O Filho Do Olimpo E A Faca Da Noite escrita por Castebulos Snape


Capítulo 1
Eu Apresento Um Garoto Nem Quase Normal


Notas iniciais do capítulo

certo, essa é minha primeira fic e eu estou tremendo! Nesse cap eu só vou apresentar o Jack e a vida antiga dele. Leiam, se gostarem comentem, se não, critiquem, que eu to feliz! Desculpem pelos erros de português que eu estou postando pelo celular.
Vamos lá!



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Meu nome? Era Jack Tenório Leal.

Minha vida? Se você estiver disposto a ouvir uma historia muito, muito estranha...

Durante muito tempo de minha vida achei que era um mero garoto normal, sem problemas com o mundo (Fato: o mundo tinha muitos e sérios problemas comigo). Bem, quase normal. Para falar a verdade nas definições básicas eu nem chegava perto. Um garoto fascinado por histórias antigas, símbolos e mitologia, mas um garoto nem quase normal.

Reparem bem: ERA. Depois da historia que vou contar aqui minha vida poderia ser chamada qualquer coisa, menos de normal. Antes disso tudo ela já não era exatamente um conto de fadas, mas era plausível, possível, admissível, presumível, cabível..., ível.

Vamos aos pontos básicos da historia. 

Querer ser um semideus; eu sempre quis. Na verdade eu pensei: já que não posso ser um deus serei uma coisa inferior, mas próxima dos deuses. Bem inferior aqui cá entre nós. Depois de um tempo descobri que era melhor ser semideus do que deus, mas isso não é assunto para agora.

Como toda criança com ilusões que se acha o básico do normal, eu tinha que me sentir extraordinário de algum jeito. Bem normal, não é? E toda criança tem heróis. Seja ele qual for todos precisamos de uma base moral e psicológica que não seja chata. Se quiser um exemplo de chato pense em seus amados professores. Eu tinha os meus heróis e odiava os heróis relacionados a eles. Estranho, não acha? Eu acho e amo.

Já tinha lido dezenas de livros sobre a mitologia grega (minha mitologia favorita de tantas que conhecia) e outras. Considerava-me até um especialista mirim no assunto.

Quando tinha poucos anos de vida minha mãe já lia a Teogonía de Hesíodo para eu dormir, me explicava sobre o físico e metafísico, contava o que significava cada mito e me mostrava tudo o que tinha aprendido com as viagens pelo mundo (Não era para eu ser normal de verdade, não é?).

Meus sonhos eram esplendidos, para mim pelo menos para o resto das pessoas (as normais de verdade) eles seriam pesadelos horríveis com monstros estranhos, pessoas correndo para eles, lutando e gritando. Era lindo.

Eu fantasiava com tudo aquilo, as minhas brincadeiras eram todas relacionadas aos deuses e monstros. Sempre imaginei que seria emocionante e divertido descobrir que os deuses, os monstros, os titãs e todos os outros eram reais. Como eu estava errado. Terrivelmente errado.

Sempre admirei vários deuses. Heróis não. Nunca gostei de heróis, eram orgulhosos, falsos, usavam quem tinham que usar para conseguir o que queriam... Mesmo que os semideuses fossem heróis, se eu fosse um herói não seria daquele jeito, seria mais humano do que deus. O que também podemos considerar outro grande erro.

Mas os deuses... Aí já é outra historia. Eles poderiam ser tudo que os heróis eram, mas eles eram deuses, tinham seus motivos e eram necessários era compreensível, para mim, eles serem tão insensíveis. Errado de novo! Quem diria?

Minha vida sempre foi relacionada à mitologia e teologia, afinal meu pai estudava as mais variadas religiões o mundo, atual e antigo, o que fazia com que viajasse freqüentemente para Roma, afinal, era especializado em ritos cristãos. E minha mãe era pesquisadora de religiões antigas, vivia viajando pelos países mais bonitos e espirituais do mundo, ela escrevia vários livros sobre as mais diversas mitologias.

Se você está com esperanças de que eu escreva aqui sobre esses lugares pode tirar o centaurinho da chuva. O lugar mais longe em que eu já fui foi a Bahia e eu tinha três anos. A única coisa que me lembro é que eu fiquei com medo de alguns orixás, mais tarde eu fiquei fascinado por eles. Triste.

