e quando acendi a luz estava aquela imagem em pé perto do espelho me olhando fixamente e resolvi quebrar o silêncio

– O que veio fazer aqui?

-Eu vim procurar meu irmão - Ele falou um pouco calmo e mais sério do que costumava ser.

- Eu disse que procuraria não disse? Eu..

-Eu entendo Sophie, tem uma vida aqui e estava ocupada.

- Não não, o que quer dizer com ocupada?

- Com os amigos e o namorado.

- Você estava lá e me viu cantar não foi? E eu não tenho namorado.

- Sim. Então ele é o que? não sei o termo que se usa aqui.

- Você quer dizer "ficante"?

- Acho que sim - Ele pareceu um pouco confuso.

- Eu não tenho relação amorosa com ele não, ele se chama Noah e é gay

Ele parou e ficou ainda em silêncio, não sabia se no outro mundo isso existia então eu teria que explicar.

- Gay é quando um homem...

- Eu sei o que é gay - Ele sorriu enquanto me olhava e aos poucos fomos nos distraindo.

- Como me achou?

- O anel

- Por isso que senti ele arder não é? - Tudo pareceu fazer mais sentindo e ele estava um pouco mais leve, eu sentia isso na sua presença.

- Sim.

-Nathan, se você continuar aqui você vai se machucar de novo. O tempo....

- Não vou, eu falei com o Sábio Yukiw, ele me deu uma porção, ficarei aqui apenas dois dias.

- Eu disse que resolvia não foi?

- Do seu jeito demorará mais, no meu será mais prático.

- Como assim?

-Conseguiu achar a papelada?

- Sim.

-Ótimo, então vamos começar....

- Nathan, não me leva a mal mas aqui eu sou humana e suga todas as minhas energias, estou cansada tive um dia cheio e intenso.

- Eu havia me esquecido, desculpa. Que horas são aqui?

- Acho que deve ser umas 3 da manhã. Eu vou lhe entregar um lençol, aí embaixo dessa cama tem uma gaveta é só puxar que aparecerá outro colchão. Preciso de um banho.

- Tá bom.

- Não quer uma roupa mais confortável? - Eu o olhei, afinal era uma calça, blusa de manga, tudo muito cheio de roupa e ainda tinha uma capa, ele ficou um pouco sem jeito e eu sorri, abri meu guarda roupa e sorte que eu tinha uma calça de moletom bem velha e comprida, serviria nele, achei um blusão também folgado e o entreguei.

- Pronto, vista isso pelo menos pra dormir que vou tomar banho.

Eu caminhei para o banheiro, não fiquei muito no banho, o suficiente para regenerar as minhas energias, eu não sei mas a água tinha esse poder. Meu cabelo estava com cheiro de bebida assim como eu, assim que terminei eu coloquei meu pijama. Será que era mesmo o Nathan ali? Será que ele desapareceria? Ele era agora minha única ligação com o outro reino e não poderia perdê-lo de vista. Assim que saí do banheiro eu o olhei e dei risada.

- O que achou engraçado? - Ele me olhou enquanto olhava a sua roupa.

- É que você ficou bem diferente nessa roupa.

- É? E como acha que eu me sinto? Você também é diferente nessa roupa Sophie.

- Imagino que deve ser, as roupas são lindas, porém pesam 10kg.

Eu passei a toalha enxugando os meus cabelos, assim que terminei eu caminhei para a minha cama e o olhei ali em pé arrumando a cama.

- Porque eu não consigo voltar para o reino? - Eu havia o olhado com uma expressão mais triste.

-Você volta sempre que tem algo pendente aqui. - Não entendi direito o que ele quis dizer.

-Como assim? Eu tenho coisa é pendente lá no meu reino, quero saber como anda todos, Luby,Yukiw,Field,Lilyh,Jú...

- Todos estão bem e entendem que é uma transição pra você. Você ainda tem uma vida aqui Sophie, não pode simplesmente desaparecer.

- E se eu quiser Nathan ? E se eu quiser não querer mais ficar aqui e ficar no reino.

- Então o mundo real te puxará de volta para ele. Você vive em dois mundos Sophie, é o intermédio e o equilíbrio deles.

- Eu me sinto como uma vida dupla... isso não acaba nunca?

- Quando resolver todas as suas pendências, poderá escolher.

