A Semideusa escrita por Messer


Capítulo 7
Lagoa


Notas iniciais do capítulo

Sinceramente, há algum tempo eu estou pensando isso, apesar de, agora que eu passei para palavras, não ter ficado tão bom. Mas pelo menos o capítulo é bem grande. Tomara que eu esteja errada, pelo menos. Boa leitura, queridos.



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Ela escutou vozes, diversas vezes. Seus olhos pareciam colados, e a escuridão a envolvia, dando-a a sensação de flutuar pelo vazio, apesar de o que ouvia a deixar preocupada. Não conseguia sentir nada de seu corpo, muito menos movimentá-lo. Mas sabia que pessoas estavam em sua volta.

–Ei, o que está fazendo aqui? – A voz parecia vim de longe, era como o eco. Mary não soube de quem ela era. – Tudo bem que você se preocupa, mas tem que dormir um pouco.

–Não consigo dormir em outro lugar – outra pessoa respondeu. Mary teve vontade de cerrar as mãos por conta da voz, mas não conseguia.

–Então tem que comer alguma coisa. Você não sai daqui. O jantar está pronto.

–Eu não vou...

Mary se deixou perder novamente na escuridão.


****


Ela respirou algo frio, como se um pano molhado estivesse colocado sobre seu nariz. Ela conseguiu abrir os olhos, e deu de cara com algo escuro. Piscou várias vezes, tentando ver o que era, e conseguiu ver algumas feições humanas. Ela arregalou os olhos de pavor e caiu na escuridão novamente. Mary já havia ouvido falar, mas nunca havia visto um Irmão do Silêncio antes, com os lábios costurados e os olhos removidos das órbitas, como se não existissem.


****


A névoa corria pela sua visão, e uma forte luz ao fundo deixava tudo mais embaçado. Mary deu alguns passos, mas não conseguia enxergar nada à sua frente. Ela sentiu algo se mover por entre seus pés, e ficou na expectativa de ver Quione em seus calcanhares. Mas, quando olhou para baixo, ela viu a forma de algo com um corpo longo, liso e cilíndrico, como o de uma cobra. Ela deu um pulo para o alto, gritando e alguém lhe segurou com força pelo braço.

Ela olhou e ficou encarando a pessoa. Parecia-lhe familiar, como se a visse todos os dias, apesar de não saber quem podia ser.

–Você não iria matar meu Oráculo, iria? – O jovem disse.

Mary o olhou confusa. Ele aparentava ter vinte anos, com os olhos azuis e o cabelo encaracolado loiro, escondido parcialmente por baixo de uma cartola, que combinada com as roupas vitorianas, com detalhes em dourado no colete e o lenço enrolado no pescoço também nessa cor. Ele estava como um homem de sua época.

–Gostou da roupa? – Ele disse, sorrindo graciosamente. – Pensei que você ficasse um pouco mais tranquila, apesar de ser uma garota dos dias atuais, não daqueles tempos de revolução de Londres. Mas você gostava de lá, não?

–É difícil largar as raízes – ela respondeu baixinho.

O jovem sorriu novamente.

–Bem, eu sei que não devo fazer muito isso, mas é bom tomar cuidado – seu sorriso sumiu. - É sobre a profecia.

–O que você sabe sobre ela? – Mary não havia contado a ninguém além de John, que estava presente. Logo depois que o Oráculo terminou de recitá-la, ela se transformou em pó, que foi levado pelo vento.

Ele deu uma risada silenciosa.

–Você ainda não adivinhou quem sou amorzinho?

–Apolo – ela respondeu imediatamente, lembrando-se do apelido. Mesmo assim, ele a lembrava outro alguém.

–Meu charme é inesquecível, não?- Ela levantou uma sobrancelha. – Ok, agora ao assunto. Essa profecia é traiçoeira, e vai envolver dois povos.

–Os Nelphilim e os Semideuses – ela disse.

– Sim, sim – ele fez um gesto com a mão para que deixasse para lá. – Bem, você deve parar e pensar no momento em que meu Oráculo apareceu e ver bem cada palavra, ok?

