Ad Limina Portis escrita por Karla Vieira


Capítulo 11
Cobras


Notas iniciais do capítulo

Bom dia! Adoraria se vocês me dessem um retorno. Uma opinião, algo do tipo, se não eu acabo desistindo de postar aqui...



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Ethan Williams POV – Tarde de 08 de Novembro.

- Nos deixe passar, ninfa! – Rosnei, quando nossa passagem foi bloqueada. A ninfa não queria nos deixar entrar junto com Andrew.

- Sossegue, bruxo. Vocês não podem entrar. – Ela sorriu. – Apenas ele pode. É ele quem tem que provar que tem coragem, e principalmente, que ama aquela polimorfa. Apenas Orfeu pode ir ao inferno buscar Eurídice...

Em seguida, a ninfa desapareceu. Andrew estava sozinho.

Andrew Cooper POV – Tarde de 08 de Novembro.

Ao me aproximar das portas da mansão, elas se abriram sozinhas, com um rangido alto. Assim que entrei, elas se fecharam atrás de mim. Virei-me e tentei abri-las. Estavam trancadas. Assim que eu encontrasse Kensi, teria de sair por outro lugar. Olhei ao redor. Eu estava em um hall antigo, onde os pisos eram ladrilhos pretos e brancos, e havia uma escada de mármore enorme levando para o segundo piso, com um tapete vermelho velho e empoeirado nela. Um lustre pendia no teto, iluminando parcamente o lugar. Em uma parede, havia uma porta alta, e do outro lado havia outra porta semelhante.

Aproximei-me da porta a minha direita, e tentei abri-la. Trancada. Fui até a outra, encontrando-a trancada também. Pelo visto, o único caminho era para cima, pelas escadas.  Andei apressado até elas, e antes que eu pisasse no primeiro degrau, um alçapão se abriu aos meus pés e caí.

Grunhi de dor quando alcancei o chão. Quer dizer, não parecia o chão. Era viscoso, meio áspero. Levantei-me, ouvindo um sibilar. Estranhei. De repente, tochas se acenderam nas quatro paredes do cômodo e eu pude ver. Um grito de terror ficou estrangulado na minha garganta.

O chão estava coberto de cobras. De todos os tipos, cores e tamanhos. Arrastando-se por cima uma das outras, tentando subir nas paredes, sibilando o tempo inteiro. Olhei para o teto, desesperado – o alçapão estava a mais ou menos três metros de altura. Como eu sairia dali?

Meu coração estava acelerado e eu suava frio de medo. Eu sempre tive medo de cobras, desde pequeno. Fiquei o mais parado possível, pensando, tentando respirar. O que eu tinha? Uma adaga presa no cinto, um pacote de chicletes no bolso e quatro tochas. Como eu chegaria até a saída?

Senti algo na minha perna esquerda e ousei olhar para baixo. Uma cobra coral começava a se enrolar na minha perna, subindo vagarosamente por ela. Lentamente, levei a mão até o cinto, e retirei a adaga de lá. Com um golpe, tirei fora a cabeça da cobra, que se desfez em um pó prateado, sibilando. As outras centenas sibilaram raivosamente, virando suas cabeças asquerosas para mim.

Imediatamente, soube que tinha cometido um erro.

As cobras começaram a avançar para mim, se enrolando nas minhas pernas, subindo umas sobre as outras para tentar me picar, enrolar, me comer, não sei o método, mas com certeza, me matar. Chutei as que eu conseguia, brandi a adaga feito um louco, cortando cobras ao meio. Apenas para deixá-las com mais raiva.

Recuei até a parede, aterrorizado. Então seria isso? Eu morreria em um buraco cheio de cobras, Kensi morreria nas mãos daquela ninfa demoníaca e... Kensi. Não. Eu não poderia desistir. Por ela.

Estiquei o braço até a tocha mais próxima, e a segurei. Em seguida, brandi em direção as cobras, e elas sibilaram, repentinamente recuando, tempo o suficiente para que eu olhasse mais atentamente a parede e pudesse ver que ela tinha algumas fissuras, que poderiam servir de apoio para que eu escalasse até a saída. O problema seria manter as cobras afastadas de mim.

