Suteki da Nee escrita por Yoruki Hiiragizawa


Capítulo 21
Tudo o que falo para você sai errado


Notas iniciais do capítulo

Música do Capítulo: Why dont you & I, interpretada por Santana (feat. Alex Band).
Boa Leitura!!



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SUTEKI DA NEE
por Yoruki Hiiragizawa


Capítulo Vinte e Um
Everything I say to you
Comes out wrong

Havia algo quase mágico na sensação de chegar em casa depois de um longo dia de viagem. Ao menos era o que Shaoran sentia ao parar em frente à porta de seu apartamento e procurar as chaves. Havia sido cansativo passar por todas aquelas escalas, mas valera a pena ter mudado a data de sua passagem para voltar um pouco antes. Assim poderia aproveitar os últimos dias das férias de verão ao lado de Sakura.

Suspirou de contentamento ao empurrar a porta para entrar. O ar no apartamento estava abafado e com um odor distinto, próprio de ambientes que permaneceram fechados por tempo demais, mas nunca a frase “Lar, doce lar” fizera tanto sentido para ele. Abriu as janelas, deixando o ar circular, e jogou-se no sofá para descansar por um instante.

As malas estavam em um canto da sala e ali ficariam até que se sentisse disposto a dar um jeito nelas. Naquele momento ele ansiava por um bom banho e algumas horas de descanso. Levantou-se, fazendo um grande esforço, e se encaminhou para fora da sala com passos arrastados. Tinha que ligar para a mãe, avisando que chegara bem. Também queria ligar para Sakura...

‘Talvez eu passe lá mais tarde...’, pensava quando o telefone começou a tocar.

“Ah, droga...” – murmurou um pouco mal-humorado. Queria refrescar-se, descansar... Por um instante cogitou não atender, mas deu meia-volta e retirou o aparelho da base antes que tocasse pela quarta vez.

“Alô, residência dos Li...” – respondeu automaticamente. – “Shaoran Li falando...”.

“Sha... S-Shaoran...” – ouviu a voz de Sakura do outro lado em um sussurro sofrido que o deixou em alerta imediatamente. – “M-me ajuda...” – e um baque surdo.

“Sakura?” – chamou-a sem ouvir resposta. – “Sakura! SAKURA!” – apertou com mais força o aparelho nas mãos, ouvindo atentamente o outro lado da linha. A ligação não havia sido cortada, mas ninguém respondia por mais que chamasse.

O mais rápido que ele pôde, saiu correndo do apartamento e, não encontrando o elevador em seu andar, desceu os sete andares pela escada de incêndio, ganhando a rua em um ritmo frenético.

A casa dos Kinomoto ficava a uns quinze minutos de caminhada do seu apartamento, atravessando o parque, mas, de alguma forma, ele conseguiu fazer aquele percurso em menos de cinco. Chegou em frente ao sobrado amarelo esbaforido e desesperado.

“Sakura!” – gritou já abrindo o portão e começando a bater na porta com a mesma força de seu coração.

Sem esperar por resposta, deu a volta na casa e chegou ao quintal dos fundos onde, para seu alívio, encontrou a porta de vidro destrancada.

“Sakura!” – chamou mais uma vez, entrando sem cerimônia e atravessando a cozinha. – “Sak...” – congelou momentaneamente na porta da sala.

Ali, caída no chão, pálida como um fantasma, estava a garota.

“Não...” – murmurou, ajoelhando-se ao seu lado com a respiração entrecortada. Encontrou imediatamente a pulsação dela, percebendo, também, que ela respirava, mas estava desacordada. – “Sakura, acorde!” – sacudiu-a de leve. – “Por favor, abra os olhos e fale comigo...” – pediu com a voz embargada e suplicante, abraçando-a e puxando-a para seu colo.

Notou, com apreensão, o rosto dela ganhar um pouco de cor enquanto os olhos esmeralda pestanejavam repetidamente, segundos antes de se abrirem.

‘Graças a Deus!’, sentiu-se subitamente fraco com o corpo todo tremendo enquanto lágrimas de alívio escorriam por seu rosto. Encostou a fronte na curva do pescoço de Sakura, permanecendo ali por diversos segundos. Tinha que se controlar e se manter calmo.

“Sh-Shaoran?” – ela o chamou, a voz fraca. Ele se ergueu encarando-a com os lábios levemente curvados em um sorriso. Ainda estava preocupado, mas, por ora, ela estava bem.

“Sim...” – encontrou os olhos verdes dos quais tivera tanta saudade e o rosto adorado, um pouco mais corado que minutos atrás. ‘Não era assim que eu imaginava nosso reencontro...’, suspirou pesadamente, balançando a cabeça para espantar as lágrimas que ameaçavam voltar aos seus olhos.

“Você cortou o cabelo...” – ela comentou, erguendo a mão e tocando a ponta dos fios rebeldes. Ele riu nervosamente.

“Cortei, mas posso deixar crescer de novo, se você quiser...” – ela meneou a cabeça, negando.

“Ficou bom assim...” – esboçou um sorriso. – “Uhm... Shaoran, você não vai me soltar?” – perguntou um pouco sem graça, vendo-o inspirar com força antes de se erguer com ela ainda nos braços, carregando-a para o sofá.

“Como você está se sentindo?” – indagou, abaixando-se e pegando o telefone que estava no chão.

“Um pouco dolorida...” – respondeu mexendo devagar os braços e as pernas antes de se recostar preguiçosamente. – “Um pouco cansada, também...”.

“O que aconteceu, exatamente?” – quis saber, sentando-se ao lado dela com o telefone ainda na mão. Cogitava chamar um táxi e levá-la ao médico.

Sakura desviou o olhar, ficando pensativa. Aquela situação toda era preocupante. Já fazia algum tempo desde que sentira aquela tontura e fraqueza pela última vez, mas nunca chegara a perder a consciência antes. Precisava descobrir o que estava acontecendo, mas também não seria justo deixar Shaoran mais preocupado do que já estava.

“Não sei dizer...” – começou encolhendo os ombros e se voltando para encará-lo. – “Mas já estou bem melhor...” – sorriu vendo um olhar desconfiado surgir na face do rapaz. Ficou séria por um instante, levando a mão ao estômago, assustando-o. – “Puxa, estou com uma fome!” – declarou, fazendo-o relaxar. Ele fechou os olhos por um segundo, suspirando e abrindo um sorriso.

“Então vamos dar uma olhada no que tem para comer...” – levantou-se, parando diante dela. – “Tem certeza que está bem?”.

“Estou sim...” – garantiu, fitando-o diretamente. Shaoran, então, estendeu a mão, puxando-a devagar.

“Falando em jantar, onde está o seu pai?” – perguntou, andando de mãos dadas ao lado dela até a cozinha. Ela riu divertidamente.