Curiosamente meus pais começaram a se conhecer quando discutiram exatamente sobre a religião greco-romana, essa também era sua religião favorita. Então eles passaram horas discutindo sobre Perséfone e Ártemis (Não me pergunte onde eles encontraram relação nas historias das duas, por que não existe). E alguns anos depois dela aceitar conversar um pouco mais durante um jantar com ele, eles se casaram e me tiveram. Lindo, não? Adoro ver como Afrodite trabalhou bem nos dois, eles realmente combinam.

Meu nascimento não foi tão simples e Afrodite não cooperou com nada (poderia, mas não o fez). Minha mãe sempre dizia que fui um verdadeiro milagre de Ártemis, deusa dos nascimentos, porque ela teve um problema quando era pequena e depois esse problema a impedira de ter filhos e quando conseguiu, depois de anos de tentativas antes e depois de se casar eu quase morro estrangulado com o cordão umbilical. Meu pai diz que foi por realmente pouco. Grande comentário!

Aqui cá entre nós, de novo, não era para eu nascer. Alguém em algum lugar não queria que essa tragédia terrível acontecesse. Mas aconteceu. Alguns diriam por sorte, eu nunca tive tanta certeza sobre essa parte da historia.

Quando eu tinha seis anos minha mãe publicou um livro sobre a mitologia nórdica (Odin, Thor, o martelo dos raios, etc.), isso era ótimo porque meu pai e eu estávamos vivendo maus bocados com seu mal-humor, quando ela perdia a noção da hora gritava e xingava a si mesma. Não era lá uma coisa divertida de se ver.

Mesmo assim a época que passava escrevendo era boa, na maior parte do tempo ela ficava em casa e eu poderia prestar atenção no seu modo de agir e matar a saudade que tinha acumulado no tempo que passou fora.

Mas foi ruim. Muito ruim

Todos que escrevem têm fãs, isso é obvio e é bom para as vendas dos livros, mas os fãs obcecados pelo escritor eram perigosos e ainda são até hoje.

Minha mãe já tinha escrito vários livros sobre religião antiga e tinha muitos fãs, a maioria professores de historia antiga inofensivos, ou solteironas que não tem nada para fazer com sua aposentadoria (Nada contra acho super saudável, é o futuro de todo mundo mesmo, não há como criticar), menos um cara.

Não me lembro muito bem dele, não prestei muita atenção, mas lembro o que ele fez e muito bem. Eu ainda era uma criança e estava no maternal, me lembro que meus pais não tinham me dito nada sobre um amigo ir me pegar na creche, mas a moça que cuidava de nós disse que era o que estava acontecendo. Não discuti, porque discutiria? Eu nem tinha como discutir para eles eu devia ser só mais uma criança.

Lembro que ele me deu um refri, que eu tomei muito animado, depois que me colocou em uma cadeirinha muito confortável no carro, não me importei, eu era uma criança e aquilo era bom. Depois disso as coisas ficam confusas e eu apaguei. Ele tinha me dopado.

Nota educativa: não aceite coisas de estranhos, principalmente coisas de comer. Gaste seu próprio dinheiro ou economize para a faculdade. Faça bem para o mundo, para seus pais e para se mesmo.

Quando acordei, ele sorria para mim no canto de uma sala. O lugar era escuro e meio borrado, ele estava sentado lá rindo sonhador como se eu fosse a coisa mais linda do mundo. Acho que eu estava amarado lembro-me de não poder me mexer.

Ele murmurava coisa como “É parecido com a mãe, mas também com o pai.” Ele não parecia muito feliz como isso. “Ela vai gostar do que eu vou fazer, vai sim!” Então ele me olhou com interesse e pego um arminha preta, naquela época associei a uma arma pequena, mas na verdade era uma daquelas maquininhas de fazer tatuagens.

Ele fez quatros tatuagens em minha mão esquerda: o jara, símbolo nórdico que representava a justiça (dois bumerangues, um virado para o outro); a letra grega delta (um triângulo com uma das laterais mais escura que as outras); a versão moderna do Olho de Hórus (um R com um traço em uma das linhas de baixo. O símbolo farmacêutico); o cicoponto (literalmente um circulo com um ponto no meio) e, é claro, a, que todos já conhecem, Estrela de Salomão (ou de Davi, gosto do clássico: Salomão).

Qual a relação entre elas? Eu não sei. Não parei para perguntar, sabe? E também nunca parei para pensar nisso, não vale à pena.         

