O Gelo e o Fogo escrita por Sídhe


Capítulo 8
Capítulo 6 - A verdadeira Piper


Notas iniciais do capítulo

Uou, esse foi grande, não é? Enfim, vai ser dedicado à Laris por ter recomendado a fic, estou realmente feliz com a recomendação! Valeu, Laris!
Boa leitura.



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O apartamento de Reyna, para os padrões de luxo a que Piper já vivera, estava num nível mediano. Logo ao entrar, havia uma espaçosa sala de estar, com paredes cobertas de quadros do mundo todo - Ela se encantara especialmente por um de Paris, que destacava a Torre Eiffel num belo desfoque - e poltronas de couro claro ao lado de um sofá grande o suficiente para pelo menos cinco pessoas. A tela plana deveria ter cerca de 42 polegadas, e ficava bem à frente do sofá, fazendo o espaço parecer um grande cinema. Toda a parede direita era vidro, formando uma janela gigante com vista para a cidade, numa bela mistura de vermelho e laranja. Havia uma luminária simples em cima de uma mesa, num canto específico do lugar. Um tabuleiro de xadrez em madeira trabalhada descansava ali. Piper, desde que conhecera Reyna, soube que ela era do tipo estrategista, e entre seus passatempos estava aquele tal jogo. Nunca entendera muito bem porque ela passava tanto tempo bolando estratégias, mas aquilo a fazia alguém mais inteligente.

– Seu apartamento é bonito - Disse ela, querendo agradar. Reyna apenas a olhou com as sobrancelhas erguidas.

– Obrigada.

A garota de cabelos negros deixou a mochila na mesa, ao lado do tabuleiro, e abriu a porta do quarto de hóspedes, que tinha uma cama confortável e um belo criado mudo ao lado da janela.

– Pode deixar suas coisas aqui, vou preparar uma bebida. - Disse ela, fria e sem reação alguma.

Piper colocou a mochila na cômoda que ali havia e a seguiu após sair do quarto. Reyna ofereceu um lugar no sofá para ela e disse que, se quisesse, poderia ligar a televisão, mas Piper se conteve e nem sequer tocou no controle remoto. Segundos após se sentar, ela voltou com dois copos contendo um líquido laranja que parecia ser suco. Reyna se sentou na poltrona e, sem tirar os olhos da outra, tomou um gole.

– Está sendo muito cordial para alguém que não é sua melhor amiga - Disse, desviando o olhar e tomando um gole. Tossiu um pouco pelo excesso de açúcar.

Reyna apenas a encarou.

– Leo diz que ponho muito açúcar em tudo. - Falou.

– Você fala muito do Leo. - Piper comentou, encostando-se no sofá, girando o copo para fazer as pedras de gelo se mexerem e tentar aliviar um pouco a doçura com a água.

– Talvez - Se resumiu a dizer - Como vão as coisas depois que seu pai lhe trouxe a Nova York?

Droga, pensou Piper. Seu ponto fraco. Reyna sabia que ela não gostava de falar naquilo, mas quem sabe fosse algo que ela fazia para fazê-la pagar pela forma de que agia. Piper não gostava de se fingir, ela queria poder falar o que quisesse, reagir, ser diferente das outras garotas que apenas sabiam falar sobre maquiagem e garotos. Reyna, assim como ela, não era uma dessas garotas.

Piper não se lembrava de sua mãe muito bem, mas distinguia os olhos dela. Eram iguais aos seus, sempre mudando, era como uma lembrança e conexão distantes. Quando ela morreu, teve de viver com seu pai. Tristan a levou embora de Houston e de seus amigos, ou no caso, amiga. Enquanto crescia, ela ficara cada vez mais bonita e o pai, numa tentativa de lhe dar o bom e o melhor, trouxe-a para seu mundo da fama. Mas depois se arrependeu de ter aceito ser modelo, pois vivia sendo perseguida. Aquele fotógrafo era só um de muitos, e não duvidava que aparecesse mais. Piper Mclen, filha do grande ator Tristan Mclean, a garota com olhos caleidoscópicos. Se ela não fosse gentil com todos, a imagem de seu pai e sua iria afundar.

Desde então, uma vez nas grandes revistas e telas, Piper nunca mais pode ser ela mesma. A doce e gentil Piper. Eu vou mostrar quem é a gentil agora, disse, anos depois, quando finalmente voltou para Houston e pensou que o sofrimento acabara. E voltara com grande sucesso, se tornando a Presidente do Conselho Estudantil. Mas com grandes responsabilidades, vem grandes perdas. Reyna nunca a perdoou por seu novo comportamento. Você não é a mesma, ela disse. Agora a mesma Reyna estava sentada à sua frente, bebericando um copo de suco enquanto não descansava os olhos. Piper sentia falta de Reyna.