“Está numa reunião da Universidade...” – explicou olhando para a mão dos dois unidas e abrindo um sorriso. – “O que você quer comer?”.

“Deixa comigo... você vai ficar só me fazendo companhia...” – puxou-a até uma das cadeiras e a fez se sentar.

“Mas...” – foi interrompida quando ele pousou o indicador nos lábios rosados.

“Nada de mas...” – sorriu, arregaçando mangas imaginárias. – “Vamos pôr a mão na massa e preparar algo bem gostoso...” – começou a investigar o que tinha na geladeira e nos armários enquanto decidia o que fazer, sob o olhar atencioso da japonesa.

Em poucos minutos iniciaram uma conversa leve. Eles tinham muito o que conversar e muitas novidades para pôr em dia.

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Shaoran pegou o telefone e sentou-se perto da janela, observando a lua já alta no céu. Era tarde, mas se recusou a sair do sobrado amarelo antes que Fujitaka voltasse para casa, por mais que Sakura insistisse que estava bem. Suspirando profundamente, ao mesmo tempo em que se preparava mentalmente para a bronca que viria a seguir, telefonou para Hong Kong.

“Residência dos Li, boa noite! Posso ajudá-lo?” – ouviu a voz de um dos criados.

“Boa noite. Aqui é Xiao Lang Li, gostaria de falar com minha mãe...” – solicitou, ouvindo o criado pedir que aguardasse um minuto.

“Xiao Lang! O que aconteceu? Faz horas que estou tentando ligar para você! Não vai me dizer que só chegou em casa agora...” – a mulher disparou assim que pegou o telefone. – “Faz ideia do quanto estávamos preocupados? Por que não nos ligou mais cedo?” – continuou com o interrogatório sem nem ao menos tomar fôlego.

“Sinto muito, mama...” – a seriedade em sua voz fez com que a zanga da mãe desse lugar a preocupação.

“Você está bem, meu filho?”.

Shaoran logo explicou o que havia acontecido mais cedo. Sentia-se fraco só de lembrar daquilo. Queria poder esquecer tudo o que passara por sua cabeça naqueles poucos minutos entre o telefonema e o momento em que a viu recobrar os sentidos em seus braços. Nunca se sentira tão assustado em toda sua vida.

“Sei que devia ter ligado antes, mas...” – suspirou com o peso dos acontecimentos do dia sobre os ombros. Embora, com o passar das horas, Sakura parecesse totalmente recuperada, sem nem dar indícios de ter passado mal, Shaoran ainda tinha dúvidas sobre ter feito a coisa certa ao decidir não levá-la ao médico quando ela afirmara estar melhor.

“Sim, devia...” – Yelan disse apaziguadora. – “Mas entendo porque não o fez... era muita coisa em que pensar...”.

“E como estão as coisas por aí?” – mudou de assunto. – “Como está Mei Ling?”

“Poderia estar melhor...” – ela respondeu irritada.

“Mas eu acabei de sair daí!” – não conseguia acreditar que já estivessem arrumando problemas para a prima.

“Os anciões apenas esperaram você embarcar para colocarem as mangas de fora...” – comentou impaciente. – “A pediatra de Hua Jing recomendou colocá-la na natação para...”.

“Natação com essa idade?” – estranhou a ideia.

“Sim; aparentemente, ajuda a estimular o desenvolvimento mental... Não vou discutir com a médica...” – explicou rapidamente. – “De qualquer forma, ela não teve autorização para inscrever a menina, porque a decisão não passou por você...”.

“Isso é um absurdo! O que eu posso fazer estando no Japão?” – indagou, sentindo uma pontada de dor de cabeça. – “Além disso, Mei Ling não precisa ficar me consultando para decidir o que é melhor para a filha dela!”.

“Aparentemente, quando você se responsabilizou pelo bem-estar delas perante os anciões, isso significou que também tomaria as decisões por elas...” – ela suspirou. Aquela ideia não era nada animadora.

“E o que podemos fazer sobre isso?” – ele quis saber em meio a um bocejo, estava realmente esgotado pelos acontecimentos do dia.

“John está trabalhando em uma solução. Disse que ligaria para você amanhã...” – ela respondeu. – “Não se preocupe tanto com isso, Xiao Lang... Daremos um jeito!”.

“Espero que sim...” – recostou-se olhando o céu noturno. – “De qualquer forma, estou muito cansado para pensar em alguma solução agora...”.

“Entendo... Tenha uma boa noite, meu filho!” – despediu-se carinhosa.

“Boa noite, mama!” – respondeu antes de desligar.

Com a cabeça cheia de problemas, decidiu tomar aquele merecido banho e recolher-se antes que acabasse dormindo ali mesmo onde estava.

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“Eu percebi que alguém estava sendo paparicada hoje...” – Tomoyo comentou com um sorriso provocador assim que ela e Sakura ficaram sozinhas ao término do primeiro dia de aula.

“Sim, e isto, sinceramente, está começando a me incomodar!” – a outra suspirou, fazendo a jovem de olhos ametista se espantar.

“Do que você está falando?” – indagou, vendo Sakura se sentar sob uma árvore no pátio do colégio e juntando-se a ela. – “Quem não quer ser paparicado desse jeito?”.

“Não é bem isso, Tomoyo...” – sorriu timidamente. – “Shaoran é um doce; e tem sido tão carinhoso e atencioso, mas...” – fez uma leve careta. – “Mas eu tenho a impressão de que ele está agindo assim só para ficar de olho em mim...”.

“Por que você diz isso?” – notou que Sakura se encolhia levemente, demonstrando certo desconforto. – “O que aconteceu?”.

Completamente sem jeito, Sakura explicou à amiga o que ocorrera cinco dias atrás e, que desde então, Shaoran a vinha tratando como uma boneca de porcelana.

“Você está louca, Sakura?” – Tomoyo se levantou, exasperada. – “Como é que, em uma situação dessas, naquele momento, você acabou ligando justamente para o Shaoran?” – cruzou os braços encarando-a seriamente. – “E se ele não estivesse em casa?”.

“Você acha que eu já não pensei nisso, Tomoyo?” – Sakura se ergueu também, parando diante da morena. – “Sei o que você está pensando... e, sim, é verdade que em uma situação normal Shaoran seria a primeira pessoa a quem eu recorreria a procura de ajuda...” – constatou os fatos, fazendo a outra arregalar os olhos. – “Mas, neste caso, garanto que não foi proposital...” – passou as mãos pelos cabelos, puxando-os para trás e tentando se acalmar. – “Eu estava quase desmaiando e, em um ato de desespero, apertei o botão de rediscagem do telefone...” – voltou a se sentar e começou a brincar com a grama aos seus pés. – “Aconteceu de eu ter ligado para o apartamento de Shaoran um pouco mais cedo...” – e encarou a morena fazendo questão de enfatizar: – “...porque eu sabia que ele chegaria naquele dia...”.