Tudo que me lembro é que realmente doeu. Se você já fez uma tatuagem na mão ou em qualquer outro lugar, sabe do que eu estou falando. Eu tinha seis anos, estava chorando, com medo e queria minha mãe.

Quando acordei estava em casa e ela estava comigo no colo chorando, desesperada. Bem hoje eu sou pai e, se alguém fizesse aquilo com um dos meus bebes eu matava, na hora, nem duvide.

Algumas semanas depois ela anunciou para mim e para meu pai que não faria mais livros, eu não agüentei, gritei que assim ela não ficaria em casa e eu quase não a veria, era verdade então ela não parou de escrever.

 As tatuagens ainda estão aqui, estão meio desbotadas, daqui a pouco vou ter que retocá-las novamente, mas duvido que eu consiga me livrar delas algum dia. Também não quero, é pra isso que as cicatrizes servem: lembretes, como se nossa historia estivesse escrita em nossa pele, nunca se deve ter vergonha ou se arrepender de sua própria historia, porque, no final, é a única coisa que nos resta.

Poxa, essa foi profunda.

Podemos mudar o assunto? Vamos para um tão trágico quanto: eu. Poxa, essa é minha historia é claro que sou eu.

Com doze anos eu era um quase nerd, mais ou menos na verdade, acho nem quase eu era (nem quase nerd, nem quase normal, nem quase útil, nem quase humano. Acho que inteiramente só estranho mesmo). Estava mais para interessado do que para um CDF. E eu só era interessado em coisas legais, ou seja, em muita pouca coisa.

Tinha ficado para recuperação no fim do ano (em uma matéria, por dois décimos); tinha notas medianas, no conceito da minha mãe, ou seja, notas acima de oito; os professores não gostavam de mim, por motivos que também não deviam gostar de pessoas descontraídas, alegres, com opinião própria e que não tinha interesse algum sobre matérias que ensinaram.

Vamos só dizer que nem quase normal não é bem a definição certa sobre o que eu era, nem comum. Minha mãe dizia que eu não era anormal, eu era... único, de maneira estranha. Eu ficava pensando por trás: Põe estranha nisso.

De acordo com alguns colegas de escola: problemático. Doentio, de vez em quando. Esquisito. Fora do normal. Uma vez ou outra: obcecado. Maluco, talvez. Para uns que eram como eu: interessante. Esses são os apelidos bons os maus eram: ateu, marginal, criminoso, indisciplinado, incorrigível, fixado, delinqüente... Se eles quisessem ser gentis eu era: mentalmente perturbado por que minha mãe foi pouco presente na pré-infância (se querem saber ouvi isso da minha diretora e a psicóloga do colégio por anos a fio).

O que é pré-infância?

Com os anos aprendi a não ligar para as opiniões e com as criticas de quem não importava. E acredite em mim muitas pessoas nunca importaram.

Eu passava meus dias acadêmicos contando antigas histórias gregas e de outras religiões para os outros alunos (e era muita gente que perdia tempo me ouvindo falar besteira). Eles sempre queriam saber mais e que eu repetisse uma historia. Sempre, é claro, dando minha opinião direta. Dizendo o porquê de não gostar de Hera e admirar Ártemis, por exemplo, ou porque eu não gostava de heróis. Esse último foi tão repetido que as pessoas respondiam por mim em coro quando alguém perguntava.

Todos me conheciam na escola (falando e ouvindo bem ou mal). A maioria das pessoas só gostava de mim porque eu era engaçado. Poucos me odiavam, não sei bem por que, a maioria me achava mais ou menos. O resto gostava de mim das minhas historias. Minhas não, mas eles sempre diziam: Conte mais uma de suas histórias!

A maioria dos meus problemas saiu da minha mania de mostrar que eu estava certo e que e sabia das coisas mais variadas e eu sabia. De vez em quando eu lembrava uma coisa completamente fora do contesto e soltava. Tipo:

– Vocês sabiam que em Valhalah os guerreiros só comem carne de um javali e esse ressuscita depois de cada refeição? 

É. Bizarro, eu sei. O assunto, o momento, o javali, a parte que depois de comido ele volta à vida... Sempre tive bastante duvida nesse caso, afinal, como? É estranho por que ele foi comido... Vamos pular essa parte? Ótimo. Eu falei isso no meio da aula de gramática e bem alto. Nós estávamos falando de verbos, eu acho, ou era de substantivo? Bem acho que não importa muito, não é? Tipo, eu falei sobre um javali morto-vivo no meio da aula é obvio que eu não estava prestando atenção.

