorde e dono das terras o via como lembrança de seu erro, não pensou duas vezes em enviá-lo ainda criança para um orfanato em Mythland, onde sua esposa nunca mais teria que sofrer ao vê-lo.

–Não deveria distrair-se tanto em seus momentos de estudo, Mileide.

A garota observou mestre Ludwig por um instante, mantinha um enorme livro com capa de couro aberto a sua frente, as mãos enrugadas seguravam uma pena e ele a fitava severo com seus olhos acastanhados.

–Creio que queira se casar com um Lorde influente, - ele continuou - lordes não gostam de garotas ignorantes.

–Desculpe. - ela corou, sua pele era tão clara que logo parecia um rubi - Mestre, pode me contar sobre a guerra da Águia?

–Guerra da Águia...a que destruiu o rei Letarth e coroou os Goddard. Bom, menina, houve um tempo em que Mithland era governada por Owen da casa Letarth que tinha a águia como símbolo. Eram imensamente ricos, bravos, selvagens, astutos. A esposa de Owen deu a luz a apenas um menino e nunca mais conseguiu repetir o feito. Nathan era o único herdeiro do trono, para garantir a soberania da família se casaria com uma prima de nome Amélia. Porém o rapaz se envolveu com Lady Erin, filha de Lorde Harvey da casa Griffon, inimiga política da casa Letarth. A menina concebeu gêmeos, um casal, que nasceu uma lua antes do casamento do príncipe.

Lorde Harvey Griffon exigiu o casamento da filha, e não foi atendido. Queria vingança, mas precisava de tropas ou jamais venceria o rei. Enraivecido, uniu forças á casa Goddard que tinha reservas de ouro equivalentes á da casa Griffon prometendo o trono contanto que o herdeiro Goddard casasse com Erin. O castelo de Midland foi invadido na noite núpcias do príncipe. O Rei Águia e sua Rainha foram decapitados, o príncipe sentenciado a morte na forca e Amélia passou o resto de sua vida servindo como ama para Lady Erin.

–Cruel.

–Justo, Mileide. É uma vergonha desgraçar uma dama.

–É verdade que meu avô lutou na batalha?

–Sim, claro. Seu avô, Lorde Thomas Chaste era casado com a filha mais velha de Lorde Harvey, sua avó, Lady Georgia Griffon. Ele liderou as tropas em nome dos interesses da família, o que trouxe grandes lucros a Fireland. Da união de Connor Goddard e Erin Griffon nasceu Lionel Goddard, hoje o Rei de Mythland.

–Não me parece que Lorde Harvey queria vingança, me aparenta que ele queria apenas uma desculpa para ter mais poder.

–Menina, todos lutamos por poder. Vingança, ou não, Lorde Harvey derrubou o Rei Corvo.

Pietra torceu o nariz em discórdia, mas sabia que seria melhor mudar de assunto para evitar uma longa e tediosa discussão.Levantou-se graciosamente de sua cadeira e apoiou-se sobre o parapeito da janela observando o oceano.

–Mestre, já esteve além das águas?Na terra das cobras?

–Mileide, nunca em minha vida saí de Mythland.

–Você não gostaria de saber como é? Outro lugar, tão distante e muito mais mítico que Mythland? - ela suspirou.

–Não pense bobagens, seu lugar é aqui. Em breve se casará com algum Lorde muito rico e viverá uma vida de rainha junto a seu esposo.

–Minha mãe esteve no meu quarto de manhã disse o Rei enviou uma carta para meu pai. Devo viajar com ele para a capital essa semana.

–Sei disso.

–Que assunto o Rei teria para tratar com meu pai?

–Isso não é da sua conta e sim do seu pai, preocupe-se com os estudos.

Deu as costas á janela, pegou uma bandeja de prata onde minutos antes apoiava-se um prato de frutas e observou seu reflexo. Era loira, de olhos azuis como a água, feições delicadas, uma bela moça de 16 anos. Seus irmãos eram todos loiros, Marcus era o mais velho com 18 anos, Lenna tinha 14, Anthony 8 e a bebê Elissa de 1 ano. Pietra viu o mar atrás de si e por alguns segundos pode se ver nele.

–Eu gosto tanto do mar, espero não ter que ficar tanto tempo na capital, la só tem terra.