– Você deve ter notado o quanto estou bem - Disse - Jogou uma lata de lixo no cara que estava me perseguindo.

Reyna suspirou.

– Era isso ou lidar de outra forma. Prefiro a primeira opção.

– Eu também - Piper falou, dando um pequeno sorriso para si. Como ela gostava de estar novamente com a ex-melhor amiga. - Mas e você? Como vai a vida em Houston? Nunca vejo você no Conselho. Nem ao menos me disse que veio morar aqui. - Ela olhou pelo apartamento.

– Eu mudei de endereço - Reyna disse, não deixando de encará-la - E você mudou de personalidade.

– Quer fazer o favor de parar? - Piper rebateu.

– Você poderia parar também. - Falou, calmamente, como se fosse apenas uma nota na conversa. Reyna se levantou e deixou o copo na pia, e o mesmo fez Piper. Ela encarou o copo meio cheio da garota, como se questionasse a si mesma se deveria levar aquilo como falta de consideração. Piper deixou de lado, não se importando se estava parecendo indelicada, ela só queria que a raiva guardada estourasse e viesse à tona.

Reyna estava prestes a entrar no próprio quarto quando, de repente, se virou. As obsidianas pareciam querer arrancar a alma de Piper fora e descobrir todos os seus segredos.

– Jason pode não saber que você não é daquele jeito, Piper, mas eu sei. - A voz dela tinha mágoa - Eu queria poder mostrar a todos como você é de verdade.

– Você sabe melhor que ninguém que eu não posso.

– Pode. - Reyna disse, olhando-a séria - Você pode. A mídia gostaria bastante de uma garota com atitude. A escola gostaria, e tenho certeza que seu namorado– A palavra saíra dificilmente - também.

Piper não respondeu.

– Se não quer mostrar ser verdadeiro eu... - Reyna entrou no quarto e, ainda com a porta aberta, continuou - Veremos até quando pode fingir. - Bateu a porta, e o ar frio que passou levemente pelos cabelos chocolate da garota a fizeram ter um arrepio percorrendo a coluna.

Levantou-se e foi até o quarto de hóspedes, colocando um pijama qualquer e indo dormir um sono sem sonhos.

O dia seguinte estava nublado, com nuvens pesadas e negras a cobrir o céu. Leo gostava de dias ensolarados e de calor, no entanto Reyna preferia os dias frios. Eles estavam no intervalo, sozinhos perto de uma máquina de refrigerantes, bebendo cada um uma lata de Coca. Reyna encostou-se na parede oposta à máquina, bebericando.

– Como foi com a grande amiga para a eternidade? - Ele perguntou, sarcástico. - Dormiram abraçadas e dizendo que seriam melhores amigas até o fim dos tempos?

– Não seja sujo. - Reyna disse, mal-humorada enquanto tomava outro gole.

– Pensei que iriam se matar ou arrancar uma perna - Leo disse - Quem sabe um olho de recordação.

Ela levantou as sobrancelhas.

– Uma discussão, somente. - Falou. Leo mudou o peso de um pé para o outro, esperando ela continuar. Reyna suspirou. - Piper não é quem parece ser. Ela não é tão gentil e doce assim, ela é forte e independente e-

– Uma pessoa que merece uma segunda chance. - Jason continuou, aparecendo no lugar. Ele vestia um jeans e camiseta, com os cabelos aparados dando vez aos brilhantes olhos azuis. - Reyna, eu tenho um pedido a fazer.

A garota ficou surpresa com a fala dele. Seja o que for, ela não negaria a Jason. Não à ele. Mas Reyna já suspeitava sobre o que viria a seguir, com o desejo dele.

– Enquanto Piper não for a verdadeira Piper, ela não poderá fazer amigos de verdade. - Jason disse.

– Ela estava andando com aquelas líderes de torcida, as fru-fru - Leo zombou.

– Kelli e Tammy, sim. - Ele continuou - Então, eu queria pedir a vocês para ajudá-la. Vocês sabem, sobre seu verdadeiro eu.

Leo ponderou um pouco a situação, olhando de soslaio para a garota ao seu lado. Reyna voltaria a falar - quer dizer, falar de verdade - com Piper por Jason?