Todos me olharam como se eu tivesse acabado de enlouquecer de vez (eu não tinha, não de vez), depois assentiram e murmuraram sobre aquilo. Era interessante. Lá no fundo, mais do que verbos ou substantivos com certeza.

O professor ficou sem saber o que fazer e disse que era muito interessante e que talvez a diretora quisesse ouvir. Ela achou uma crueldade descomunal com os animais, fui obrigado a concordar, mas acho que depois de tanto tempo sento morto e comido o javali já se acostumou, ou não, nunca perguntei também.

Lembro-me da minha primeira confusão exatamente por causa das historias e da minha mania de mostrar conhecimento. Eu estava no meio do recreio, tinha nove anos e acabara começar a contar a historia de Urano e Gaia para meus amigos e pessoas ali presentes. Tinha acabado de dizer que eles tiveram três filhos de cem braços e cinqüenta cabeças quando o professor de geografia (nos começamos a chamá-lo de o Linha de Partida, porque ele começou aquilo tudo) se intrometeu:

– O que você espera contando essas historias pagãs para os outros alunos, garoto? Uma mãe se casando com o próprio filho? Deusa da terra? Deus do céu? Caos? Que blasfêmia! Isso é um demasiado insulto e deve ser punido com severidade. Aonde foi parar o senso construtivo dos pais de hoje em dia? Isso foge completamente as normas dessa escola.

Eu pensei: Ele me xingou de que exatamente?

Nem me pergunte. Você é o inteligente aqui dentro, lembra?, disse a voz na minha cabeça.

Então, vamos esclarecer uma coisinha irritante, e põe irritante nisso. Você deve estar de perguntando: Por que eu estou lendo o livro de um esquizofrênico?

Você não esta. Pelo menos eu acho que não. Espero que não. Tomara que não. Acontece que quando eu comecei a repassar todas essas historias na minha cabeça sempre me esquecia de alguma coisa e essa voz me corrigia. No começo eu fiquei nervo e tal, já tinha lido sobre doenças mentais, mas descobri que na maior parte do tempo, ele (era uma voz masculina) era amigável e não me xingava de idiota o tempo todo. E é bem útil.  Cheguei até a batizá-lo de “Vox”. Nem um pouco criativo, eu sei, mas eu tinha seis anos e achei o máximo na época. Ele também, outro idiota, pior do que eu.

Comecei a coçar o rosto com as unhas dos três dedos principais. Não porque estava coçando, é claro, tudo na minha vida era complexo naquela época, ainda é, mas não importa, bem importa claro é minha vida, mas nada haver. É que quando eu tinha quatro anos não lembro quem foi o espírito de porco que me disse que se eu tirasse a pele mais externa do rosto nasceria barba. É claro que não aconteceu, mas, depois de passar dias arranhando meu rosto, o vicio ficou. Eu já fazia quase sem perceber. 

– É uma historia grega antiga. Ênfase em historia – os risinhos atrás de mim me fizeram continuar – Mais ênfase ainda em antiga! Ela é pagã? Não sabia que histórias antigas podiam ser batizadas – as pessoas a minha volta riram mais ainda – Nossa agora me sinto, realmente, culpado. Se as historias antigas podem ser batizadas, por que eu não fui? Que normas? Não sabia que essa escola tinha normas – mais risos – Em todas as religiões o inicio de tudo era o Caos! – todos ficaram quietos e me escutaram com atenção – Antes de Deus criar tudo que conhecemos era Caos! E... que diabos é demasiado, senso construtivo e blasfêmia?

Ele me olhou irritado, com a cara vermelha de ódio (provavelmente sabia que eu sabia o que era blasfêmia), me agarrou pelo braço e uma hora depois eu estava assistindo minha mãe, que voltara de Roma duas semanas antes, e minha adorável diretora, Rosário Martins, discutindo sobre o que é ou não tolerável numa escola seria e respeitada.

Foi estranho.

É importante ressaltar que minha mãe só tinha chegado há dez minutos, antes disso eu já tinha recebido um belo sermão sobre indecência e perversidade. Acho que se minha melhor amiga Amanda não tivesse dado um jeito de ligar para minha mãe eu teria ficado na diretoria por tempo indeterminado. 