Uma naja deu o bote na minha perna, e por um triz consegui acertá-la com as chamas, queimando sua cabeça. As restantes sibilaram, mais raivosas. Coloquei a adaga no cinto e comecei a escalar, levando a tocha na mão livre, por vezes usando-a para afastar as cobras de mim. Mesmo com as mãos suadas e com o corpo trêmulo do esforço, consegui subir um metro e meio, aproximadamente; o suficiente para que as cobras não pudessem mais me alcançar. Larguei a tocha, que caiu no chão com um ruído, queimando mais répteis, que sibilaram raivosos. Eu conseguia ouvir as cobras tentando dar o bote nos meus pés.

Fui me movendo de fissura em fissura. Tentei mover o pé direito para uma rachadura mais alta, e meu pé escorregou, fazendo-me vacilar e ficar apenas com o apoio das mãos. Sentia meus dedos doerem com o esforço de sustentar meu peso. Tentei alcançar a fissura, e ao senti-la firme sob meu pé, consegui ir me içando para cima. Pouco a pouco, eu ficava mais longe das serpentes.

De repente, não tinha mais parede, apenas o teto e o alçapão a um metro de distância. O que eu faria? Eu não tinha muito tempo para pensar. Logo meu corpo cederia ao cansaço devido ao esforço da escalada e eu cairia para a morte certa, lenta e dolorosa no meio daqueles répteis. Percebi que havia algumas poucas fissuras no teto, parecendo mais ganchos, suportes de mão. Eurídice estava boazinha comigo, então. Estiquei-me e consegui alcançar um dos suportes, tendo que soltar-me das fissuras. Fiquei pendendo no ar, segurando apenas aquele suporte, até conseguir alcançar o outro. Enquanto isso, eu parecia sentir as serpentes vibrando para que eu caísse e elas tivessem um jantar. Mas não, não seria hoje que elas jantariam.

Passei para outro par de suportes mais próximo do alçapão, e em seguida, tentei me segurar na beirada deste. Firmei a mão, e quando me preparava para soltar o resto do corpo para poder prender a outra mão e içar-me para cima, ela escorregou devido ao suor. Gritei, e logo suspirei de alívio quando permaneci suspenso no ar, segurando aquele bendito suporte de mão. Respirei fundo duas vezes, para tentar me acalmar, e sequei o suor da mão na calça. Estiquei-me novamente para alcançar o alçapão, e desta vez, a mão não escorregou. Soltei-me.

Estava quase lá. O cheiro de mofo e pó da mansão confundia-se com o cheiro dos répteis abaixo de mim. Firmei a outra mão e me puxei para cima, passando uma perna pela beirada do alçapão e logo a outra, encontrando o chão firme e liso abaixo de mim. Assim que me larguei no chão, cansado, o alçapão se fechou sozinho, com um baque forte.

Fechei os olhos, cansado, e respirei fundo, tentando me acalmar. Aquilo fora terrível, e eu sabia que era apenas o começo. Sabia que Eurídice havia preparado coisas bem piores para me testar. Eu só esperava conseguir sobreviver o suficiente para poder tirar Kensi daqui.

 “Apresse-se, jovem Orfeu, ou sua Eurídice pode não sobreviver...” a voz da ninfa ecoou no cômodo. Grunhi em resposta, odiando aquela ninfa com todas as minhas forças, e ainda mais, odiando a Mortem, que produziu tudo aquilo. Levantei-me, determinado a continuar, e a encontrar Kensi.

Subi as escadas, lentamente, agora atento a tudo. Aquela maldita mansão estava cheia de péssimas surpresas, e eu deveria estar preparado. No segundo andar, havia um lustre pendurado no teto igual ao do primeiro andar, iluminando a área onde eu estava. Havia um divã negro em um canto, uma cômoda de madeira escura e velha, e vários quadros pendurados na parede. O bizarro é que estes quadros eram intensamente coloridos e mostravam gente morrendo. O primeiro era Eurídice, aquela ninfa, só que loira e bela, morrendo nos braços de um homem que julguei ser Orfeu, com uma serpente decapitada perto dela. O segundo mostrava uma garota ruiva morrendo na boca de um cão infernal, enquanto um rapaz loiro observava chorando, e a ninfa, já maligna e negra como a noite, gargalhando no ar. O terceiro era um rapaz morrendo naquela câmara das cobras, e a maldita ninfa rindo. Em todos os quadros, que preenchiam as paredes inteiras, havia gente morrendo e aquela ninfa maligna observando. Eram todos Orfeus que haviam falhado em salvar suas Eurídices. Um arrepio percorreu minha espinha, e eu sabia que não era de frio.

