Perfectly Wrong escrita por Juliiet, Nana


Capítulo 2
Cary Grant não é uma marca de cigarros


Notas iniciais do capítulo

Heeey, tudo bem?
Nossa, fiquei muito feliz pelos comentários do prólogo *.* muito obrigada e, olha só, eu respondi todo mundo, yeeey :3
Um beijo pra sexy delícia (?) da Roberta, por ter recomendado a história :O és uma linda :3
Espero que gostem do capítulo :*



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Quinta-feira era a noite dos garotos.

Não importa quantas vezes eu tenha dito que isso era infantil e sem noção, essa era uma das regras preferidas do Asher. Às quintas-feiras, depois das oito da noite, eu precisava desaparecer. Ele não se importava que eu tivesse uma reunião importante no trabalho no dia seguinte — como era o caso daquela quinta-feira em particular —, e precisasse de uma boa noite de sono na minha própria cama. Não, nada disso. Eu só podia voltar ao apartamento quando os caras já tivessem ido embora. O que geralmente não acontecia antes do amanhecer.

Se eu soubesse que as coisas seriam assim há cinco meses quando conheci Asher Lockwood — e fui morar com ele —, talvez tivesse procurado outro lugar para ficar.

Era isso o que eu repetia para mim mesma, com justa indignação.

O problema era que eu não tinha outro lugar para ficar e ainda não ganhava o suficiente para pagar o aluguel de um apartamento como aquele sozinha. Talvez uma caixa de fósforos fora da cidade, mas não um apartamento luxuoso no SoHo, a apenas algumas quadras de distância da galeria de arte onde eu trabalhava.

Eu podia ir a pé para o trabalho! Nada de enfrentar o absurdo do trânsito em Manhattan nem o terror dos transportes coletivos. E se, para isso, eu precisava passar uma noite por semana no sofá desconfortável da minha melhor amiga para o meu colega de quarto folgado poder beber e assistir ao canal de esportes na TV com sua trupe de amigos fracassados...quem era eu para reclamar?

Mas eu reclamava.

Não para Asher, é claro, já que ele só diria que não reclamava quando eu abria o berreiro enquanto assistia Tarde Demais Para Esquecer então eu não tinha o direito de falar nada. Mas Erin — minha melhor amiga e verdadeira culpada por eu estar nessa situação —, ficava com as orelhas quentes de tanto me ouvir. Os insultos contra meu colega de quarto e seu estilo de vida depravado nunca pareciam ter fim. É claro que chegava uma hora em que os insultos passavam a ser dirigidos a ela, porque se ela não fosse tão sortuda a ponto de encontrar o amor da sua vida, nós ainda estaríamos morando juntas, felizes e contentes.

Mas voltando ao colega de quarto descendente direto do capeta e minha reclamação interminável. Erin dizia que eu parecia uma velha de oitenta anos reclamando do marido. Já Mitchell Reed, o noivo dela, dizia que eu nunca seria tão estúpida a ponto de me casar com um cara como Asher, e que eu estava muito bem com o James.

Claro que eu tinha que concordar com o Mitch. James seria o Colin Firth e Asher seria o Hugh Grant, se a vida fosse O Diário de Bridget Jones.

— Eu vou querer uma galinha Kung Pao, uma porção de guiouza...frito, por favor...seis rolinhos primavera, duas porções de lula apimentada, três porções de arroz yakimeshi e...um lombo frito — ia dizendo Erin ao telefone. Normalmente eu cozinhava quando passava as noites de quinta-feira na casa dela, mas com a mudança, as coisas estavam muito bagunçadas na nova cozinha do casal para se fazer qualquer coisa mais complexa que ferver água.

Os dois haviam se mudado há três dias para um grande e bonito apartamento em Sunnyside. Segundo Mitch, era um bairro muito mais tranquilo para se começar uma família. "Nem todo mundo pode se dar ao luxo de vender um órgão por mês para bancar o aluguel de um apartamento como o seu quando vai ter um filho, tenho sorte de não acabar numa casa com uma cerquinha branca e um labrador em Nova Jersey" havia dito Erin quando me deu a notícia há algumas semanas, mas eu sabia que ela sentiria falta do antigo e pequeno apartamento e de morar pertinho de mim.