A diretora disse para minha mãe pela primeira vez o que repetiria por anos:

Esse menino sabe de coisas demais, é jovem demais para saber coisas que vão alem a seu conhecimento acadêmico e religioso. Ele não sabe o perigo dessas divergências com o que ensinamos. Pode confundir os outros alunos. É muito diferente do que ensinamos. Mostras coisas erradas com naturalidade e eles vão achar comum.

“Uma mãe se casando com um filho? Ele me comentou que um irmão tendo um caso com a esposa do outro. Um pai que devorava os filhos para não perder poder? E pior: o pai de todos os deuses é casado com a própria irmã e tem dezenas de amantes e filhos! É imoral!”

Minha mãe me olhou como se perguntasse: “Isso é coisa para se contar a ela?” Depois ela negou com a cabeça: “Por que Zeus e Hera? Por que Ares, Afrodite e Hefesto? E por que Cronos?!” Ela semi-serrou os olhos: “E que mãe se casou com o filho? Ah, é! Gaia e Urano”.

Como se eles fossem os únicos a fazer isso! Eu tenho uma lista dos que se uniram a filhos e meus primeiros nomes não são Gaia e Urano.

Enquanto isso Martins continuava seu discurso com sua voz irritante:

É sua escolha contar a ele essas coisas que podem tirá-lo do bom caminho, mas não tolero que espalhe isso para as outras crianças. Ele é um risco!

Eu me encolhi imaginando: Risco a quê, meu Deus? O que é que eu estou fazendo de errado para essa mulher me odiar tanto?

Ela é maluca, disse Vox remoendo sua raiva, Avance, vamos dar a resposta que ela merece. Do jeito que as coisas estão indo e pela cara da mamãe, ela até ia gostar.

Ai, cale a boca, Vox.

Ué, por quê?

Por quê? Porque eu gosto daqui, pombas! Porque eu tenho amigos aqui, porque não quero ir embora. Porque, se eu falar alguma coisa, vou ser expulso.

Ah! Que comovente. De onde foi que quem você tirou “pombas”? Isso muito velho.

Na minha esquerda uma voz abafada perguntou: Que foi que ela disse? Olhei para o lado onde, pelo vidro da porta, a escola inteira assistia a aquele show de horrores. Arregalei os olhos e senti meu coração acelerar, foi-se sociedade normal para mim.

Uma menina dois anos mais velha que eu acenou e fez sinais positivos com os polegares me incentivando. Soltei um meio sorriso, imitei o gesto e voltei a encarar de boca aberta a diretora. 

Minha mãe, xingando de vez em quando em italiano, respondeu:

Meu filho tem todo o direito de mostrar seu conhecimento a amigos e a quem quer que ouça. Ele tem esse direito, e você não pode criticá-lo por isso sua ... – arregalei os olhos para ela traduzindo o xingamento com o pouco de italiano que conhecia, mas ela nem me deu bola.

“Meu marido e eu ensinamos para ele o que esta escola nunca ensinaria, porque tem medo. E ele sabe sim o significado dessas coisas ...

Droga, pensei, mamãe esta ensinando possíveis xingamentos ao inimigo.

Hã? Cochilei. Temos um inimigo? Onde? Por quê? Quando? Quem?

Você é inútil.

Não sou!

Cale a boca.

Não calo!

Eu imploro!

De joelhos? Menos que isso eu não aceito.

Por favor, eu posso ouvir enquanto meu destino é discutido?

Vamos lá!

– E, se seus alunos não sabem separar realidade de fantasia, se não conseguem ver os ensinamentos por trás desses contos, se não sabem que é uma religião morta, vocês certamente estão fazendo alguma coisa errada com essas crianças, se eu soubesse o nível dessa escola já tinha tirado o meu filho daqui a muito tempo.

Fiquei ereto na cadeira e lhe lancei um olhar de: “Por favor, mamãe, não lhe dê idéias.” Fui vergonhosamente ignorado.

A diretora não conseguiu conter sua alegria de pensar em uma coisa dessas e abriu o maior sorriso de escárnio que já vi. Pude ouvi risadinhas enquanto os professores tiravam todos da porta. Os olhos da minha mãe se estreitaram, ela encheu o peito de ar e a voz de ódio.