E havia um quadro vazio. Esperando pela sua imagem. Esperando para que eu falhasse e ele pudesse ser preenchido com minha imagem morta e fracassada. E ele iria esperar para sempre.

E, de um lado, havia um longo corredor. Comecei a caminhar por ele, e em um certo ponto, uma porta se materializou ao meu lado. Não havia mais nada no resto do corredor. Era óbvio que eu tinha de entrar naquele cômodo. E assim seria. Respirei fundo, e abri a porta. Entrei, e ela desapareceu. Eu estava preso.

O cômodo estava repleto de prateleiras, cheias de frascos de vidro de todos os tamanhos e formatos, com líquidos de todas as cores. Alguns eram fumegantes, outros estavam com o frasco embaçado, como se o líquido dentro fosse extremamente gelado. No meio do cômodo, havia uma mesa, e em cima dela, um papel.

Aproximei-me para ler.

“Da Mortem, Orfeu recebe um presente: poções para auxiliá-lo na jornada.

Mas nem tudo lhe sairá de mão beijada: Orfeu terá de escolher a poção desejada.

Uma, se tomada a morte é certa. Outra fará sua alma da felicidade ser apeada.

A que é fria, tem efeito quente. A que é quente, será congelada.

Uma fará Orfeu enfraquecer. Outra fará sua força física ser aumentada.

No meio de tantas, apenas uma: a que leva para o destino, rumo à amada.

Pois se cuide, Orfeu, que terás apenas cinco chances! Se no final de dez badaladas,

A poção certa não tiver sido tomada... A alma de Eurídice de ti será levada.”

Um som grave, alto, soou. Era um sino, como aqueles de igrejas. A primeira badalada. Aproximei-me das prateleiras, analisando os frascos. O bilhete não me dera dica alguma sobre o conteúdo dos frascos, ou seu formato, a não ser “que a fria, tem efeito quente. A quente será congelada”. Muito útil.

Encontrei um pequeno frasco, com um conteúdo prateado. Tinha uns dez centímetros de altura, e era fino; peguei-o e o cheirei. Tinha cheiro de sorvete. Não me parecia ser algo ruim. Engoli-o, sentindo o gosto de baunilha.

Imediatamente, minha garganta se fechou e eu não conseguia respirar. Meu sangue pareceu ferver dentro das minhas veias, que ficaram saltadas na pele, e minha visão ficou turva. Perdi a força nas pernas e desabei no chão, me contorcendo, sentindo meu cérebro derreter e meu coração bater em uma velocidade enorme. E a dor. A dor era insuportável. Era como se centenas de facas me perfurassem, cada centímetro de pele, enquanto chamas me queimavam vivo. Berrei. Senti a boca espumar, e comecei a me engasgar com minha própria saliva. Comecei a me contorcer, tossindo, até que virei de lado e consegui me livrar da saliva que me asfixiava. Berrei de novo. Eu iria morrer. Berrei. Agora parecia que, além das facas e do fogo me queimando, alguém estava me dando a maior surra já vista na história. Cada centímetro de pele, músculo doíam. Minha visão estava turva e avermelhada, e eu sentia o rosto ficar molhado de lágrimas, suor, e quem dirá até sangue.

E de repente, parou.

Fitei o chão, tentando respirar. Meu corpo inteiro tremia, fraco. Logo meus batimentos cardíacos e a respiração voltaram ao normal, mas eu estava perturbado.

O som grave soou novamente. A segunda badalada. Eu tinha mais oito badaladas e mais quatro chances para sair dali. E centenas de frascos para escolher. 


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