Tomoyo se sentou novamente e segurou firmemente ambas as mãos da amiga.

“Desculpe por ter me descontrolado, mas só de pensar no que...” – não completou a frase, com uma expressão de sofrimento no rosto.

“Eu entendo... e eu sou a primeira a admitir que foi muita sorte tê-lo encontrado em casa naquele momento...” – suspirou pensativa.

“Isso já tinha acontecido antes?” – indagou, vendo-a hesitar.

“Eu já havia sentido tontura e fraqueza outras vezes, mas nunca cheguei a desmaiar...” – explicou seriamente. – “Tenho que descobrir porque isso aconteceu, Tomoyo...” – declarou decidida.

“Acho que é a decisão mais acertada...” – aprovou a iniciativa um pouco mais tranquila. – “Se quiser companhia, basta me chamar, está bem?” – trocaram um sorriso. – “Imagino o susto que Shaoran levou quando a encontrou desmaiada...” – comentou penalizada pelo rapaz.

“Bem...” – Sakura desviou o olhar com o rosto levemente ruborizado. Sentia-se incomodada por guardar com carinho na memória o momento em que acordou nos braços dele. – “Falando nele...” – viu-o se aproximar ao lado de Eriol. Ela notou imediatamente o olhar sério nos olhos castanhos que a observavam com cautela.

“Então foi aqui que elas se esconderam...” – o inglês comentou, brincalhão, vendo-as se levantarem.

“Como está se sentindo?” – Shaoran indagou, acariciando de leve seu rosto.

“Eu estou bem...” – afirmou, tentando dissipar a nuvem de preocupação que cobria os orbes profundos do chinês. Aquilo era outra coisa que vinha deixando-a tremendamente incomodada: o ar desassossegado que parecia acompanhá-lo o tempo todo ultimamente. E, mesmo sentindo que nem sempre era por sua causa, doía-lhe saber que tirava, de alguma forma, a tranquilidade dele. – “É sério...” – sorriu, vendo-o retribuir.

“Sakura, a Yamazato estava procurando por ti...” – Eriol avisou, interrompendo a troca de olhares dos amigos.

“Eu sei, fiquei de encontrá-la na biblioteca após as aulas, mas não quis deixar Tomoyo sozinha...” – piscou para a morena com um sorriso de cumplicidade. – “Agora que chegaram, eu já vou... Até amanhã!” – despediu-se, alegremente começando a se afastar.

“Ah, espera! Eu vou com você...” – Shaoran apressou-se, fazendo-a parar para encará-lo. Ele acenou para Eriol e Tomoyo e se aproximou dela.

“Shaoran...” – ela franziu a testa, mas ele ergueu as mãos em sinal de defesa.

“Sim, estou preocupado, mas não estou tentando bancar a babá...” – garantiu, recebendo um olhar desconfiado. – “Eu tenho que falar com você...” – declarou um tanto agitado. Ela concordou levemente com a cabeça.

“Sobre o quê?” – perguntou curiosamente, enquanto começavam a caminhar de volta ao prédio da escola.

“Sobre o próximo sábado...” – disse, recebendo um olhar confuso. – “Eu gostaria de levá-la para jantar...” – esclareceu, vendo-a esboçar um sorriso.

“Se era isso, por que não falou antes?” – indagou, olhando-o carinhosamente. – “Não precisava fazer todo esse mistério...”.

Ele parou de caminhar e segurou-a pelo braço, suspirando profundamente com um olhar no rosto de quem sabia não ter sido compreendido. A forma com que os olhos âmbares se prenderam às joias esmeralda fez com que Sakura se esquecesse de respirar. Shaoran queria que a garota compreendesse que aquele não seria um jantar como os que eles já tiveram antes: aquilo seria um encontro! Abriu a boca para falar, mas...

“Ah, você está indo para a biblioteca também, Sakura?” – Yamazaki se aproximou dos dois com passos apressados. – “Puxa, achei que estivesse atrasado, mas se você ainda está aqui...”.

“Isso apenas quer dizer que estamos os dois atrasados, Yamazaki...” – Sakura disse um pouco sem jeito e olhou para Shaoran. – “Não se preocupe, estou livre no sábado... Conversamos melhor sobre isso outra hora...” – acenou para ele, afastando-se ao lado do rapaz de olhos pequenos.

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Fujitaka se encaminhou para o quintal dos fundos secando as mãos e ouvindo a filha rir e esbravejar ao mesmo tempo.

“Mas que coisa! Espere um pouco!” – a garota dizia, abaixada ao lado de uma casinha de cachorro com o pacote de ração nas mãos enquanto tentava, sem sucesso, colocar a comida na tigela. – “Pare com isso!” – levantou-se, quando o filhote tentou subir no seu colo para alcançar o pacote de comida.

“Ele é cheio de energia, não?” – o homem comentou controlando-se para não rir da situação.

“Não importa o que eu fale, ele simplesmente não me entende...” – ela reclamou, vendo sua mascote comer alguns dos grãos de ração que foram ao chão quando se levantou. – “E, ainda por cima, é um esfomeado!” – declarou, recebendo uma careta do cão.

“Ainda não conseguiu pensar em um nome para ele?” – viu a garota negar com a cabeça.

“Acha que é por isso que não me atende?” – indagou incerta, vendo um ar pensativo surgir no rosto do pai.

“Creio que a existência de todas as coisas esteja relacionada ao fato de serem corretamente nomeadas...” – encolheu levemente os ombros falando com um tom didático.

Sakura aproveitou para encher a vasilha de ração quando o filhote se distraiu por um instante pulando desajeitadamente na direção de Fujitaka, mas, ao ouvir o som da comida, ele voltou correndo e atacou.

“Céus, parece que não come há uma semana!” – ela meneou a cabeça vendo o filhote limpar rapidamente o prato. – “E come tão rápido que até parece ter mais de uma cabeça...” – espantou-se, fazendo Fujitaka rir.

“Então é parecido com o Cérbero, não?” – mencionou, fazendo Sakura olhar curiosamente para o cachorro.

“Cérbero...” – falou pensativa, vendo o cão, que acabara de comer e viera se sentar ao seu lado, encará-la com a cabeça levemente inclinada. – “Faria sentido, pois a mãe dele se chama Perséfone...” – voltou-se para o pai, um tanto incerta. – “Seria um bom nome?”.

“Vamos testar...” – Fujitaka sugeriu, voltando-se para o filhote. – “Venha cá, Cérbero!” – chamou, fazendo-o virar a cabeça.

“Ele atende!” – Sakura sorriu animada. – “Então, seu nome é Cérbero?” – e fez uma careta. – “Mas é um nome tão feio para um filhote tão fofo!” – reclamou, desanimada.