– Ele sabe muito mais sobre religião do que você e a maioria de seus professores juntos. Não me venha com o metafísico que nós humanos nunca vamos entender. ... O que o leva ao mau caminho como diz é o seu modo de agir que o tira a confiança. Ele sabe das coisas e é inteligente... 

Bem... Vamos só dizer que depois do maior discurso que eu já ouvi em toda minha vida (vinte minutos ao todo) e alguns xingamentos nas línguas mais diversas do mundo atual e antigo, minha diretora só deu bom-dia e me mandou de volta para a aula.

Eu obedeci muito feliz.

Putz, disse Vox quando sai da sala coçando de leve o rosto, Nunca vi a mamãe xingar tanto. Que cê acha que vai acontecer, agora?

Eu respondi que ficaria tudo bem, passaria, que ela logo se cansaria de mim e voltaria a me ignorar, mas depois daquele dia nada estava bem e demoraria anos até a diretora desistir de me odiar. Pelo menos até cinco anos depois que eu saí da escola dela. Acho que o trauma da humilhação que ela dizia ter passado ficaria até hoje, se ela estivesse viva.

Eu fingia que não ligava para esse pacifico confronto no começo, e contava tudo que sabia sobre os gregos, nórdicos e egípcios para que quisesse ouvir. E os professores não podiam fazer nada comigo (e essa era a parte mais divertida) só podiam olhar pra mim irritados e, é claro, me ridicularizar na sala de aula onde eu não podia fazer nada para impedi-los (parte assustadora).

Tudo que eu podia fazer era rir sarcasticamente para eles enquanto me olhavam com ódio por que achavam que não tinham me atingido.

 Acredite quando se tem nove anos e no lugar em que você devia confiar nas pessoas, essas pessoas pisam em você e tentam ao máximo te humilhar... É. Eles me tinham atingido. Varias vezes, para falar a verdade, e exatamente no ponto. Eu tentava deixar para lá, mas eu não conseguia parar de pensar naquilo era como se começasse a se tornar realidade.

Felizmente eu tinha amigos. Sei que parece idiotice dizer uma coisa assim, isso já está bastante batido hoje em dia, mas é a mais pura verdade. Por andarem comigo e serem meus amigos, eles passavam pelas mesmas coisas que eu só que não tinha a mesma atenção dos professores e de Martins. Então eles me entendiam.

Com eles aprendi minha máxima: Ignore regras e conceitos desnecessários. Porque são inúteis, ou seja, não vão ajudar em nada, e se não ajuda, atrapalha. Acredite, eu já tinha problemas de mais na minha vida.

Minha vida era um problema.

A diretora me chamava para visitas semanais à sua sala (as quais minha mãe também sempre fazia quando eu contava sobre essas visitas) para discutimos meu comportamento em sala que não era tão..., não eu tenho que falar a verdade, eu era horrível em todos os sentidos, um pesadelo par professores normais: eu não parava de conversar, ficava rindo no fundo, de vez enquanto respondia com sarcasmo para fazer a sala rir e não parava um segundo ficando em modo de defesa.

Depois de um tempo parei com o sarcasmo já que era uma ótima desculpa para me mandar para a diretoria o que era tão ruim quanto ficar em sala, e na sala eu podia conversar, pelo menos, com gente que eu gosta.

Ainda sim eu respondia as perguntas corretamente (as de verdade, relacionadas ao conteúdo estudado) e tirava boas notas, deixando os professores furiosos, nunca fui um aluno exemplar para falar a verdade, mas não era assim tão ruim.

Quando eu ficava em sua sala, Martins me dizia que tudo era culpa das historias, que eram má influência e que suas mensagens subliminares maldosas me faziam agir daquele jeito e que ela sabia que eu queria ser um bom garoto que respeita as regras da sociedade (eu negava com a cabeça enquanto ela falava sorrindo um pouco).

Na maior parte das vezes, ela tentava fazer acordos comigo para o bem da classe, dos meus amigos, dos meus pais, da nossa amada escola, e para meu próprio bem.

Dizia que essa historia tinham morrido, deviam ser enterradas e esquecidas por todos. Chegava até a me ensinar como enterrá-las. O ritual constava em, literalmente, enterrar todos os livros da minha casa, meus e dos meus pais bem longe da casa (“Eu sei que seus pais te amam, e te ouviriam, tenho certeza”). E falava que eu devia persuadir meus pais a mudarem de emprego.