Para quem ela ligaria às três da manhã de uma segunda-feira para convidar para uma maratona de Twin Peaks? Eu era a única pessoa que, além de morar perto, aceitava assistir a série preferida dela repetidas vezes. Mitch dissera uma vez que se ouvisse o nome Laura Palmer de novo, teria um AVC.

— Max, Mitch! — exclamou Erin, tapando o bocal do telefone fixo com a mão. — Estou pedindo comida chinesa, vocês vão querer alguma coisa?

— Quer dizer que tudo isso é só pra você? — perguntou Mitch, entrando na sala com um sorriso carinhoso. — Meu amor, você está grávida, tem certeza que tanta fritura vai fazer bem?

Mitch era um daqueles homens que não existia. Mesmo. Eu tinha fortes suspeitas de que ele havia sido criado em laboratório para ser o homem perfeito. O cara era um príncipe! Ele era o típico bom garoto, com cabelos cheios, amáveis olhos castanhos e um sorriso constante. Ele era alto e tinha os ombros largos perfeitos para oferecer quando alguém precisava de um colo. Não era só bonito, mas um amor; ele ia quase todo final de semana jogar basquete com as crianças do abrigo no qual tinha passado parte da infância, após a morte dos pais. As crianças o amavam, aliás, todo mundo gostava dele. Até o bandido do Asher não abria a boca para falar mal do Mitch.

E eu sei que era meu trauma sendo insensível com a tristeza alheia, mas eu não conseguia deixar de sentir inveja pelo fato de Erin não ter uma sogra para tentar destruir a vida dela.

Não que a mãe do James fosse um demônio disfarçado trazido à Terra para destruir minha vida...só parecia isso às vezes.

Além disso, apesar de ser muito jovem, Mitch era correspondente internacional do The New York Times e largara tudo isso para ficar com a Erin — isso antes mesmo da gravidez. Ele amava viajar, mas, depois de Erin, sua vida nômade perdera toda a graça, e ele não conseguia mais se emocionar com lugares novos sem ela ao seu lado.

         Era lindo e romântico e minha melhor amiga merecia viver cada segundo da sua vida sendo amada assim.

E agora ela estava grávida e eles iriam se casar e ser uma linda família feliz.

E é por isso que eu acabei indo morar com o cara mais babaca de Nova York.

A vida não é simplesmente fantástica?

— Vá se foder, Mitch — minha melhor amiga boca suja respondeu, fuzilando o noivo com os olhos. — Eu estou transbordando de hormônios, grávida do seu filho e meus tornozelos estão tão inchados que meus sapatos estão abrindo crateras neles. Então não venha encher meu saco. Frango ao molho de gengibre?

— Claro, querida — respondeu Mitch, ainda sorrindo e pegando uma das muitas caixas que estavam na sala para levar para o quarto.

A dinâmica dos dois era perfeita, com o temperamento esquentado de Erin e a paciência eterna de Mitch.

— E aproveitando que você está aqui, Max, pare de fazer o meu noivo assistir a esses terríveis reality shows em que você é viciada — Erin reclamou, se virando para mim. — O que vai querer?

— Chop Suey — respondi enquanto desligava meu notebook. — E se o seu noivo prefere as minhas preferências televisivas, a culpa é toda sua que só assiste séries policiais e de ficção científica dos anos 90. Sério, existe um número aceitável de vezes que você pode assistir reprises de Arquivo X.

Ela rolou os olhos e voltou a falar no telefone, repetindo nossos pedidos.