“O que você quer fazer, então?” – o pai se sentou no degrau da varanda e começou a acariciar o filhote que tentava subir em seu colo.

Por alguns minutos Sakura ficou pensativa apenas observando o filhote que, se cansando de ser acariciado, começou a correr pelo quintal. Lentamente um sorriso se fez presente no rosto da jovem enquanto se voltava para o cão de pelos dourados.

“O nome pode ser Cérbero, mas eu o chamarei por um apelido!” – decidiu, encarando-o decididamente. – “Venha até aqui...” – falou com voz autoritária. – “Kero!”.

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Sakura ouviu a campainha e logo começou a correr de um lado para o outro, terminando de se arrumar. Deu uma última olhada no espelho, ajeitando o vestido branco perolado de decote canoa e fechando o bolero de manga três-quartos em organza rosa. Finalizou a maquiagem passando um brilho incolor sobre os lábios rosados, pegou sua bolsa e desceu as escadas, ouvindo as vozes dos dois homens que mais amava na vida em uma conversa engajada. Parou brevemente antes de alcançar a porta, tomando um pouco de fôlego e de coragem.

Durante toda aquela semana, controlara-se diante de Shaoran, não queria acrescentar tensão ao relacionamento deles e o rapaz já se mostrava constantemente preocupado a respeito de algo, por sentir-se culpada de tê-lo assustado com o episódio do desmaio. Mas não poderia esperar até que todos os problemas dele desaparecessem para tentar conquistá-lo e, se pretendia capturar sua atenção o bastante para isso, precisava começar logo.

“Desculpe a demora...” – adentrou a sala, parando um pouco espantada ao ver Shaoran se levantar do sofá. Ele estava vestido de forma bem informal, mas nada parecida com como geralmente se vestia quando saíam: usava uma camisa social de mangas curtas, cinza escura com listras verticais bem finas em verde claro, com os dois primeiros botões abertos; uma calça jeans escura, um sapatênis simples, no tom café, e um cinto de fivela média. – “Nossa, você está muito bonito...” – falou antes que pudesse perceber, ficando levemente enrubescida.

“Você também... está muito bonita...” – ele falou, parecendo um pouco surpreso. – “Eu gosto desse vestido...” – sorriu, com um brilho revelador nos olhos âmbares que deixou Sakura animada. Aquele era o mesmo conjunto que ela usara na noite em que se beijaram pela primeira vez. – “Ah! Eu trouxe um...” – ele olhou em volta procurando por algo.

“Ali em cima do balcão...” – Fujitaka apontou em um tom de voz sério, embora seu rosto tivesse uma expressão de divertimento, fazendo-se notar pela primeira vez desde que Sakura entrara no local e deixando-os um pouco desconsertados. Sakura voltou seu olhar para o balcão do qual Shaoran pegava um arranjo de flores, antes de caminhar até ela.

“Eu as trouxe para você...” – entregou-as para ela, que estava encantada. Era um vaso quadrado de madeira com um arranjo de quatro orquídeas cujas pétalas faziam um dégradé do rosa-claro ao rosa intenso, mas que tinham as pétalas centrais brancas com manchas vermelhas nas pontas.

“Shaoran...” – desviou o olhar das flores para encará-lo. Ele nunca lhe trouxera flores antes. – “São lindas!” – sorriu com o coração acelerado. ‘Isso está parecendo, mais e mais, um encontro...’, pensou ao enumerar mentalmente as razões porque ele faria isso.

“Que bom que gostou...” – sorriu com ternura. – “Podemos ir?” – indagou, olhando para o relógio.

“Claro!” – concordou, olhando novamente para as flores.

“Pode deixá-las ao lado da janela por enquanto, Sakura...” – Fujitaka sugeriu, fingindo assistir a um programa na televisão.

“Certo.” – ela fez como o pai sugeriu e seguiu até a porta da sala, onde Shaoran a esperava. – “Estamos indo, papai!”.

“Muito bem. Vão com cuidado e divirtam-se!” – ele sorriu brevemente, mas então fez uma expressão séria ao olhar para o rapaz. – “Suponho que, neste momento, eu deva dizer algo como: Eu quero Sakura em casa às dez e meia, Senhor Li, não é?” – comentou fazendo Sakura arregalar os olhos, espantada.

“O quê?” – ela começou, mas foi interrompida.

“Entendi. E eu a trarei na hora, Senhor Kinomoto!” – Shaoran respondeu, seriamente. – “Estamos indo agora!” – e, com um gesto galante, acompanhou Sakura para fora da casa. As surpresas de Sakura naquela noite não acabariam por ali...

Assim que saíram do sobrado amarelo, depararam-se com um Corolla azul-marinho, motorista e tudo, aguardando por eles.

“Você achou que íamos andando, não é?” – Shaoran sussurrou em seu ouvido, segurando gentilmente seu cotovelo enquanto encaminhavam-se até o carro.

“Boa noite, Senhorita!” – o chofer prestou-lhe uma respeitosa reverência. – “Sou Edamatsu e os acompanharei durante esta noite...” – apresentou-se enquanto abria a porta.

“Ah, muito obrigada!” – sorriu, entrando seguida de Shaoran. Assim que se acomodaram no banco traseiro, o homem colocou o carro em movimento. – “Você ainda não me disse aonde vamos...” – comentou para Shaoran que abriu um sorriso divertido.

“Você vai descobrir logo...” – olhou-a de soslaio, inclinando-se sobre ela e inspirando profundamente. – “Não era imaginação minha...” – franziu, desconfiado, as sobrancelhas. – “Você realmente está cheirando a chocolate...” – murmurou olhando para os lábios brilhantes. Sakura desviou o olhar e disfarçou um sorriso, mordendo levemente o lábio inferior com o rosto rosado.

Shaoran se forçou a afastar-se dela, controlando a vontade de beijá-la que o assaltara. Ele poderia jurar que Sakura o estava provocando! Sentiu o coração acelerar com a perspectiva. Aquilo era um bom sinal, certo?

Sakura, por sua vez, também aproveitava as novidades: as flores, o ar de mistério a respeito do restaurante, o choffer. Era tudo tão romântico que ela, temia estar fazendo daquilo mais do que era...

“Teve mais alguma ideia para o seu livro?” – ele perguntou alguns minutos depois, atraindo a atenção dela.

“Infelizmente, não...” – sorriu tristemente. – “Mas estou aproveitando para desenvolver melhor os personagens...”.

“Eu achei a sua ideia tão inusitada...” – o comentário fez um sorriso se abrir no rosto da moça. – “Não se esqueça de me mostrar quando tiver novidades, está bem?” – pediu recebendo anuência. – “Ah, chegamos!” – Shaoran anunciou, arrancando um suspiro de deleite da garota.