Acho que meu eterno: “Não, desculpe professora não posso. E não quero. São mitologias lindas que mereces admiradores e pessoas que ainda a conheçam” a deixava irritada, porque sempre me fazia voltar lá.

De vez em quando ela estava com a calda de pavão levantada e pedia para que eu voltasse mais tarde. O mais tarde era um código para: “Quando eu puder te humilhar na frente dos outros”. Quando eu voltava, ela fazia um discurso já batido para os professores sobre o perigo que um aluno como eu representava para eles, para os outros alunos e para a nossa sociedade evoluída e civilizada como um todo!

Todos os professores usavam isso como motivo de me interrogar quando eu saia de sala, com ou sem autorização (sem era mais freqüente. Se você soubesse como é entediante ficar em uma sala de aula quando não é seu dia...). E exatamente por isso me mandavam buscar coisas na sala dos professores para que eu ouvisse o cochicho de seus colegas: Rebelde. Ateu. Marginal. E algumas outras coisinhas muito piores que não posso escrever aqui.

Mesmo assim eu não sairia daquela escola nem que me expulsassem. Você deve estar pensando: O que esse cara é; sado-masoquista? Não. Eu acho que não pelo menos. Só tinha pessoas demais me prendendo ali, amigos demais, coisas boas demais, mais que as coisas ruins. Tentava sempre ignorava e pensava nos deuses que admirava.

Por toda minha vida admirei a inteligência, lealdade, fidelidade e habilidade (Rimou! Pelo menos as três últimas). Com esses conceitos fiz uma lista em ordem de admiração dos deuses gregos (dividido por sexo. Não pude me decidir entre Atena e Hades):

Mulheres:                                 Homens:

Atena                                    Hades

Ártemis                                 Hefesto

Hestia                                    Apolo

Afrodite                                 Zeus

Deméter                                 Poseidon

Hera                                       Dionísio

                                                Hermes

                                                 Ares

Essa lista ficava sempre na carteira e esta no bolso da minha calça jeans preta favorita, com a qual eu ia para escola, para dar sorte ou coisa do gênero. Na verdade eu me sentia perto de um porto seguro talvez.

Só para constar eu odiava Ares, ele é orgulhoso, cruel e tudo de ruim que a guerra pode ser. E eu já tinha visto filmes de guerra e documentários o suficiente para não gostar nem um pouco disso.

E é isso que chamo de ironia!

Contra Hera não tenho nada. Ela só é meio neurótica e muito, muito vingativa e malvada. Mas gosto dela, tinha seus motivos. Também; com um marido daqueles e sendo a deusa do casamento e da maternidade... Até eu piraria, mais do que já tinha pirado.

Todos da escola passaram a me respeitar algumas semanas depois do primeiro incidente com Martins (foram tatos!) porque diziam que eu estava em guerra contra as regras e normas pré-estabelecidas. Meus pais também estimulavam isso então realmente entrei na guerra.

Meus amigos e eu começamos a armar planos para humilhar e contra-atacar Martins. Todos na escola sabiam que éramos nós os culpados, mas não faziam nada para nos impedir ou fazer com que fossemos expulsos.

Algumas pessoas até nos ajudavam, ficando de vigília e dando relatórios sobre o alvo que sempre era um dos professores. Vamos só dizer que sem essas abençoadas pessoas nenhum dos meus planos malucos teriam dado certo. Porque uma coisa era ver um aluno na esquina de alguma sala, outra, muito diferente, era ver um dos membros da minha, como o corpo docente chamava, gangue, parados à espreita.    

Mudando completamente de assunto (esse já esta me deixando enjoado), muita gente ficava querendo saber de que deus poderia ser filho eu era bastante bom em interpretar pessoas de acordo com sua personalidade. Mas acho que só uma vez me perguntaram: Se você fosse filho de algum deus; de qual seria?

– Bem – eu respondi –, nunca pensei nisso, na verdade. Não sou inteligente ou habilidoso o bastante para Atena ou Hefesto, não sou forte nem fiel para Ares ou Hera, não sou bonito para Afrodite ou Apolo – muitas das garotas discordaram, só para constar –, não gosto do cultivo de nada para Dionísio ou Deméter... No resumo: nenhum dos doze principais. Acho que, já que gosto da morte e admiro todas as coisas relacionadas a ela, seria Hades ou Tânatos.   