Eu deitei na cama e suspirei, desliguei a luz do quarto e agora estava tudo escuro, amanhã seria outro dia e eu não acredito que o Nathan ainda estava ali dormindo comigo, eu tranquei a porta para que ninguém chegasse e o visse, era melhor se prevenir, sabe-se lá o que aquela porção poderia causar. Eu fechei meus olhos, eu estava tão cansada apesar de querer fazer um milhão de perguntas para o Nathan, entretanto meu corpo pedia para que eu dormisse, era inevitável o cansaço daquele dia me dominando, era a última coisa que me lembro de ter pensado era o meu reino.

****

Confesso que eu estava mais cansada do que eu imaginava, assim que abri meus olhos eu percebi as frestas do sol invadindo o meu quarto, aos poucos eu fui me levantando da cama e percebi que o Nathan ainda estava dormindo. Ele era realmente lindo, seus traços finos e perfeito do rosto, assim que ele virou de posição eu pude ver a sua cicatriz do outro lado do rosto, eu olhei mais calmamente. Pobre Nathan, o que poderia ter acontecido? Eu sei que tinha sido para procurar o seu irmão, mas  eu sentia que era algo a mais, eu podia sentir isso. Eu sabia que aquelas cicatrizes significavam tanto para ele e foi quando por impulso eu estiquei o meu braço e a ponta dos meus dedos deslizaram por uma cicatriz que era maior do que as outras, o seu trajeto era perto da orelha até o meio da sua bochecha. Sem esperar ele abriu os olhos, aqueles olhos castanhos estavam apertos e haviam me pegado em cheio, nem eu mesma sabia o que eu estava fazendo. Afastei a minha mão aos poucos e não falei nada e muito menos ele.

- Eu vou buscar comida.

- Tudo bem.

Eu desci um pouco atordoada, confesso que senti meus dedos tremerem por aquilo, graças a Deus era cedo e a casa estava em silêncio. Eu peguei algumas caixas de suco e comi um sanduíche rápido, depois eu fiz um para ele e subi de novo as escadas. Assim que entrei eu vi ele saindo do banheiro com uma toalha enrolada na cintura e por um momento meus olhos foram para o lado do seu corpo, instantaneamente eu vi as cicatrizes no mesmo lado. Ele ficou sem jeito e voltou para o banheiro, afinal aquilo não era comum no reino, todos usavam trajes e eu sem jeito e nervosa pela situação falei:

- Desculpa eu... não sabia..

- Tudo bem, apenas me passa a roupa

Eu coloquei o sanduíche que estava em um prato e o suco em cima da minha bancada e em seguida eu peguei a sua roupa e o entreguei. Abri meu guarda roupa e fui escolher a minha roupa, assim que eu percebi o Nathan saindo do banheiro já com o seu traje e a sua máscara eu ainda sem jeito tentei entrar no banheiro e falei sem o olhar.

- Eu trouxe algum lanche para você, está aí em cima.

- Obrigado.

Eu entrei no banheiro novamente e tomei um banho não muito demorado, vesti a minha roupa. Assim que eu sai ele me olhou um pouco mais envergonhado.

- Ainda não me acostumei com esse mundo com menos roupas.

Ele falou em um tom de brincadeira e em seguida eu sorri por isso. Eu peguei uma folha do meu caderno

Tia Penny, estou saindo e vou para casa de um amigo, ainda devo voltar hoje. Beijos Sophie.

Assim que terminei de escrever eu coloquei um durex e botei na minha porta, sabia que alguém poderia me procurar cedo ou mais tarde. Eu suspirei e o Nathan me olhou.

- Então, a papelada está aí?

- Sim, eu havia me esquecido.

Eu caminhei até a minha mochila e abri pegando a pasta onde tinha todos os documentos. Nós folheamos até que achamos o endereço.

- Preparada?

- Sim.

Ele segurou a minha mão, senti seus dedos agora mais quente entrelaçando calmamente enquanto caminhava comigo em direção ao espelho. Era indescritível quando chegávamos perto parecia que algo nos puxava intensamente para dentro, o espelho nos sugava literalmente. Assim que abri meus olhos e podia ver claramente onde estava. Era um reflexo de um escritório, podia perceber as pessoas andando apressadamente, ele ainda permanecia com a sua mão segurando a minha e ele. Só aí que me dei conta que eu estava dentro do espelho e não no escritório. Uau, era incrível.