“Nós vamos jantar no Yue's?” – indagou surpresa. – “Isso é adorável! Nunca estive aqui antes!” – ela exultou enquanto Edamatsu abria a porta do carro para que saíssem.

O restaurante ficava localizado em uma casa em tom de terracota, semelhante a um palacete abobadado de três andares e rodeado por varandas; estava situado no centro de um amplo e bem cuidado jardim, o que garantia certo aspecto isolado e místico.

“Vamos?” – Shaoran ofereceu o braço à Sakura que o aceitou de bom grado enquanto observava a tudo com atenção e admiração.

Assim que passaram pela porta dupla, a garota ficou boquiaberta com a beleza e riqueza de detalhes de um painel que ocupava toda a parede do outro lado do salão: uma figura de aparência angelical, longos cabelos prateados e olhos felinos os recepcionava com uma expressão plácida. Depois do painel, o que mais chamava atenção eram as duas escadas de mármore branco, uma de cada lado da sala e que levavam aos andares superiores e balcões.

“Boa noite!” – o rapaz cumprimentou o maître. – “Temos uma reserva no nome de Shaoran Li...” – ele disse e foram imediatamente acompanhados para seu lugar.

Seguiram em direção à escada da direita e chegaram à varanda, onde uma dúzia de mesas estava arrumada sob o céu estrelado, a uma distância discreta uma da outra, com toalhas de linho branco, um arranjo baixo de rosas champagne e um par de velas que luziam em um suave tom rosado. Nas paredes, um jardim vertical florescia colorido e conferia ao ambiente frescor e um aroma veranil, enquanto, lá embaixo, o som de água cascateava em uma fonte.

“Seu garçom virá atendê-los em um instante...” – o homem falou enquanto lhes entregava os cardápios, afastando-se em seguida.

“Este lugar é mágico!” – ela comentou com Shaoran em meio a um sorriso.

“Fico feliz que esteja gostando!” – ele parecia bastante satisfeito consigo mesmo.

“Mas estou um pouco espantada com tudo isso...” – encarou-o, contraindo as sobrancelhas. – “É tudo tão inusitado... tão diferente do que fazemos normalmente...”.

“Espero que sim...” – ele a encarou com aqueles olhos profundos, fazendo-a estremecer pelas palavras não ditas. – “Você sabe por que, Sakura?”.

Ela sentiu a voz ficar presa em sua garganta conforme seu coração se acelerava até ecoar nos ouvidos, então se limitou a menear negativamente a cabeça.

“E eu pensei que estivesse tão evidente...” – Shaoran esboçou um sorriso, ajeitando-se na cadeira e aproximando-se de Sakura ao inclinar-se por sobre a mesa, sem nunca desviar os olhos das esmeraldas brilhantes da garota. – “Não permitirei que haja algum mal-entendido a respeito disso...” – falou, sentindo a pulsação intensificar-se. – “Sakura, eu...”.

“Sa-ku-ra?” – ela ouviu uma voz grave bem próxima ao seu ouvido e se levantou num pulo, assustando-se e quase derrubando a cadeira.

“Touya!” – ela levou a mão ao peito encarando o irmão. “Não faça isso!” – disparou, claramente irritada.

“Fazer o quê?” – parecia confuso e indignado. – “É esse o tipo de cumprimento que recebo depois de quase um mês sem nos vermos?”.

“Você me assustou!” – ela suspirou aborrecida.

“Desculpe, não foi minha intenção...” – defendeu-se em tom entristecido e virou-se para o chinês que olhava o céu em um estado de incredulidade. – “Há quanto tempo, Li...” cumprimentou-o, observando-o atentamente.

“Sim, realmente...” Shaoran encarou-o diretamente, deixando claro que a interrupção não fora bem-vinda. 'Alguém lá em cima realmente me odeia!...', pensou tentando imaginar quais as probabilidades de esbarrar com o irmão de Sakura em uma situação como aquela. “Como você está, Kinomoto?” – perguntou por educação.

“Oh, estou ótimo!” riu animado, mas então parou pensativo: os olhos analisando os detalhes da situação e do ambiente. – “Espero não ter interrompido nada...” – disse e Sakura percebeu, chateada, que aquilo era tudo, menos sincero. – “Vocês estão comemorando alguma coisa?” – quis saber, fazendo a garota fechar ainda mais a expressão.

“De certa forma...” – Shaoran respondeu evasivo. Touya arregalou os olhos com a seriedade no tom de voz do rapaz.

“Nossa, Moleque, você está ficando bem refinado, hein?” – continuou em tom admirado, voltando-se para Sakura. – “Papai sabe que você está namorando um ‘almofadinha’, Sakura?” – provocou, recebendo um olhar furioso.

“Agora que já nos cumprimentou, Touya, pode ir se sentar e...” – foi interrompida.

“Ah, claro!” – exclamou animadamente. – “Muito gentil de sua parte convidar...” – falou já puxando uma cadeira e se sentando à mesa, sob o olhar confuso do jovem casal. – “É interessante que tenham vindo comemorar justo aqui. Eu consegui a transferência de volta para Tomoeda, por isso decidi trazer Kaho aqui para celebrarmos também... Ela vai ficar muito feliz por... Ah! Aí vem ela!”.

“Boa noite, Sakura... Li...” – cumprimentou-os, olhando de lado para o marido. – “O que está fazendo, Touya?”.

“Fomos convidados para jantar com eles...” – disse descaradamente, recebendo um par de olhadas que teria transformado a mulher em viúva, caso olhares matassem.

Justo nesse momento, o garçom apareceu e Touya pediu que arrumasse mais dois lugares à mesa. Kaho lançou um olhar apologético para a cunhada enquanto se sentava e, com isso, não houve o que Sakura pudesse fazer, além de procurar um buraco para se esconder... Ou para enterrar o irmão.

O único conforto que a jovem de olhos verdes teve foi ver o olhar de ‘você estará com problemas assim que chegarmos em casa’ que Touya recebeu da esposa ao se despedirem.

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Na segunda-feira, Sakura não sentia seu costumeiro bom humor ao chegar ao colégio. Estava frustrada e embaraçada com o desfecho do jantar de sábado e não sabia como encararia Shaoran. Touya estragou completamente o clima.

‘Uma noite perfeita: arruinada...’, suspirou ao trocar os sapatos. E bem na hora que Shaoran estava falando... ‘O que ele queria dizer naquela hora?’, indagou-se, a frustração aumentando.

“Eu vou matar o Touya!” murmurou, entrando no corredor.

“Avise se for precisar de um álibi...” ouviu uma voz às suas costas e virou-se rapidamente, deparando-se com o rosto sorridente do chinês. “Bom dia, Sakura!”.

“Oi...” cumprimentou-o desviando o olhar, envergonhada.

“O que houve?” ele estranhou, aproximando-se.