Daí em diante todos, até os professores, me chamavam de Filho de Hades ou Senhorzinho dos Mortos ou Morto-Vivo o ou, o favorito dos professores, Tal Pai Tal Filho (TPTF). Minhas melhores amigas Amanda e Gabriela me chamavam de Submundano. Carinhoso, não acham? Muito carinhoso.

Se não reparam ainda, mesmo eu querendo tanto ser um semideus não poderia, afinal tinha dois pais mortais. Não que eu esteja reclamando meus pais são as pessoas que mais amo e não os trocaria por nada. Principalmente por um bando de deuses empoeirados.

Só uma coisa não encaixava nos pré-requisitos para ser fisicamente normal: o meu cabelo. 

Nossa!, você deve pensar, Grande porcaria! Acredite era muito triste e estranho.

Tudo eu mim “encaixava” eu era moreno e alto como minha família por parte pai: Viktor Hugo. Tinha o jeito dele. E eu tinha o rosto de minha mãe: Eduarda. Sem contar que era parecido com meus meios-irmãos por parte de pai e meu avo por parte de mãe, o que deu origem ao meu nome.

Minha família por parte de mãe é toda loira, porque são descendentes de ingleses (diretos para falar a verdade meu bisavô veio de lá com meu avô recém nascido). A do meu pai é morena por ser aparentada com índios e tinham um pouquinho de alemães.

No geral meu cabelo não era tão estranho: ruivo bem escuro quase castanho, a parte estranha era que, alem dos meus parentes não terem esse tipo de cabelo, todo ele tinha mexas brancas.

Como, eu me perguntava, um garoto pode nascer com tufos de cabelos brancos?

Pelo menos é charmoso, dizia Vox, Nos dá um ar misterioso e sobrenatural. Atrai garotas.

Idiota! Cale a boca! E o que você quer com garotas?

Ele não me respondeu.

Meus médicos diziam que poderia ser uma disfunção genética nas células e bla-bla-bla...

Pra falar a verdade isso não me importava muito, era até um pouco legal. Meus amigos não ligavam, eu não ligava, minha família não ligava, tudo muito bem para mim! Mesmo que eu tivesse que explicar pra todo mundo: Não, eu não pintei o meu cabelo. Por que eu faria isso?

Não era um mundo perfeito (nem um pouquinho), mas era meu mundo imperfeito, não é mesmo? Onde eu tinha minha família, minha casa, meus amigos, inimigos de estimação e a vida que qualquer um poderia querer. Afinal, o lado bom era que não podia piorar e ficar mais estranho. É, mas isso aconteceu, não é? Bela e triste ironia, digo eu.

Na verdade tudo que precisam saber desse capitulo grande demais (está me incomodando. Divido-o em dois?) é que foi assim por anos a fio. O que você também precisa saber é que isso tudo aconteceu há muitos anos, quando eu ainda era jovem, nos anos de 1980. Hoje eu ainda moro no mesmo lugar e tenho 40 anos (não fico feliz em escrever isso), estava me lembrando da história e resolvi escrevê-la (sem contar que um pirralho idiota ficou me aporrinhando para que eu escrevesse minha história só por que ele começou a escrever a dele, mas eu terei minha doce vingança, pode apostar nisso).

Passei por um tempo conturbado a pouco e as coisas estão com cara de que vão piorar de novo, mas ai já é outra historia muito, muito diferente. Pelo menos tivemos algumas semanas de paz, o que é bom e raro a um tempinho. Pelo menos poderei ver essa nova historia de outra perspectiva.

Mas isso é outra coisa que não importa agora

Então..., isso está ficando constrangedor. Vamos parar de falar sobre o que eu era e da parte da minha vida que não interessa nem um pouco e ir direto ao assunto, por favor?

 Aliás, é um prazer te conhecer, meu prezado leitor. Essa é, basicamente, a história dessa coisa estranha e perigosa que eu fui obrigado a chamar de vida. Espero que se divirta muito, e acredite, eu não me diverti tanto assim vivendo todo isso. Só algumas partes.

Pensando bem não foi tão ruim assim.


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Notas finais do capítulo

no próximo cap, se é que alguém vai ler esse, vai ter mais ação e morte! Sei que é meio cedo para isso, mas foi minha cabeça maluca que mandou (e eu não nego nada a ela). Comentem, por favor, nem que seja só um: oi, desista, amiga, você não tem nenhum talento! e tenham em mente que isso foi só a introdução, pode não ter sido pequena, mas foi.



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