– Então, você quer dizer que sabia desse meu dom e que era minha irmã? – Indaguei franzindo o cenho, subindo algumas oitavas, perguntando-me por que eu era sempre a ultima a saber das coisas.

– Você só tirou isso da conversa que tivemos? – Violet arregalou os olhos parecendo não acreditar que eu não havia prestado atenção em nada da conversa.

– Claro que não! – Revirei os olhos e ergui os braços em defesa – Também ouvi que minha mãe... – Fiz uma pausa – Nossa mãe – Corrigi com mau gosto – Te jogou para adoção, você viveu “alone” – debochei – virou amiga daquela garota que morreu e, apesar do Maddox falar que meu inimigo invadiu a casa e roubou o diário, sendo que você está com ele em mãos agora, você não é minha inimiga. – Resumi fitando-a boquiaberta. Ainda estava difícil de raciocinar, pois os sedativos estavam no sangue, muito menos encaixar as peças.

– Eu consegui pega-lo de volta, mas ela esta vindo busca-lo. – Violet suspirou pesadamente, jogando o diário diante de meus pés, na cama. – Vá para 21 de Junho de 1995. – Pediu seria.

Sentir a capa de couro do diário e o cheiro das paginas mofadas e amareladas era reconfortante e, ao mesmo tempo, assustador. Tê-lo em mãos significava estar próxima do fim que me atormentou por dezessete anos. Por um momento, me perguntei se era o que eu realmente queria, porque ter uma vida normal, com certeza, eu não teria, não sabendo de tudo isso.

Folheei até a data que ela pediu, ficando bem próxima do final do diário, lembrando de já ter lido aquele trecho antes:

Junho, 21 de 1995

Maddox acredita que, pelo fato de Samuel, o mediador direto ter morrido prematuramente, o primeiro filho que nascesse de qualquer um dos descendentes de 1º grau de Sam seria o escolhido. Nem Olivia nem Miles tiveram outros filhos desde a morte do irmão, mas Joanne... Joanne teve duas garotas! Algo ainda está faltando, eu preciso reencontrar a primeira filha dela antes que algo de muito serio aconteça.

– O que você quer que eu tire disso? – Indaguei.

– É a prova de que minha história está certa, ok? – Ela estalou os dedos – Temos outra irmã, mas eu não lembro como ela é. – Suspirou decepcionada. – Nos separaram quando tínhamos cinco anos... Ela foi adotada.

– Você lembra o nome das pessoas? – Precisava de algo para começar uma possível investigação à procura da garota.

– Não. Minha memoria daquela época é vaga. – Violet se calou e eu vi que não deveria continuar pressionando, porque, de alguma maneira, isso a irritava mais do que o necessário. Algo que comprovei com o murro que ela deu no ferro da cama hospitalar.

Avancei mais algumas folhas a frente, relendo por cima outros trechos, como o dia das bruxas do ano 2000, o qual passei na casa de minha avó, morrendo de medo dos barulhos e coisas que ouvia.

Entre 2000 e 2002 existiam poucas paginas no máximo seis, se eu não tivesse pulado nenhuma, devido elas estarem mais grudadas que as demais, porém, só parei quando notei a ausência de duas paginas, rasgadas recentemente, pois a mancha de café, localizada no canto superior esquerdo, cheirava forte.

– O que estava escrito aqui? – Perguntei lendo algumas palavras, tentando formular a frase. – Ritual... Sangue... Lua cheia... Sacrifício... Transferência de poderes... dezessete ciclos... Redenção... – Sussurrava baixo com dificuldade. – Que merda é essa? – Indaguei lembrando dos rituais que via nos filmes de terror, era tão clichê e, ao mesmo tempo, tão pavoroso, porque eu tinha conhecimento que o mundo era mais do que conhecíamos, o que me fazia imaginar quais outros monstros existiam soltos por ai.

– Eu não sei... – Violet apoiou o queixo em sua mão esquerda, curvando-se sobre a cadeira, perdida em pensamentos.

– É serio ou você sabe, mas não quer me contar? – Perguntei levantando o olhar para ela, mirando seus cabelos loiros oleosos e sem corte, como se ela tivesse passado os últimos dias sem se preocupar em lava-lo, muito menos, penteá-los.

– Eu não sei. – Respondeu convicta. – Eu só sei que você precisa voltar para a campina. – Ela esfregou seu maxilar por alguns instantes – E eu vou com você.

– E como você vai me ajudar?

– Você realmente leu esse diário? – Bufou, fuzilando-me com seus olhos azuis menos claro que o normal.

– Li... – Respondi baixo.

– Samuel e Olivia tinham uma ligação por serem gêmeos, o que o mediador sentia refletia na irmã, em baixa intensidade. – Ela me fitou como se eu tivesse entendido seu raciocínio e, apesar de estar perto, ainda não havia compreendido. – Porra, Hayley! – Aumentou seu tom de voz, indignada – Se nossa irmã se aproximar o suficiente, você irá senti-la e poderemos mata-la! – Violet pareceu agitada com seu plano quase perfeito de me usar como uma bussola que, ao invés de apontar para o norte, me mandava direto para o inferno.

– Prende-la. – Corrigi baixo.

Não queria ter a necessidade de sujar minhas mãos com mais sangue do que eu já tinha e, mesmo após ela destruir minha vida, não queria me tornar o mesmo monstro e ser seu reflexo e, também, se eu tiver a chance de salva-la, porque não tentar?

Violet se manteve em silencio, rompendo-o apenas para retirar a intravenosa de meu braço, ocasionando um pequeno incomodo passageiro na região, e remover todas as outras parafernálias desnecessárias de mim.

– Eu posso voltar para a Matriz? – Indaguei para mim, porém Violet respondeu.

– Primeiro, não se sabe direito como voltar para a Matriz e o tempo é desigual entre os mundos, o que significa que lá você é mais velha, algo que poderia te duplicar e causar outro paradoxo ou você se apossaria do seu outro corpo, como duas consciências num mesmo receptor. – Ela estava paralisada falando aquelas coisas, encarando fixamente meus olhos de uma maneira assustadora, como se alguém comandasse seu corpo. – Não se assuste – Disse ao ver o pavor crescente em mim – Sou o Maddox.

– Você possui corpos agora? – Indaguei soltando uma forte lufada de ar.

– Apenas quando estritamente necessário. - Respondeu ainda inerte. – Seu mundo é esse agora, preocupe-se em sobreviver nele e não no outro que não lhe pertence mais, mas tome cuidado lá fora, pois essa jogada dificilmente voltará a acontecer e se você errar, todos estarão perdidos.

– Maddox, explica! – Pedi com urgência.

– Se você ama alguém, é a hora de provar.