– Eu topo, mas caso não tenha notado, existe um entendimento muito grande entre as duas - Leo acenou com a cabeça para ela, levantando as arqueadas sobrancelhas.

Reyna parecia desconfiada. O loiro andou até perto dela e pediu.

– Por favor, Reyna - Ele continuou - Você é uma das poucas pessoas em quem confio.

Okay, agora eu que sou o sujo?, Leo pensou, ironicamente. Jason já estava apelando para o lado de Reyna que gostava dele, mesmo a causa sendo boa. Leo não negava que faria o mesmo, no entanto. Reyna suspirou e acenou afirmativamente com a cabeça.

– Você é demais - Jason disse, a abraçando de repente e com força. Ela correspondeu com a mesma vontade, sorrindo para si com a cabeça em seu pescoço, sentindo o cheiro dele.

Leo continuava ali parado, segurando a latinha.

– Eu deveria sair ou vocês ainda precisam de uma vela?

Jason a soltou, ainda sorrindo por ela ter aceito a proposta. Reyna pareceu um pouco decepcionada com a separação, mas não pôde reclamar, pois ela não tinha ainda o total direito de continuar a abraçá-lo.

– Vocês vem à tarde para a Limpeza anual? - Perguntou, e Reyna assentiu. Leo só disse que sim porque ela o olhou em censura. A limpeza de área era um evento em que os voluntários (vulgo alunos obrigados pelo conselho) eram convidados a andar pela cidade recolhendo o lixo que não é retirado para um 'relacionamento de amizade e respeito para com a nossa cidade de Houston' - Nos vemos lá, então. Até mais. - Ele voltou para a sala, dando uma piscadela amigável para Leo em despedida e um sorriso para Reyna.

Jason, seu bastardo, pensava ele quando ia para o refeitório. Reyna não o olhou, apenas seguiu ao seu lado. O local, diferente do canto da máquina de refrigerantes, estava cheio. Eles pegaram uma mesa onde Thalia estava sentada e comendo lentamente um pedaço de pizza. Leo deu um sorriso confiante. A garota apenas deu uma olhada para os dois e engoliu outro pedaço.

– Olhem só quem está ali atrás. - Disse, e ambos se viraram para ver. Piper estava saindo da bancada de comida, carregando uma bandeija nas mãos sendo seguida de Kelli e Tammy. Ambas as garotas eram arrogantes e que, se pudessem, beijariam todos os caras da cidade. Leo poderia não conhecer Piper tão bem, mas era possível perceber que as líderes de torcida não tinham nada a ver com ela. Cada uma com um sorriso maléfico, como se quisesse comer pedaço por pedaço de sua pele. Leo estremeceu. Ele tinha medo daquelas garotas.

– Será que os dentes da Kelly são mais afiados que a língua da Tammy? - Leo disse para a Thalia, que deu uma risada seca.

– Eu vou lá - Disse Reyna, e Leo deu um olhar incrédulo ao lado de Thalia. - Vou chamá-la para comer conosco.

Leo passou a mão no rosto com força e a outra emburrou-se, dando mais uma mordida com raiva na comida.

– O que deu nela? - Perguntou Thalia para ele quando Reyna se levantou e foi em direção à Piper. As líderes de torcida queriam assassinar a membro do conselho com o olhar, mas Reyna acabaria com as duas de uma vez só, se pudesse.

– Deve ter tomado café da manhã estragado - Leo se limitou a dizer, disfarçando saber do pedido de Jason.

Reyna se aproximou de Piper, que a olhava perguntando o que ela fazia ali, com os dois amigos as observando de perto.

– Quer almoçar na nossa mesa? - Perguntou, ainda sentindo os olhares das líderes em si. Piper fez uma cara confusa, mas ainda tentando ser amigável. Como Reyna odiava aquilo.

Tammy se sobressaiu.

– Mas Pipes, você combinou de almoçar com a gente! - Disse o apelido numa voz melosa, totalmente nojenta aos ouvidos de Leo.

– Pois é, não vai almoçar com ela, vai? - Falou Kelli, com um tom de asco.

Reyna encarou Piper e disse, cordial:

– Por favor, faço questão - Falou - E Leo e Thalia também, correto?

– Mas o que... - Thalia começou.

– Sim! - Leo disse de supetão quando Reyna o lançou um olhar gelado que o fazia lembrar de todas as vezes que contestava a Rainha do Gelo. Ele fez Thalia afastar para caber mais uma pessoa, e a garota de jaqueta de couro fez um 'Hey!', mas não protestou mais que isso. - Olha só, tem lugar até sobrando.

