Uma semana atrás.

O dia permanecia o mesmo. As pessoas dependiam uma das outras ali dentro, como se o fato de respirar tivesse de ser agradecido.

E talvez devesse.

Todos os presentes ali eram humanos que preferiram fugir e se esconder, a serem pegos pelos Buscadores. Eu não tirava a razão deles, me perguntava todos os dias se eles se sentiram como a Jodi: Acorrentados dentro do seu próprio corpo. Eu não podia imaginar como era a sensação.

Várias vezes pensei em desistir de tudo, principalmente quando reencontrei Kyle, mas ao mesmo tempo, depois de ter visto o seu rosto, acho que não poderia mais. Eu queria ficar, mais do que qualquer outra coisa no mundo. Aquele sentimento que Jodi nutria por Kyle havia sido passado para mim, e permanecido mesmo depois de ela partir.

Aquele pequeno planeta passara a ser a minha nova casa, uma casa da qual eu nunca abriria mão. Nem mesmo que as suas paredes estivessem caindo.

Minha nova vida estava perfeita. Eu estava rodeada de pessoas que pareciam-me tão familiar, mas ao mesmo tempo, tão novas. Ás vezes, eu podia sentir o olhar delas queimando em mim, o que no começo me preocupou e me incomodou, mas que com o passar dos dias e com a ajudar da Peg, se tornou mais fácil.

De uns dias para cá, as coisas vieram a ficar mais preocupantes entre Kyle e eu. No início eram apenas briguinhas bobas, sobre coisas fúteis. Porém agora, parecia que essas "coisas" tinham tomado um rumo mais sério.

Eu imaginava como deveria ser para ele. Aprender a amar a alma que dominou o corpo de sua amada, não deveria ser uma coisa fácil. Mas Kyle parecia conseguir enxergar Jodi dentro de mim e talvez, essa parte dela que ainda estava viva, não me deixava partir.

Não que eu quisesse deixar Kyle, eu não queria isso, pelo contrário, queria ficar perto dele o máximo de tempo possível. Mas toda vez que eu olhava em seus olhos, não podia negar a leve pontada de sofrimento presente neles.

Não conversei com ninguém sobre isso, nem mesmo com a Peg, porque no fundo, eu não sabia o que lhe dizer. Não poderia dizer que mesmo amando Kyle eu tinha que deixá-lo, igual Jodi fez. Eu não era ela.

Sentei-me na cama que dividia com Kyle, revendo mentalmente os prós e contras dos meus pensamentos, mas ainda assim tentando afogá-los e afastá-los, antes que eu fizesse alguma besteira.

O sol estava se pondo, a parede na qual eu havia encostado as minhas costas estavam mais frias, mandando arrepios pelo meu corpo. Uma sensação boa, mas quando sentida muitas vezes, se tornava incomoda.

Não demorou muito para Kyle entrar na caverna seguido por Ian, engatados em uma conversa boba mas que parecia diverti-los. Não emiti nenhum som, apenas sorri para eles e concordei quando falaram algo que necessitasse da minha opinião. Minha cabeça estava confusa demais para participar da conversa deles, não era do meu direito.

Ian pareceu notar meu incomodo ou notou minhas mãos que pareciam mais agitadas que eu, dessa forma, não se demorou muito por lá, indo embora de fininho enquanto Kyle caminhava até a cama e se sentava á meu lado.

– O que está acontecendo?

O que estava acontecendo? Nem eu mesma sabia ao certo. Não fazia ideia do que estava acontecendo! Esse era o problema dos humanos, sentiam coisas sem saber de onde vinha, mas ainda assim, essas coisas eram capazes de abalar com toda a estrutura deles.

– Nada. Estou bem, Kyle.

– Está calada. - Murmurou ele, sua voz assumindo um tom doce que não era costumeiro. Suas mãos procuraram as minhas e as abraçaram, as afagando levemente. - Aconteceu algo?

– Só estou cansada. - Mentir me pareceu errado, mas era a única opção que me sobrará. Me sentia péssima por isso. - De verdade.

– Não é o que parece. - Rebateu, me fazendo encarar seus olhos, a vergonha queimando em meu rosto. - Você está triste, não está Sunny?

Eu estava triste? Não, não estava triste. Apenas confusa, talvez. Mas não triste. Kyle me fazia ficar feliz, me fazia esquecer do tempo horrível que passei longe dele e isso não é motivo de tristeza.

– Não estou triste, Ky. - Sussurrei por fim, convicta de que deveria repetir meus pensamentos, os falando em voz alta. - Estou feliz, de verdade. Mas ao mesmo tempo me sinto tão confusa.

– Confusa sobre o quê?

Suas sobrancelhas se juntaram no meio de sua testa, numa expressão de confusão, que talvez fosse um pouco parecida com a minha. Tentei sorrir para acalmar os ânimos, mas não me pareceu certo. Dessa forma me contentei em apertar a sua mão um pouco mais forte e responder sua pergunta da forma mais rápida possível.

– Não envolve você, juro que não. - Finalizei, retirando meus olhos dos dele e soltando suas mãos. - Apenas preciso de uma boa noite de sono.

Kyle concordou de contra gosto, mas se ajeitou ao meu lado, me puxando para mais perto do seu corpo e deixando sua respiração se perder na pele do meu pescoço.

Decisões não eram mau forte, mas eu sabia o que deveria ser feito. Aquela era a minha nova vida, mas eu não me sentia pronta para vivê-la.

Precisava de um tempo para mim, um tempo para colocar meus pensamentos e sentimentos em ordem. Um tempo para saber distinguir a parte do meu corpo que era de Jodi e a parte que era minha.

As coisas ainda estavam confusas, mas se eu ficasse ali, com todas aquelas dúvidas e receios, machucaria Kyle mais do que já o machuquei. Essa era a última coisa que eu queria.

Depois de um tempo, senti Kyle se remexer afrouxando o braço na minha cintura, me permitindo levantar sem chamar a sua atenção e acordá-lo de seu sono.

Quando meus pés tocaram o chão pude respirar novamente, mas já sentindo meus olhos arderem.

Me abaixei até a cama e beijei sua testa levemente, gravando cada centímetro do seu rosto na minha memória, e assim então, saindo pela porta do quarto ainda me perguntando se aquilo realmente era certo a se fazer.

Respirei fundo, e parti.