Sai da minha moradia batendo a porta atrás de mim. A lua brilhava no céu escuro. A neve era fofa sob meus pés, me atrasando mais que o esperado. A aldeia ao meu redor estava silenciosa e eu sabia o porquê. Os cidadãos estavam reunidos na praça central, em frente à igreja, esperando outra de suas execuções de fé acontecer. Mal sabiam eles que nunca teriam tal feito, eu a protegeria.
    Ela era uma criatura divina, uma rainha da neve muito além das comparações. Tinha a simetria perfeita e olhos escuros de licor. Procurei-a em todos os lugares, ela brilhou na minha vida como uma pérola. Até que os que não a poderiam ter criaram uma terrível mentira.
    Alcancei a margem do bosque congelado somente com o lampião me guiando. Andei o mais rápido possível até o local marcado por nós mais cedo. Onde ela estava? Não a via por cima do nevoeiro, será que ela não viria? Ou estava simplesmente atrasada? Continuei a me aproximar da grande árvore.
    Mal sabia que o atrasado aqui era eu. Escondida atrás do tronco, minha amada jazia no chão sob a luz do luar. Estava coberta por uma camada de gelo, os hematomas em seu intimo denunciava o que aconteceu a ela. O vestido de seda rasgado, seus cabelos desgrenhados, seu semblante triste, sua beleza exposta e eu sabia que a havia perdido para sempre.
    Cai de joelhos no mesmo instante em que as lágrimas saltaram dos meus olhos. Meu anjo brilhante se foi. Eles a tiraram de mim, a única coisa que valia a pena lutar. Lamentei até o choro virar uma oração. Abracei pela última vez seu corpo frio lembrando-me de suas palavras finais minutos mais cedo: "Nunca nos separaremos A menos que o céu invejoso tenha roubado nossos corações"
   Então eu gritei: "Volte para mim! Eu nasci apaixonado por ti, porque o destino deveria ficar entre nós?"
    E enquanto mergulhava novamente o olhar sobre suas curvas gentis maltratadas, percebi as pegadas na neve que levavam em direção a torre do sino da igreja. Deixei minha amada na neve novamente, seguindo as marcas brancas esquecidas.
    Os aldeões comemoravam e vangloriavam seus cinco heróis dentro da capela de Deus, afinal haviam se livrado de mais uma pecadora, de mais uma bruxa. Uma brisa carregada com o cheiro dela incentivou-me.
     Em alguns míseros segundos tranquei as portas principais silenciosamente. O ódio e a vingança queimavam em minha pele. E então por ela meu lampião explodiu sobre a medíocre construção de palha, deixando as chamas ganhar vida junto aos gritos. Voltei para o bosque onde minha amada aguardava, a melodia horrenda ficou para trás.
    Ela, com sua pele branca, me guiou como um gracioso anjo por entre o nevoeiro. Hipnotizado, segui seus passos. Quando ela parou, tentei toca-la, mas ela se esvaiu. Uma brisa fria a soprou para longe.
    Sentei ao seu lado em baixo do grande cedro. Não conseguiria viver sem ela. Minha eterna rainha, não a abandonaria, iria encontra-la. Subitamente sabia o que fazer para tê-la. Tirei a adaga presa ao meu cinto e a enfiei em meu coração. A névoa crescente era a benção final que esperava.
    Então a encontrei novamente e nos entrelaçamos em um abraço eterno, onde os amantes apodrecem juntos aos seus fantasmas no nevoeiro.