- Estamos de mãos dadas porque não nos enxergão assim.

- Porque?

- Porque a magia é o suficiente, uma só pessoa sem ser vista requer muita energia.

- Estamos no local do endereço onde eu fui adotada não é?

- Sim, vamos tentar achar algum arquivo aqui.

- Sem ser vistos como? Impossível.

- Não diz isso pra mim, quando você fica aqui no espelho, você observa muita coisa.

Com o passar do tempo nós fomos nos aprimorando, se fechássemos os olhos e trocávamos de um espelho para outro, aos poucos pela observação do ambiente havia uma mesa Mr.Brooks, olhei atentamente a sua senha e havia indentificado. Ali deveria ter o acesso ao banco de dados. Eu olhei para o Nathan

- Eu tenho que acessar.

- Mas... não tem como ver nos registros escritos?

- Hoje em dia tudo se resume a tecnologia e se tem um lugar prático e rápido é acessando o computador.

- Como faremos isso?

- Vamos esperar ele sair, que eu entro.

- E se as pessoas lhe verem? 

- Minhas características não funcionam aqui não é?

- Não.

- Droga. 

Eu olhei para o lado e sorri achando uma solução.Havia um pequeno espelho perto da mesa do Mr. Brooks, acho que isso seria uma sorte para nós.

- Eu consigo ficar metade fora e metade dentro do espelho sem ser vista?

- Não sei, nunca pensei nisso.

- Minha característica é ser invisível, talvez ficar com a metade do corpo para fora eu ainda  tenha.

- Não é arriscado Sophie? - Ele me olhou um pouco preocupado.

 - Sim, mas temos que tentar. 

Era nossa única solução de verdade e teria que dar certo.

- Sabe que quando sai do espelho ele tem uma força grande para te empurrar para fora não é?

- Sim. - Eu falei enquanto o olhava atentamente.

- Então eu vou ter que lhe segurar e seja rápida.

- Certo.

Nós fechamos os olhos e nos concentramos, estávamos no espelho pequeno, conseguimos. Era a primeira etapa que tinha sido concluída, agora viria a principal. Eu me concentrei e soltei a mão do Nathan, eu agora estava indo direção para sair do espelho eu senti ainda as mãos no Nathan na minha cintura me apertando, uma metade do meu corpo estava de fora, eu sabia que as pessoas gritariam e foi quando o meu maior medo aconteceu uma mulher se aproximou da mesa e pegou um grampeador. Ela não me viu eu sorri e susurrei

- Funcionou.

Eu tratei de ser rápida, não podia demorar muito, eu sabia que o espelho empurrava e não era muito fraco e o Nathan devia estar aguentando esse peso. Eu digitei a senha e consegui acessar o sistema, coloquei o ano em que eu havia nascido 1998. Apareceu muitos nomes no registro, eu dei um jeito de imprimir. Era um escritório quem prestaria atenção em uma impressora ? Deram no total 5 páginas. Foi aí quando eu resolvi colocar a data do meu aniversário especificamente, o meu nome estava lá e de outras pessoas o que deu no total umas 3 páginas, com o nome e o endereço. Assim que terminei eu peguei as folhas e e coloquei para dentro do espelho, senti o Nathan puxar a minha mão e assim entrei novamente. Era estranho ver aquele reflexo. Ele estava ofegante e eu também, tinha sido uma missão e tanta.

- Você está bem - Eu o olhei.

- Sim e você?

Eu balancei a cabeça, dentro não tinha nada era tudo branco sem fim, não tinha reino, apenas o reflexo do mundo real. Eu olhei aqueles papéis no chão e ele foi pegando enquanto observava

- Não acredito que você conseguiu - Ele estava com um sorriso imenso no rosto e  no estado mais animado ele se aproximou de mim e colocou seus braços envolta da sua cintura e me girou no ar. Claro que aquilo eu me senti um pouco desconfortável, sempre me achei gordinha e aquilo era humilhante, mas de alguma forma ele não pareceu ter dificuldade em fazer isso.

- Temos um grande dia pela frente - Eu disse um pouco envergonhada e ele concordou. Nós olhamos os papéis e alguns endereços, eliminamos as meninas e assim sobrou apenas duas listas. Começamos de casas em casas, separamos pela região para não ter tanta viagem e não demorarmos muito. Sim era uma coisa bizarra, mas eu estava disposta a ajudá-lo no que fosse necessário.