“Ah, eu sinto muito, muito mesmo pelo comportamento do Touya!” desculpou-se, fazendo Shaoran repousar a mão em seu ombro.

“Nós já não tivemos esta conversa antes?” indagou encarando-a gentilmente. “Sakura, você não pode controlar as ações do seu irmão... Não tem porque se sentir culpada...”.

“Mas...” começou, vendo-o voltar a caminhar.

“Não estou dizendo que ele não foi inconveniente...” encolheu os ombros, vendo Sakura apressar os passos para acompanhá-lo. “Nós apenas tivemos muito azar...”.

“O que mais me incomoda é que estávamos conversando e...” começou um pouco ansiosa. “... e parecia ser importante...”.

“E realmente é...” um sorriso suave se formou em seus lábios enquanto a encarava. “Mas não é hora nem lugar de falarmos nisso...” desviou o olhar para um grupo de alunos que se aproximava. “Não se preocupe tanto! Teremos outra oportunidade de conversar em breve...” acariciou o rosto da garota, depositando um beijo na bochecha e abrindo a porta da sala em seguida para que ela passasse.

Sakura se adiantou para entrar, mas parou diante dele, encarando-o fixamente por um instante. As emoções presentes naquela troca de olhares eram cálidas e intensas. Ela não conseguia explicar, mas sentia que havia algo diferente no rapaz desde que ele voltara de Hong Kong e aquela sensação apenas se tornava mais forte conforme o tempo passava. Era como se ele tivesse se encontrado durante aqueles quase cinquenta dias em que estiveram separados. Aquele pensamento algumas vezes a apavorava... Não queria ser deixada para trás.

“Shaoran...” – sem que percebesse, sua mão encontrou a dele, fazendo com que o rapaz desse um passo na sua direção.

“Kinomoto... Eu estava esperando voc-...” - Yamazato apressou-se em direção à porta, mas estacou assustada e enrubescida ao notar Shaoran ao lado da jovem de olhos verdes. – “Ah... desculpa, eu não...”.

“Bom dia...” – ele cumprimentou a ruiva, parecendo conformado e se voltou para Sakura. – “Como eu disse: é melhor conversarmos mais tarde...” – apertou gentilmente a mão dela, antes de entrar, indo se sentar.

“E-eu não vi que...” – a ruiva começou desajeitadamente e Sakura não conseguiu ficar brava pela interrupção. Ela, pelo menos, parecia sincera.

“Você queria falar comigo?” – indagou, fazendo a outra se recompor e retomar a postura naturalmente competitiva que existia entre elas.

“Sim, a respeito de Wakkanai...” – explicou, estendendo um documento para Sakura. – “Eu gostaria de adicionar a estação de esqui Komadori à lista de locais de visitação...”.

“Estação de esqui?” – Sakura ergueu uma sobrancelha desconfiadamente.

“Sim. Eu sei que é uma estação de pequeno porte, mas é um dos lugares mais frequentados da região...”.

“Eu havia visto isso, mas não achei relevante porque vamos visitar a cidade fora da época...” – comentou, franzindo levemente o cenho enquanto encaminhava-se para sua carteira, seguida pela ruiva.

“Isso não é necessariamente verdade...” – sorriu de lado com um leve ar de superioridade. – “Outubro em Hokkaido não é completamente 'fora da época'...” – ao falar isso, fez Sakura olhar para os papéis que tinha em mãos. – “Nos últimos anos as estações têm entrado em atividade antes do tempo devido a algumas nevascas que atingem a região mesmo durante o outono...”.

“Nossa! Isto aqui está bem detalhado!” – Sakura comentou animada, erguendo os olhos do que lia. – “Sim! Acrescentar Komadori à nossa lista de permissões é uma excelente ideia...” – devolveu o material para a ruiva. – “Teremos que contar com a sorte, mas seria ótimo se pudéssemos esquiar no nosso dia livre, não é?”.

“Vou entregar isto para o Yamazaki, então...” – declarou, encarando Sakura com uma expressão de quem espera ser contrariada.

“Faça isso!” – Sakura sorriu, encerrando o assunto sem a discussão para a qual, aparentemente, a ruiva havia se preparado. Com um leve menear de cabeça, Yamazato se afastou indo se sentar já que o professor acabara de entrar.

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Quando a sexta-feira chegou, a situação estava começando a incomodar Shaoran ao ponto de deixá-lo verdadeiramente mal-humorado.

‘Tenho a impressão de que alguém anda me sabotando...’, pensou olhando para o céu azul através da janela da sala e suspirando pesadamente. E para completar, não poderia marcar algo naquele final de semana porque John chegaria no dia seguinte para que analisassem a situação atual de Mei Ling, tentando devolver a ela alguma autonomia, principalmente, no que dizia respeito à filha.

Além disso, surpreendia-o que, simplesmente, não conseguisse ficar a sós com Sakura por tempo suficiente para se declarar. Havia sempre alguma coisa ou alguém os interrompendo: no colégio eram os colegas; na rua, seu celular; na casa de Sakura, aquela bola de pelos que ela comprou do...

“Ah, Isamu!” – o chinês voltou o olhar para a porta, vendo o próprio vasculhar a sala, parado à porta. – “Você veio falar com a Sakura?” – Naoko indagou, amigavelmente, fazendo Shaoran semicerrar os olhos.

“Sim, ela ainda não chegou?” – indagou, encarando a jovem de óculos.

“Ainda não...” – ela disse com um sorriso apologético. – “Eu o avisei que ela geralmente se atrasa...”. – os dois suspiraram pesadamente e ficaram em silêncio por alguns instantes. – “Por que não entra e espera?” – ela sugeriu, vendo-o menear a cabeça.

“Volto aqui na hora do almoço...” – ele a encarou abrindo um sorriso e se afastando após se despedir.

Enquanto o rapaz saía, Shaoran o observava, querendo ter o poder de ler mentes apenas para descobrir o que ele tanto queria com sua flor. ‘E a Yanagizawa o está ajudando...’, pensou observando a colega voltar para o seu lugar com um sorriso satisfeito no rosto.

“Bom dia, Shaoran...” – Eriol cumprimentou-o, recebendo um desanimado aceno como resposta. – “Por que todo este desânimo?”.

“Nada demais...” – retorquiu, contendo uma resposta atravessada. – “Só que, ultimamente, pareço estar andando por um labirinto com armadilhas...” – suspirou com uma leve exasperação. – “Cada vez que eu acho que vou dar um passo a frente, algo me bloqueia...”.

“O que há, meu caro?” – Eriol perguntou, sentando-se. – “Os anciões estão te dando mais trabalho do que esperavas?”.

“Mas é claro que estão.” – o chinês rolou os olhos antes de continuar. – “Mas não estou falando deles...” – olhou ao redor para ter certeza de que ninguém estava olhando. – “O problema é que desde que voltei de Hong Kong não consegui encontrar o momento perfeito para falar com Sakura sobre... você sabe...” – explicou, olhando com o canto dos olhos para os colegas mais próximos.