–Eu vou morrer e voltar para a vida.

Apolo tirou a cartola escura e balançou a cabeça.

–Profecias são traiçoeiras.


****


Sua cabeça latejava incrivelmente, como sempre.

Ela abriu os olhos e viu um clarão. Logo, os fechou rapidamente, com o coração acelerado. Não havia saído daquele pesadelo? Não sabia quanto tempo ficara desacordada, mas ainda estava lá? Tendo alucinações e vendo os monstros misturados com os demônios?

Quando terminara de contar até cem, Mary abriu os olhos devagar. Realmente havia um branco em sua frente, mas era algo que ela já tinha conhecido. O teto da enfermaria do Instituto. Finalmente recobrara a consciência e o que havia escutado e sonhado fora, em uma parte, verdade.

Mary jogou as pernas para fora da cama e tentou se levantar, mas foi impedida por mãos firmes segurando seus ombros, antes de conseguir pisar no chão.

–Eu acho que você tem que pensar um pouco antes de agir, Laurence.

Ela ergueu os olhos e viu John, com um leve sorriso no rosto. Havia olheiras por baixo de seus olhos, e seu cabelo estava desgrenhado. Juntando o cobertor que estava precariamente em seus ombros, Mary soube que ele estava dormindo lá.

–TADH – ela respondeu, se ajeitando para sentar-se melhor.

–TDAH – ele corrigiu, indo para o pequeno criado-mudo que estava ao lado da cama e servindo uma xícara de chá.

–Tanto faz – ela pegou a xícara que ele ofereceu e deu um gole. – Essa língua vive mudando.

John deu de ombros e sentou-se na cadeira que estava ao lado de sua cama. Havia alguns cobertores e um prato com alguns sanduíches mal terminados.

Ela terminou o chá e o colocou novamente em cima do pires.

–Há quanto tempo estou desacordada?

–Dois dias, só. O veneno daquele demônio estava quase tomando conta do seu corpo quando o Irmão Enoch chegou. Não era nada muito sério, mas você não acordava.

–Você ficou todo esse tempo aqui?

Ele a encarou, com os olhos âmbar faiscando. Isso lhe deu vontade de estremecer, mas não o fez com medo que chegasse mais perto. Por fim, assentiu milimetricamente.

–O que eu perdi? – Ela olhou para os lados e franziu a testa. – Onde está Quione?

John se inclinou e apoiou os cotovelos nos joelhos. Tinha uma expressão de dor no rosto e respirou fundo antes de falar.

–Foi atacada por um demônio, e não conseguiu fazer muita coisa. – Mary colocou as mãos na boca e arregalou os olhos, sentindo-os arderem. Ela se jogou na cama, sem conseguir acreditar.

Mary encarava o teto, com um bolo doloroso se formando na garganta, mas sem conseguir chorar. O ar que respirava não parecia verdadeiro. Quione... Morreu? Ela sentiu a mão de John apertar a sua, mas não retribuiu. Ao invés disso, se levantou, sentindo uma longa calça de tecido leve deslizar pelas pernas quando pisou no chão. John já estava na sua frente, mas ela o ignorou com o braço, já sentindo as lágrimas correrem pelo rosto. Ela disparou para fora da enfermaria, sem se preocupar com John lhe chamando. Ela subiu as escadas com pressa, e tropeçou uma vez, machucando sua canela e fazendo-a sangrar. Nem deu moral. Mary correu até seu quarto, passando pelo corredor colorido do Instituto, que se estendia mais e mais. Quando chegou, praticamente todo o se tornozelo já estava machucado.

Ela abriu a porta e a fechou com força, trancando-se. Mary deslizou pela porta, chorando e agarrando os joelhos com força. Jamais se desculparia por ter feito aquilo. Quione morreu por sua culpa, por ter ficado paranóica, desesperada. Algo que nunca poderia acontecer.

Minha culpa, ela murmurava baixinho. Minha culpa, minha culpa.