Reyna rolou os olhos e se virou para Piper. Tammy e Kelli fizeram ambas um 'hum!' e empinaram os narizes, saindo de perto de Piper. Ela não viu outra opção senão sentar-se com eles. Thalia encarou Piper, que apenas desviou os olhos e apoiou a mão no queixo, enquanto a outra apoiava o canudo em que tomava um suco.

– Sempre obedece ao que Reyna diz para você fazer? - Ela disse para Leo, entediada. Pelo visto ela está melhorando, pensou Reyna.

– Fui cachorro dela em outra vida - Ele sorriu - Um cachorro deve obedecer o seu dono.

Thalia deu um sorriso zombeteiro.

– Eles se merecem, isso sim - Deu uma risada contida.

Leo e Reyna se olharam.

– Não.

– Não volte com isso, Thalia. - Ela disse, e a garota apenas deu de ombros.

– Só estava brincando.

Piper deu uma olhada para Thalia, algo nela parecia decepcionado, mas muito bem escondido. Ela tinha aquele poder de ver os sentimentos das pessoas, algo mais para um talento de decifrar expressões. Observou um pouco o jeito que Leo e Reyna agiam. Eles, de alguma forma, são muito parecidos. Pensou, mesmo que não se mostrem desta forma.

No final das aulas, Reyna foi a primeira a sair, nem Leo ou Thalia conseguiram a seguir. Ele saiu pela escola para procurá-la e, quando chegou na cobertura, onde havia uma vista para toda a cidade, ele a viu. Reyna estava parada de frente à rede de proteção, observando o quanto estava cinza o dia por conta do tempo.

– Isso aconteceu exatamente aqui. - Ela falou, surpreendendo Leo, como se soubesse que ele estava ali também. - Jason me pediu em namoro aqui. Eu estava... feliz. Ter alguém para dizer que você é boa do jeito que é, e ser necessária para essa pessoa.

Leo pensou em falar algo, mas o máximo que sairia seria uma piada idiota ou algo irrelevante. Ele sentia o mesmo com Thalia, que não era bom o suficiente. Um peixe fora d'água, seja entre amigos ou não. Ela era sempre tão segura de si e forte, e ele tão fraco e tendo que rir para não chorar.

– Foi bom ter alguém assim. - Reyna continuou - Eu tenho algumas fotos de Jason em casa, mas nenhuma com aquele olhar. O olhar que ele tinha quando se confessou. Eu só queria poder vê-lo mais uma vez.

Ela deu um pequeno sorriso.

– Eu não deveria ter aceitado o pedido dele, deveria? - Reyna perguntou, fechando o punho sobre o peito, perto de onde estava seu coração - Me pareceu algo a se fazer. Tanto por Piper quanto por Jason.

Reyna o encarou, pois o mesmo estava calado, o que não era de seu feitio.

– Diga alguma coisa.

Leo balançou os ombros.

Ela balançou a cabeça em negação, colocando a mochila no ombro e andando em direção às escadas para o andar inferior. Reyna deu uma última olhada no horizonte escuro em que estava a cidade. Acenou com a cabeça para ele segui-la.

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– Por que eu tenho que ir? - Leo perguntou, colocando sem nenhuma animação o moletom para a Limpeza. Eles estavam nos armários, Reyna de pé já com o casaco e a calça num roxo escuro, o encarando enquanto ele colocava os tênis. Era um espaço grande, que abrigava todos os armários de cada um dos alunos, e em cada parede deles havia um banco grande. A frente da sala era de vidro, tendo vista para o pátio.

– Prometemos ajudar Piper - Ela falou - E eu estarei lá, sou do Conselho assim como ela e Jason.

– Você quer é ver ele.

Ela levantou as sobrancelhas, satisfeita com a conclusão dele.

– Sim.

– Que honesta. - Ele riu.

Uma voz ecoou no fim da sala. Piper entrava ali junto de Thalia, a segunda não muito contente de estar junto da Presidente. Piper sorriu para eles, e a roqueira atrás dela cruzou os braços.

– Vamos? - Ela disse, de forma animada. Reyna parecia querer vomitar para a forma que ela falara, se dirigindo para fora do colégio.