“Se tu ficares esperando muito, é capaz de acabares sem falar com ela...” – Eriol sorriu suavemente para o chinês. – “Acredita em mim, meu amigo... quando disseres aquelas palavras, qualquer momento se tornará perfeito...” – aconselhou-o, vendo um ar pensativo surgir no rosto do chinês.

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“Ah, Shaoran!” – Fujitaka sorriu ao abrir a porta. – “Boa noite!”.

“Boa noite, Senhor Fujitaka!” – cumprimentou-o. – “Desculpe o incômodo, mas...”.

“Que é isso? Não nos incomoda... Entre, entre!” – afastou-se da porta, vendo o rapaz tirar os sapatos. – “Não nos vemos desde sábado retrasado. E foi uma pena o que aconteceu durante o jantar... Sakura me falou sobre Touya...”.

“Foi bastante inesperado...” – rolou os olhos e encolheu os ombros, não querendo falar sobre o assunto.

“Posso imaginar. Sakura estava furiosa quando voltou para casa naquele dia...” – encaminhou-se para a sala, contendo um sorriso. – “Está tudo bem com você, Shaoran?” – indagou franzindo as sobrancelhas. – “Parece um pouco desanimado...”.

“Bem...” – começou um tanto hesitante, mas apenas sorriu e meneou a cabeça. – “Não se preocupe. Estou bem!”.

“Sakura não me disse que você viria aqui hoje...” – disse, mudando de assunto.

“Ela não sabia...” – sorriu um pouco sem jeito. – “Apenas há alguns minutos decidi passar aqui para falar com ela...”.

“Mas ficará para jantar conosco, certo?” – convidou, vendo um sorriso se formar no rosto do chinês.

“O senhor sabe que não consigo recusar sua comida a menos que seja obrigado a isso...” – respondeu arrancando uma risada do outro.

“Fico feliz!” – parou ao lado da escada. – “Sakura! Shaoran está aqui!” – gritou, esperando alguns instantes por resposta. – “Sakura!” – voltou a chamar, mas a única resposta que teve foi do cão no quintal dos fundos que começou a latir.

“Será que aconteceu alguma coisa?” – Shaoran perguntou, tentando ouvir alguma coisa além dos latidos agudos do filhote.

“Ela deve estar estudando, por isso não ouviu...” – Fujitaka suspirou, olhando para o rapaz. – “Por que não sobe enquanto eu termino de preparar o jantar?” – sugeriu, vendo o rapaz concordar levemente. – “E, por favor, avise Sakura que uma das cabeças do cachorro dela deve estar com fome...” – comentou e meneou levemente a cabeça ao ouvir o cão continuar a latir enquanto se afastava. – “Silêncio, Kero!” – comandou ao passar pela porta, sendo obedecido.

Shaoran sorriu, lembrando-se do comentário de Sakura na semana anterior sobre ter dado ao cão o nome de uma criatura mítica de três cabeças pelo fato de ele parecer comer por três. Meneou a cabeça, afastando os pensamentos da bola de pelos, e começou a subir as escadas. Pelos últimos cinco dias, ele estivera considerando as palavras de Eriol sobre o “momento perfeito”, ainda tentando arquitetar a situação... mas, pelo que parecia, a melhor solução era realmente agir de improviso.

Ao alcançar o andar superior, logo ouviu a voz dela, que se tornava mais clara a cada passo que dava em direção à porta entreaberta, e sentiu seu coração palpitar de emoção ao simples som melodioso.

‘Ela deve estar ao telefone...’, pensou indeciso entre bater à porta imediatamente para se fazer notar ou quando ela desligasse. Enquanto se decidia, seus ouvidos, involuntariamente, concentraram-se na conversa e, por um instante, ele ficou perdido, sem conseguir entender o que ela dizia. ‘O que é isso?’, aproximou-se mais da entrada do quarto.

“Zài nǎlǐ...” – ela falava, fazia uma pausa e, então, repetia. – “Zài nǎlǐ...”.

Shaoran arregalou os olhos, ao entender o que ela dizia: ‘Onde fica...’ em mandarim.

“Zài nǎli yǒu chāoshì?” – ela falou, logo em seguida.

‘Onde fica o supermercado?’, o rapaz interpretou, abrindo lentamente a porta e encontrando Sakura sentada à escrivaninha com um fone de ouvido, concentrada em um livro.

“O supermercado fica à direita da floricultura.” – ela continuou. – “Onde fica a farmácia?” – ela disse em seguida com uma pausa em que fez algumas anotações no livro. – “A farmácia fica à esquerda da peixaria...”.

Mesmo sem conseguir descrever o que estava sentindo por descobrir que ela estava estudando sua língua materna, o coração de Shaoran parecia querer sair de seu peito. Qual o significado daquilo?

“Na verdade, a farmácia fica à esquerda da livraria...” – pronunciou, em chinês, encostado ao batente da porta, fazendo Sakura se voltar assustada na sua direção. – “Embora o supermercado realmente fique à direita da floricultura...” – ele abriu um sorriso de lado, vendo-a tirar os fones.

“Shaoran!... O quê...?” – levantou-se, encarando-o como quem acaba de acordar e sentindo o rosto esquentar, sem saber o que falar.

“Seu pai me deixou entrar...” – ele continuou falando em chinês, curioso em saber o quanto ela conhecia da língua. – “Há quanto tempo está estudando mandarim, Sakura?”.

Ela ficou pensativa por alguns instantes, parecendo formar mentalmente o que dizer.

“Ahm... Comecei a estudar nas férias...” – respondeu um pouco hesitante, franzindo as sobrancelhas. – “Mas ainda não sei muito coisas...” – mordeu o lábio inferior, encolhendo os ombros. – “Falei certo?” – quis saber ansiosamente, fazendo um sorriso se abrir nos lábios do rapaz.

“Teve um probleminha... ou dois...” – disse, entrando no quarto e recostando-se à escrivaninha enquanto Sakura voltava a se sentar.

“Ah... E eu queria tanto surpreender você falando com perfeição...” – murmurou, fechando o livro.

“Mas eu fiquei surpreso!” – ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. Por um momento, encarou-a intensamente, com um arrepio lhe percorrendo a espinha pela ideia que acabara de ter. – “Eu gostaria de dizer uma coisa, mas será que você vai entender?” – declarou em mandarim com um tom de desafio que a fez sorrir.

“Tente!” – ergueu levemente o queixo, pronta para qualquer coisa.

Wǒ wánquán fúhé nǐ de ài... – ele a viu franzir a sobrancelha pensativamente por alguns minutos mordendo o lábio inferior; a confiança que ela demonstrara inicialmente desapareceu. – “Você não entendeu...” – não foi uma pergunta e ela meneou a cabeça.

