Aii – Meus dedos latejavam cada vez mais, porém eu insistia em continuar a tocar. Uma semana se passou rapidamente, graças ao meu novo violão, agradeci mentalmente ao meu pai, que naquele momento, estava um tanto longe de mim.

Matt, sempre ficava quieto em seu quarto, mantínhamos pouco contato, tão pouco que comecei a me perguntar o porquê de ter ele morando comigo.

Levantei da cama e encostei o violão no cantinho do quarto, o lugar especial que resolvi dar a ele. Fui a até a cozinha decidida em preparar algo para comer, mas estava com uma preguiça tão grande que parei várias vezes no meio do caminho cogitando a possibilidade de voltar ao quarto – Argh, não quero fazer nada, são duas da manhã, maldita fome. –
Estava apenas usando uma camisa enorme do Pink Floyd que tinha ganhado do meu pai, e como era muito grande, eu usava apenas para dormir.

Cheguei até a segunda parte preferida do meu apartamento e me deparei com um Matt todo sujo de trigo.
Okay, aquilo era demais pra mim. A bancada estava totalmente suja, havia tigelas e colheres por todos os cantos. Ergui a sobrancelha e fiz cara de “que merda é essa” que se resumia em: boca aberta em forma de “Oh” e dedos entrelaçados na minha franja puxando-a para trás. Ele estava vestindo uma bermuda bem folgada azul e uma camisa preta, seus cabelos estavam desarrumados, como todas as outras vezes que eu o via. Matt sorriu desajeitado, exibindo dentes brancos como as nuvens no céu de verão
– Quer bolo de chocolate? – Agora eu erguia mais a sobrancelha.
– Isso aí, era pra ser bolo de chocolate?– Disse apontando para o recipiente que Matt segurava. Ele deu de ombros, como se eu estivesse perdendo uma oferta única.
– Você vai me ajudar a acabar isso aqui, baixinha. – Tadinho, tão ingênuo.
– Ah... Como? Você fez a bagunça, você arruma. – Olhei com ar superior para ele, que agora apresentava um sorriso sapeca no rosto. – Você tem certeza que não vai me ajudar? – Ergueu as mãos sujas de chocolate e trigo para mim. –Certeza absoluta. -
Foi o bastante para ele começar a correr atrás de mim com as mãos sujas ameaçando me melecar com aquela maça mal feita a qualquer momento. Ser pequena era uma droga, eu e meus passos de formiga, competindo com as passadas enormes de Matt.

Se pessoas desconhecidas estivessem nos observando, veriam uma menina baixinha correndo com cara de desespero, e um cara com as mãos sujas de chocolate a seguindo pelo apartamento, às duas da manhã de um sábado. Supernormal, acontece todo dia.

Estava ficando ofegante, quando resolvi acabar com a palhaçada de uma vez por todas. Parei e apoiei uma das mãos nos joelhos e a outra estendi fazendo um ridículo sinal de “pare” para Matt, que também estava ofegante.
– Eu não vou ajudar você a acabar esse bolo, porque ele vai ficar uma DROGA. - Matt fez cara feia para mim. – Você esta duvidando dos meus dotes culinários, Hayley? – Afirmei positivamente com a cabeça, ainda recuperando o folego.
Matt atravessou o espaço que tinha entre nós, e passou suas mãos sujas por todo o meu rosto e cabelo. Agora ele ia me pagar, aquele puto desgraçado ia me pagar.
Corri até a cozinha e peguei um pouco da maça, e tudo começou a se repetir, agora com as posições invertidas, eu corria atrás de Matt, que ria de mim por algum motivo.
– Volta aqui seu idiota – Cheguei um pouco perto e me joguei em cima de Matt, que me segurou, fazendo com que nós dois caíssemos no chão, eu fiquei por cima, e Matt olhava assustado e ainda sorrindo para mim.
– Você é doida, quer me matar? – Fiz cara de pensativa – Olha, não diria matar, mas chega bem perto – Percebi que ainda estava em cima de Matt, e que ambos agora estavam sujos de chocolate. Levantei-me e provei um pouco da maça que tinha no meu dedo e senti um gosto incrivelmente maravilhoso, era a melhor que eu já tinha experimentado.
Matt percebeu a minha reação e logo suspendeu um pouco os ombros e desviou o olhar com um sorriso vitorioso.
– Como pode? A maça parece ser tão ruim, e você sujou a cozinha toda pra fazer isso, aahh – Fiz cara feia – Vamos, eu ajudo você a acabar a porcaria do bolo, só porque eu ainda tenho esperanças de que isso aqui não vai dar certo, e eu vou querer estar aqui pra jogar isso na sua cara. – A porcaria que não era mais uma porcaria.

Acabamos de fazer o bolo e eram 3 da manhã, a cozinha estava totalmente organizada e estávamos mais sujos ainda. Dei um grande suspiro, e encarei Matt que agora estava deitado no sofá de olhos fechados, e respirava calmamente.
Aproveitei para observá-lo melhor, seus cabelos negros eram lisos e caiam um pouco em sua testa, seus lábios eram perfeitamente moldados, e seu nariz combinava harmonicamente com todo o resto, seu corpo era definido, não exageradamente, na medida certa, e eu tenho que parar com isso, porque ele acabou de abrir os olhos. Matt percebeu que eu o encarava, o que me fez corar violentamente, o que o levou a dar um sorriso torto, o mesmo que ele mostrou no dia em que nos conhecemos.
– Por que você está me encarando, baixinha? – Puta merda, eu tenho que ser tão indiscreta assim? – Eu não estava encarando você, eu estava olhando pro sofá, que você acabou de sujar todo. – Matt fez careta e me olhou de cima a baixo. Eu tinha esquecido que estava apenas usando uma camisa grande. – Você parece uma criança usando essa camisa, você fica... Bonitinha. – Encarei o chão que no momento parecia muito interessante, e me limitei a dar apenas um leve sorriso, não sabia reagir a elogios.
– Bom, eu vou pro quarto tomar um banho, boa noite Matt – Fui caminhando até o corredor que levava ao meu quarto.
Pensei no que tinha acabado acontecer, e eu percebi que Matt, era o tipo de menino despreocupado, que faz as pessoas se sentiram confortáveis com sua presença, ou talvez, as irrite pra caramba, assim como ele faz comigo.
Entrei no quarto e segui direto para o banheiro, me livrando das roupas sujas rapidamente. Tomei um banho rápido e comecei a secar os cabelos e notei que as mechas pretas estavam começando a desbotar, e tive uma ideia muito doida, e a colocaria em prática no dia seguinte. Segui para a cama, e peguei o violão, queria tocar uma música antes de dormir, e acabei escolhendo Where is My Mind? – Pixies. Toquei calmamente até a música acabar, devolvi o violão ao seu lugar e apaguei em um sono tranquilo, pensando no menino de cabelos negros.