Reyna e Leo andavam pelas ruas em busca de lixo, juntamente de Piper e Thalia. Foi frustrante para a primeira ver que Jason seguira um caminho diferente do deles, indo com outro grupo para a parte oposta da cidade. A Presidente permanecia calada, assim como todos os outros. Somente pelo fato de ela estar ali, tudo se desequilibrava, mas Reyna não poderia quebrar a promessa. As garotas usavam um conjunto de moletom roxo escuro, e Leo, como o único garoto, um laranja, mas que não ganhava nenhum destaque pelo tempo ainda nublado em que Houston se encontrava.

Piper apanhou uma tampinha de refrigerante do chão e a colocou em seu saco de lixo. O dela era um dos mais cheios até agora, somente Leo e Thalia não estavam muito animados para recolher restos de comida ou embalagens. Ambas as garotas se abaixaram para pegar uma sacola plástica, disputando-a. No fim, Reyna desistiu dela e permitiu que Piper a guardasse. Thalia a pegou pelo braço e levou a melhor amiga para o lado oposto, deixando Leo e Piper sozinhos para catar o lixo.

Eles olharam um para o outro.

– O lixo nos espera, Rainha da Beleza - Falou Leo, sem animação alguma.

Piper entrou numa área onde as plantas atingiam Leo quase até o pescoço, se tornando algo desconfortável.

– Por aqui.

Meio segundo depois algo a fez deslizar e cair de costas no chão no chão. Havia pisado em uma poça de lama, sujando todo o seu sapato. A roupa de moletom também ficara suja, assim como seu cabelo e rosto, e Piper deixou a sacola com lixo cair e o que fez com que tudo o que tinha dentro se espalhasse e formasse uma grande bagunça.

Alguma coisa estava em encima de sua barriga e, quando ela olhou, um sapo verde e gosmento era o que a fez fazer uma cara de nojo. O sapo pulou e foi embora, e Piper começou a juntar o lixo irritada, junto de Leo, que sorria para a situação.

– Você está bem? - Ele perguntou, mais por educação do que por vontade.

– Eu pareço bem?! - Piper disse, mostrando à ele o moletom. Ela estava anormalmente irritada.

Começou a chover, finalmente depois de horas de nuvens escuras. As gotas somente piorando a sujeira que aquilo havia se tornado, pois a lama aumentava e o lixo ficava apenas mais sujo de se recolher. Piper pareceu colocar novamente sua máscara de meiguice e disse, colocando as mãos na cabeça como uma vaga proteção contra a água que caía:

– Ah não, vamos nos molhar. - Ela o olhou docemente - Vamos nos proteger, está bem?

Aquela voz que convencia já estava o irritando.

– Ei. - Leo começou - Não acha que já deu?

Piper o olhou confusa com seus olhos variantes de verde para azul. Ela era mesmo bonita, mas Leo não conseguia sentir atração por Piper. A forma que ela agia não era algo que ele admirasse.

– Do que está falando? Não entendo.

Ele rolou os olhos.

– Muito menos eu.

Ela se abaixou para pegar o último pedaço de papel usado e colocar na sacola, deixando de encará-lo.

– Desculpe, ainda não consegui entender.

Leo deu um riso sarcástico.

– Pode tirar essa máscara, é um truque mais velho do que esconder o dedo para dizer que ele foi cortado. - Ele passou a colocar os braços acima como proteção também, a chuva ficara mais forte - Seja você mesma.

Piper crispou os lábios, fazendo algo parecido com uma das carrancas de Reyna. Ela pegou a sacola com uma mão enquanto a outra permanecia protegendo seus olhos. Os cabelos ficando mais escuros e pesados com a água, mas os olhos caleidoscópicos se destacavam ao capturar a pouca luz do dia.

– Você não consegue entender. - Falou, colocando uma voz mais confiante - Não posso viver sem esta máscara. - Ela respirou fundo, dando um pequeno sorriso, olhando para a rua atrás deles - Mas está tudo bem. Eu consigo me vir-

Ela interrompeu a fala, mostrando uma expressão de pânico dominar seu rosto por completo.

– Piper? - Perguntou Leo.

De repente, sem mais nem menos, ela começou a correr o mais rápido que conseguia, largando a sacola no chão e deixando para trás o matagal enquanto a chuva piorava. Hoje não é o meu dia de sorte, pensou Leo, enquanto se forçava a correr atrás dela gritando seu nome. Eles passaram por alguns armazéns até chegarem a uma grande garagem onde estavam poucas motos e outros veículos. Piper estava abaixada atrás de uma moto, espiando o lado de fora furtivamente.

– O que estamos fazendo aq- Ela o puxou pela roupa para se abaixar também e colocou o indicador na frente dos lábios, pedindo silêncio. Leo esperou para ver o que acontecia.