“Você disse que ‘está’ o quê...?” – ela indagou curiosamente.

“Eu disse que...” – pegou uma das mãos dela. – “Eu estou compl-...”.

“Ah! Espera, espera! Eu já sei!” – foi interrompido por ela antes que pudesse terminar, fazendo-o prender a respiração por um instante quase imperceptível. Será que ela entendera? – “Não me fale ainda, eu vou estudar mais até entender sozinha!” – declarou com um largo sorriso e um olhar de decisão.

“Mas...” – ele retorquiu, sendo calado por ela.

“Não, Shaoran... deixe-me descobrir, por favor!” – pediu, fazendo-o rolar os olhos e encarar o teto aborrecido.

‘Você deve estar de brincadeira comigo!’, ressentiu-se com qualquer que fosse a entidade responsável por aquelas interrupções. Respirou profundamente, acalmando-se.

“Com duas condições...” – ele falou e Sakura arregalou os olhos. – “Primeiro: vamos estabelecer um prazo...” – ela estranhou aquilo, mas concordou. – “Você terá uma semana para...”.

“É pouco tempo!” – ela choramingou erguendo uma sobrancelha. – “Duas semanas...” – exigiu, cruzando os braços.

“Sakura!” – reclamou, vendo a expressão obstinada que ela trazia. – “Está bem!” – disse contrariado, vendo-a pegar um calendário. – “Daqui a duas semanas, então...”.

“Ah... mas isso será o último dia da excursão...” – ela se lembrou.

“Duas semanas, nem um dia a mais!” – ele declarou, seriamente. Ela concordou e ergueu as mãos, desistindo de argumentar.

“E qual a outra condição?” – perguntou, vendo-o sorrir de lado.

“Vou ajudá-la a estudar e praticar daqui em diante...” – recebeu um olhar desconfiado.

“Não vale trapacear e me dizer a resposta antes da hora...” – ela o viu concordar. – “Promete?” – estendeu o dedo mindinho com suspeita.

“Prometo que não farei isso!” – engatou o dedo, selando a promessa.

“Ótimo!” – ela deu-se por satisfeita e o encarou com ternura. – “Como foi mesmo que você disse?” – perguntou, fazendo-o suspirar.

Wǒ wánquán fúhé nǐ de ài...” – repetiu sentindo um calor agradável tomar conta de seu peito. Mesmo que ela não entendesse, o fato de ele estar pronunciando aquelas palavras era tranquilizante.

“Talvez você tenha que repetir isso algumas vezes nos próximos dias...” – ela comentou, fazendo um pequeno sorriso surgir no rosto dele. – “E eu espero que não esqueça o que disse...”.

Shaoran voltou a segurar a mão dela, acariciando o rosto delicado, fazendo-a mergulhar em seus olhos.

“Eu nunca me esqueceria disso, Sakura...” – ele declarou notando que ela arregalava os olhos levemente. – “E posso repetir quantas vezes você quiser...” – viu-a engolir em seco e abrir a boca para falar algo, desistindo na última hora com um suspiro de frustração.

Os dois ouviram Fujitaka chamando do andar inferior e colocaram-se a caminho da cozinha. Durante toda a noite, Shaoran notou que ela o observava de maneira pensativa.

‘Agora é tarde para se arrepender...’, ele suspirou quando se despediram mais tarde. Se, ao menos, ela o tivesse deixado completar aquela tradução...

De qualquer forma, embora seu plano não tivesse funcionado, sua sorte agora estava lançada e tudo terminaria no último dia da excursão. De uma maneira ou de outra.

Continua...


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Notas finais do capítulo

N/A Aiya!
Como foi prometido, e graças à participação efetiva de vocês (doeu deixar review??), aqui está, no dia 12 de outubro, o capítulo 21 de SDNEE para seu deleite... (talvez não tanto assim...). É, eu sei que não respondi à grande questão lançada no final do capítulo 20: O que raios a Sakura tem?, mas se eu fizesse isso, seria sem graça, não concordam? Tudo bem se não concordarem... agora já foi... o capítulo já está publicado e não há o que eu possa fazer...
Tenho alguns anúncios para fazer então espero que estejam preparados, aqui vai:
1º Não darei um prazo exato para a postagem do capítulo 22. Apenas os deixarei de sobreaviso de que o publicarei até o dia 31 de dezembro, pois é meu objetivo terminar SDNEE neste ano;
2º Sim, é o que estão imaginando: o capítulo 22 será o capítulo final de SDNEE!! (Estamos nos aproximando do fim!! Enfim!!);
3º Eu, propositalmente, não colocarei a tradução para o que o Shaoran disse à Sakura nestas notas para que vocês só descubram isso junto com a Sakura, mas acho que vocês devam fazer uma ideia do que foi dito... XDD
Tendo dito isto, agora é o momento para fazerem comentários, solicitações, pedidos, sugestões... E já aviso que a quantidade de reviews influencia na vontade de escrever e na inspiração, também... a velocidade com que o capítulo é escrito é diretamente proporcional ao número de reviews recebidos, então... Deixem reviews!!!
Por mais que os autores sejam oniscientes dentro do mundo da fanfic que escrevem, eles não são capazes de ler as mentes de vocês... Só para constar...
Fico por aqui! Beijinhos,
Yoru. (12/10/2011, 00:00h. A vida é composta de um eterno recomeçar...).
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Espaço da Revisora (É com você, Rô!!):
Huhuhuhuhuh... ahahahahah...sinceramente n sei se dou risada (tá, estou rindo) ou se enforco a autora... Bru do mal... fala sério? Eu aqui, lendo rapidamente, para a Sakura me fazer isso??? Ninguém merece...
Em todo caso, eu ainda estou curiosa sobre o desmaio, o que me intriga e mete um pouco de medo... há algo aí, mas n sei dizer se é algo temerário, hoje até pensei que você vai matá-la no final... é sério!!!... vou ficar mais alguns meses ansiosa pelo término dessa fic.
A participação do Touya foi perfeita, eu amo esse Touya intrometido e ciumento, mas ele foi crianção... ehehehe... adorei.
Ao mesmo tempo que fiquei irritada, fiquei divertida com as vezes que o Syaoran tentou conversar com a Sakura e não conseguiu, e você fechou com chave de ouro, eu gostei do que foi feito no final, mas claro que eu queria tudo resolvido, mas se tivesse ficado mesmo resolvido, significaria fim da SDN... ah isso ficou tão dúbio... é aquela coisa de você querer ver o final e ao mesmo tempo não querer, por que vai ficar sem a história...
Espero que todos os leitores gostem do capítulo como eu gostei, e comentem, para os autores esse é o combustível para continuar escrevendo.
Beijos a todos e Feliz Dia das Crianças.