Erin Price era minha melhor amiga desde os oito anos, quando sua família se mudou para a casa ao lado da minha em Parsons, uma cidade com dez mil habitantes no sudeste do Kansas, onde eu nasci e vivi até ir para a faculdade. Erin sempre havia sido a garota mais bonita do seu ano, mas era avoada demais para se preocupar com testes para líder de torcida, eleições para o grêmio estudantil ou com quem seria a rainha do baile, como eu fazia. Era alta e esguia, com pernas longas, pele marrom clara que parecia emitir um brilho próprio e cabelos longos muito lisos, cor de chocolate, como seus olhos. E apesar de ser três anos mais velha que eu, sempre andávamos juntas, mesmo que na época da escola seus colegas de turma a zoassem muito por andar com a pirralha.

Ela sempre mandava todos irem cuidar de suas vidas, de maneira bem gentil.

— Max, levanta essa bunda magra do sofá e vem me ajudar com essas caixas — disse Erin ao desligar o telefone. — Eu estou grávida, sua preguiçosa.

— Quem ouve isso até pode pensar que você já está para dar à luz — eu respondi, rolando os olhos e me levantando, colocando o notebook em cima do balcão que separava a sala da cozinha. — Esse bebê não está aí dentro nem há cinco meses.

— Nem tenta, Max — Mitch disse, entrando no aposento para pegar mais uma caixa. — Essa sua amiga já era estressada antes de ter esse capetinha crescendo dentro dela. Agora ela está impossível.

— Isso, curtam bastante com a cara da grávida. — Erin fez beicinho, passando a mão pela barriga quase inexistente. — E se meu filho é um capetinha, foi porque você o colocou aqui.

Mitch riu e puxou Erin pela cintura, depositando um suave beijo em seus lábios.

— Você não existe, amor — disse, depois pegou a caixa que queria e sumiu pelo corredor.

Rolei os olhos ao ver a expressão de boba apaixonada no rosto da minha amiga.

— Vocês vão me deixar doente — reclamei.

— Ah, cala a boca. Eu tive que aguentar você e James desde o colégio, e nem reclamei. Ah, Jamie, desliga você primeiro...não, você...eu te amo mais...não, eu te amo mais...

— Não enche — eu disse, mas não consegui me impedir de rir, apesar de estar corando. Infelizmente, eu não podia dizer que não era verdade.

Talvez James e eu tenhamos sido o casal mais meloso da história de Parsons na época da escola.

— Vamos, você arruma a mesa — Erin mandou depois que tiramos as caixas da nova mesa de jantar.

— Arruma você, eu sou visita — argumentei.

— Visita? Tá bom. Você praticamente mora aqui!

— Vocês acabaram de se mudar. Nem vocês moram aqui direito.

— Deixa de ser implicante. Eu quis dizer que você vive na nossa casa.

Torci o nariz.

— É só um dia por semana. E tudo por culpa do Asher. Mas se vocês não me querem aqui, eu posso arrumar outro lugar pra...

Erin rolou os olhos e depois me fitou com uma expressão de quem não acreditava que eu estava dizendo tamanha besteira.

— Deixa de drama — ela disse. — Na semana em que o James estava na cidade e você não veio pra cá, o Mitch ficou todo amuado por não ter ninguém com quem comentar quem pegou quem em Jersey Shore. E eu tive que cozinhar, ou seja, comemos macarrão com cimento.

Eu dei um sorriso brilhante, adorando me sentir indispensável, o que só a fez rolar os olhos de novo. Mas logo ela sorriu e foi até a cozinha pegar os pratos e copos para arrumar a mesa. Eu fui ajudá-la.

— Você só fala no Lockwood o tempo todo, Max — ela disse de repente, talvez lembrando que eu o culpara pelo problema das malditas quintas-feiras, já que ele era o culpado de quase todos os problemas que eu tinha na vida atualmente. — Ele não pode ser tão ruim assim, pode? Quer dizer, nas poucas vezes que o encontrei, ele foi bem charmoso.