Então, debaixo de um grande prédio à frente deles, ele viu o mesmo fotógrafo que havia perseguido Piper no dia anterior. Ele se abrigava da chuva na área coberta da entrada, apertando os olhos protegidos pela mão em busca de algum sinal da modelo. Carregava uma mochila nas costas onde Leo tinha certeza que havia uma câmera, pronta para uma foto.

– Em uma só palavra, ele é um stalker - Piper se resumiu a dizer, falando baixinho. - Não queria dizer isso antes, é algo doloroso.

– Doloroso? - Leo perguntou. - Olha, o que eu daria para ser famoso.

– Minha vida foi preenchida por esse tipo de pessoas - Piper continuou - É vergonhoso. Por culpa deles eu tive de voltar para cá. - Ela suspirou - Meu pai e eu achamos que seria mais seguro, e não queria causar problemas à ele. Também decidi me distanciar um pouco da carreira de modelo, mas esse cara me seguiu até aqui...

Outra vez, a face de Piper era medo puro. O perseguidor havia feito contato visual com ela, mesmo distante de onde estava ele conseguira a ver. Pegou uma câmera o mais rápido possível, indo correndo para a direção da garagem onde eles estavam.

– Não - Piper disse, ameaçando se levantar para correr.

Antes que ele sequer chegasse à metade do caminho, um braço o barrou na altura de seu peito, o fazendo cair no chão. Thalia chegou logo depois, quando ele voltou a se levantar e, com força, bateu nele com o saco que segurava. Com certeza havia doído, pois ele saiu correndo pela rua, mas sem deixar de mão a sua câmera presa ao pescoço.

– Qual é o problema, é só uma foto! - Ele disse, protegendo a cabeça com os braços enquanto corria. Reyna era sem dúvidas a mais rápida, e Thalia corria logo atrás.

Piper se mostrava perplexa.

– Por... que? - Encarava as duas correndo atrás dele, ainda possível de se ver. Por que elas estavam correndo para pegá-lo? Ele era obviamente um pervertido. Ao contrário de Piper, que teve de mudar de cidade por uma segunda vez, reformular toda a sua vida, se estressar, se frustrar... Ela não seria menor que aquele inútil fotógrafo ou que Reyna e Thalia. Piper não se curvaria para alguém do tipo.

Ela se levantou, com os olhos faiscando e os punhos fechados, exalando raiva e determinação.

– Você disse para eu parar de fingir, não é? - Ela o encarou dali de baixo. Pela primeira vez, Leo sentiu que estava gostando da garota por algo além de sua aparência. - Vou deixar de fingir que sou a doce Piper. Nada pode me mudar, eu vou viver com minha verdadeira personalidade, goste a mídia ou não.

E então ela estava correndo também, saindo de seu abrigo e procurando por seu perseguidor. A chuva já dava lugar para o sol que se punha, e Piper havia deixado um Leo com falta de ar para trás enquanto via Reyna e Thalia à sua frente. Ela estava com tanta coragem que ultrapassou as duas, e parou em frente ao stalker, que agora a encarava com medo enquanto Piper o encurralava. Ele tirou a câmera da mochila, guardada em algum momento em que se escondeu na perseguição, mas ela derrubou o objeto e pisou em cima dele. Seu pé esmagava a câmera, pisando várias vezes nele até a tela se estilhaçar e ficar inutilizável.

Ao ver a raiva dela, o stalker se mostrou incrédulo.

– Mas você era tão gentil - Ele disse para ela, caído no chão observando Piper ainda quebrando os últimos pedaços dele. - Não é a minha verdadeira Piper, sua personalidade não é como a de um anjo!

Piper o encarou.

Do que importa?– Rosnou para ele - Você é um maluco, não me segue somente pelo que eu sou, você me segue pela minha aparência. Vá embora. E eu não sou sua Piper. - Chutou o que restou da câmera na direção dele.

O perseguidor, totalmente assustado e decepcionado, saiu correndo aos tropeços, se distanciando cada vez mais de uma Piper aliviada, que o observou sumir quando o mesmo dobrou a esquina.

– Pi - Suspirou e expirou - per? - Leo disse, apoiando as mãos nos joelhos e deixando a cabeça pender para baixo enquanto tentava recuperar um pouco do fôlego perdido.

Ela se virou para ele, um pequeno sorriso se mostrava em seu rosto. Um sorriso sincero.

– Eu estou bem - Falou, deixando-se cair de joelhos no chão - De verdade.


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