Ela se deitou, ainda abraçando os joelhos.

Mea maxima culpa.


****


–Sinto muito, me desculpe.

Mary abriu os olhos. Eles pareciam estar pregados com algo, e a visão estava borrada. Piscou com força, tentando enxergar melhor. Dessa vez, conseguiu identificar o rosto sereno de John repousando acima. Seus cabelos caíam, e ela sentia o cheiro dele, de metal e algo salgado, que não soube identificar. Com um torpor, percebeu que estava com a cabeça apoiada em seu colo, e ele passava as mãos pelo seu cabelo claro e bagunçado.

–Pelo o quê? - Ela murmurou, franzindo a testa, tentando afastar a confusão do corpo.

–Por Quione. Eu deveria ter feito algo para protegê-la, mas estava preocupado com você. Aliás, ela era uma loba de caça, e eu sabia que ela significava muito pra você, mas não levei tão à sério. Desculpe, desculpe mesmo.

Ela se levantou, sentando com as pernas cruzadas. Uma onda de tontura a ameaçou, mas Mary se concentrou. Não podia deixar-se abater mais, jamais faria isso. Mesmo que fosse algo tão importante como Quione. Mary parecia durona, e fazia de tudo para que realmente passasse essa imagem. Mas, na verdade, era como folhas de Papiro.

–Não é culpa sua. Ela foi treinada para isso – ela o olhou, triste -, e teria feito tudo de novo. Só que... Eu... - Ela suspirou, cansada. John nada fez para que continuasse, ele ficou em silêncio. Parecia entender o que era perder alguém, mesmo que esse alguém fosse um animal de estimação.

–Quer dar uma volta? - Ele perguntou, aparentemente ansioso.

–Como?

–Dar uma volta. Tentar livrar a mente de tudo isso. Conheço bons lugares de Nova Iorque.

Mary o encarou, e viu que talvez estivesse tentando ajudar. Era estranho. John sempre parecia estampar os sentimentos em sua face, sentimentos belos, mas em algumas ações era pior que demônios. Ela mesma uma vez já fora machucada, mesmo que indiretamente. Até hoje se perguntava o por que que ela ainda o confiava.

Enfim, respirou fundo e assentiu. John ajudou-a a levantar.

–Está bem frio lá fora. Vou te esperar atrás da porta. - E saiu, deixando Mary sozinha.

Olhando pelo quarto, se dirigiu até o armário escuro. Já havia transformado aquele local em um pedacinho de sua casa, com o colchão no chão, livros na escrivaninha escura, que também estava guardando tintas e pincéis, as paredes pretas e com roupas de inverno jogadas pelo recinto. Era bem melhor assim.

Mary pegou uma calça, uma blusa de lã, um casaco azul escuro, um gorro cinza, um cachecol e luvas. Despiu-se e colocou as roupas, que correram geladas por sua pele. Por fim, vestiu botas pesadas e meio grandes, para conseguir andar melhor na neve. Ela nunca se deu bem com neve, apesar de gostar. Talvez a deusa, Quione, não havia gostado muito da homenagem que havia feito a ela.

Saindo do quarto, viu John esperando encostado na parede, brincando com um canivete. Ele sempre fazia isso. Logo quando a viu, guardou rapidamente a arma dentro do casaco.

–Você vai levar uma arma? - Mary perguntou, já andando.

Ele logo se pôs ao seu lado.

–Você leva esse colar a todo canto – e estendeu a joia para ela.

Mary pegou o colar da mão aberta dele. Ele sempre voltava para ela quando o usava, exceto quando era posto em outra pessoa ou usado por tal. O colocou pelo pescoço, se sentindo aliviada pela pressão familiar que ele fazia.

John abriu a porta do elevador e gesticulou para que ela entrasse primeiro. Depois, desceram em silêncio. Quando a porta do Instituto se abriu, um vento frio soprou, fazendo Mary estremecer e puxar o cachecol para cima, tampando a boca. Ela viu John sorrir com a ação.