Comecei a pensar no assunto enquanto terminávamos de arrumar a mesa. Claro, Asher era um saco. Irritava-me até o último fio de cabelo. Até meu último fio curto de cabelo, porque ele havia reclamado tanto que não aguentava mais encontrar meus fios loiros pela casa toda que eu cedi e cortei minhas longas madeixas. Não que eu me importasse muito com isso, afinal já estava querendo cortar o cabelo reto e comprido que tive por toda a vida, mas ter feito isso só para ele parar de me encher tirou um pouco a minha satisfação em mudar de visual.

Sem falar que James não tinha gostado nem um pouco.

Mas esse era o problema que eu tinha com Asher, ele estava sempre reclamando comigo sobre alguma coisa como se eu fosse um verdadeiro empecilho na vida dele e, na maior parte das vezes, ele era quem fazia as maiores merdas. Não fui eu quem quebrou o chuveiro da suíte há duas semanas — no que eu supunha ter sido uma orgia malsucedida —, e agora ficava invadindo e ocupando o banheiro alheio por preguiça de chamar o encanador. Não sabia o que era pior, ele sujar toda a pia com creme de barbear ou entrar no banheiro para fazer xixi enquanto eu estava tomando banho.

Eu realmente precisava consertar aquela fechadura.

— Ele é pior, Erin — eu disse, meio de brincadeira, meio falando sério. — Ele sabe ligar o charme quando quer, mas é puro fingimento. Você não aguentaria um dia com ele. Você usaria a frigideira para abrir o crânio dele e pegar prisão perpétua. E ficaria feliz porque na prisão não teria que olhar para aquele sorrisinho irônico.

— E como você aguenta? — ela indagou quando nos sentamos. Eu, como sempre, com os pés cruzados em cima da cadeira. — Com todas as suas peculiaridades, eu realmente não achei que você fosse passar mais de uma semana lá, se o cara é tão ruim. O Mitch me avisou que o Asher podia ser meio...

— Safado, imoral, bagunceiro, cara de pau e abusado?

— Bem, é.

— Eu morei com você por três anos, eu aguento qualquer coisa — brinquei, fazendo-a me jogar uma colher e me xingar com aquela boca suja.

Eu tinha saudade disso. Do meu dia a dia com Erin. De brigar quando ela deixava o secador na tomada ou ser xingada de coisas que fariam minha mãe cair dura no chão de choque quando eu a acordava às sete da manhã para obrigá-la a correr comigo. Éramos mais que colegas de quarto, éramos como irmãs. Dividíamos tudo, a alegria, a tristeza e a vida alheia. Ninguém gostava de admitir isso hoje em dia, mas eu tinha um fraco por discutir a vida dos outros. Não era bem fofoca, eu preferia chamar de debate sociológico sobre as práticas dos seres humanos ao nosso redor. Ficávamos até tarde comendo brigadeiro e bebendo vinho no final de semana, enquanto eu a obrigava a assistir um dos filmes da minha coleção de clássicos. E agora, nunca mais teríamos isso. Erin ia casar, ia ser mãe e esposa. Ser minha amiga nunca mais seria sua prioridade. Eu não viria mais em primeiro lugar. Apesar de ser a pessoa mais feliz no mundo por ela, não podia negar que era difícil ver minha amiga crescer e se tornar adulta sem mim.

E agora eu estava presa num apartamento com Asher, com quem eu não tinha — e nem teria —, nada disso. Não só por ele ser um cara, já que eu tinha amigos homens próximos. Era por ele ser um otário mesmo.

Não importava que ele sempre gravasse os episódios de Project Runaway quando eu ficava ocupada demais para assistir. Uma coisa legal não compensava as babaquices que ele fazia o dia todo.

Eu simplesmente não conseguia visualizar Asher dividindo um prato cheio de brigadeiro comigo e assistindo a algum filme do Cary Grant.

Para começar, ele achava que Cary Grant era uma marca de cigarros.

E o pior, ele odiava doces.

Se isso não mostra que eu estava morando com um psicopata, então só resta ele aparecer com um machado para me picotar.


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Notas finais do capítulo

Heey, gostaram? Não? Só não me atirem tomates nem abacaxis porque eu sou alérgica, é.
Bom, me digam o que acharam, beijos e até o próximo :*