–Bem, acho que voltamos até a noite. - Ele disse, saindo do Instituto, com Mary atrás.

–Por que Hades demoraríamos tanto? - Ela perguntou, meio desconfiada.

John pensou por um tempo, seguindo para a estação de metrô. Por fim, deu de ombros.

–Tem vários lugares legais aqui. Mas acho que não vamos precisar visitar todos hoje. Não?

–É.


****


O vento já cessara, e o Sol se esforçava para aparecer por de trás das nuvens. Talvez isso esquentasse um pouco, pensou Mary. Mas, olhando para o pequeno lago logo abaixo, que estava completamente congelado, não tinha tanta certeza.

Estavam no Central Park, o primeiro lugar que John a levou. Não conhecia aquele lugar, e ele havia dito que era um tanto especial, coberto por símbolos. A neve havia tomado conta de tudo, e era realmente bonito olhar as árvores, o lago congelado e a neve. Ao longe, podia ver alguns arranha-céus, que pareciam sustentar a imensidão azul.

–Eu sempre venho aqui. É calmo, e mais ninguém vem – John disse, encarando o horizonte.

Olhando em volta, ela assentiu com a cabeça. Era um lugar pacífico, realmente. E, de alguma estranha forma, não sentia mais tanta tristeza a morte de Quione.

–Ela se transformou em pó prata quando morreu. Aquele Oráculo também. Por quê?

Mary olhou para ele, para a estranha luminosidade se seus olhos. Ela sempre ficava intrigada com o fato disso. Sentia algo estranho quando estava perto dele, algo que a fazia querer enterrar a cabeça na neve. Porém, quando estavam longe, era pior ainda.

–Eu também vou me transformar em pó quando morrer – ela disse, com um suspiro. - É assim. Nós somos, ou éramos imortais. Não somos iguais a outras pessoas fisicamente. E sobre o Oráculo, não sei – ela lembrou do sonho com Apolo, sobre as profecias traiçoeiras. - Talvez seja algo diferente.

John fechou os olhos e deu de ombros, enterrando a cabeça nos braços, que estavam apoiados no limite da ponte.

–Cansado? - Mary perguntou, levemente preocupada.

–Bem, é meio difícil de descansar bem naquela cadeira – admitiu. - Mas temos outros lugares para visitar.

Ele se arrumou e desceu da ponte, e se virou, estendendo a mão para Mary.

–A ponte está meio escorregadia – ela começou a andar, prestando atenção onde pisava. - Ei, tome...

Mary pisou no gelo escorregadio, e não conseguiu recuperar o equilíbrio. Apertou a mão de John com força, mas ele foi mais rápido. A puxou para perto e segurou-a pela cintura, a fim de que ela conservasse o equilíbrio.

A garota se sentiu ruborizar, mas ergueu o rosto para cima, a fim de lhe pedir desculpas. Mas, em vez disso, prendeu a respiração e sentiu o coração martelar. Quando se deu conta, John a beijava.

Ficou em estado de choque durante alguns segundos, mas depois, em um instinto desconhecido, fechou os olhos e passou os braços pelo pescoço dele, brincando com seus cabelos. Sentiu o outro braço de John passar por seu corpo e a puxar para perto, fazendo-a dar um pequeno passo. O calor de seu corpo emanava pelas roupas de frio, causando pequenos calafrios na garota. Com um susto, percebeu que gostava dele.

Por fim, distanciaram os rosto, ainda entrelaçados. Mary sabia que estava bem vermelha, e torcia para que não pudesse escutar as batidas de seu coração. Ela tirou os braços de seu pescoço, e sentiu o aperto na cintura diminuir. Deixou as mãos ao lado do corpo, e percebeu que John pegara sua mão. Tentou não ficar mais vermelha do que estava, apesar de não saber se era possível.

–Vamos – ele disse, com uma expressão pacífica no rosto. - Tenho outros lugares legais para te mostrar.


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Notas finais do capítulo

Bom? Tipo, eu achei meio horrível. Deixa um review com a sua opinião, por favor?



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