Entorpecidos

Seus olhos eram como o dourado do reluzir de uma moeda. Seu nariz era grande e aquilino com uma pequena protuberancia. Seus lábios meio grossos. O cabelo castanho, encaracolado, despenteado. Os olhos entreabertos, apenas um lado de sua boca curvada maliciosamente, o cigarro pendurando deixando-nos entrever a brecha entre seus dois dentes superiores. Tudo nele emitia um certo ar intimidador, cafajeste.

Tento não encarar enquanto passo a sua frente, meus amigos conversam, balanço a cabeça quando olham em minha direção, fingindo, o minimo que seja, estar escutando, enquanto os cantos de meus olhos continuam a se voltar ao estranho garoto que ainda está na mesma posição. Sinto um empurrãozinho em meu ombro e meus olhos se voltam para os de Anabel que me encara com uma sobrancelha erguida. Ela me conhece bem demais para não notar a causa da distração. Apenas rolo os olhos e finjo desinteresse, não sou de falar abertamente sobre este tipo de coisa, confiança é algo que me falta.

Vamos para a parte mais calma do bar e nos sentamos. Meu apetite partiu para algum lugar distante e inalcançável, assim como meu dinheiro e atenção. O garçom chega, peço apenas um coca e começo a observar o lugar enquanto os outros fazem seus respectivos pedidos.

Era um local bonito, tinha seu estilo próprio, dava para ver porque estava sempre lotado de jovens. Meio retro, aconchegante. Do lado oposto, uma junkiebox tocava os grandes sucessos de um cantor já há muito falecido. Tudo era muito escuro, barulhento, um mar de distrações para quem assim deseja. Olho pela janela ao lado de nossa mesa, já anoiteceu, não há nenhuma estrela, tudo que posso enxergar são nuvens cinzas e desbotadas, carregadas com o que talvez seja chuva. Talvez não tenha sido uma boa escolha sair hoje a noite.

O garçom volta, talvez rápido demais, por quanto tempo fiquei neste estado hipnótico?

Fico bebericando minha coca quando volto a pensar no estranho do começo, quase completamente esquecido em meio a outros pensamentos. Levanto os olhos em sua direção, mas como esperado, não há mais ninguém no local antes ocupado. Uma pena. Era uma vista interessante.

Volto a atenção para meus amigos, estamos em um pequeno grupo, apenas cinco de tantos que ainda iremos encontrar. Anabel já prepara a camera para guardar os preciosos momentos da noite, começando, aparentemente, agora.

Sou momentaneamente cega pela luz do flash.

– Ouch! - murmuro enquanto a escuridão volta ao normal. Muito melhor.

– Pelo menos assim você fala alguma coisa.

Como se "ouch" valesse muito. Sinceramente, não falo muito, se não tenho nada de interessante a dizer por que então abrir a boca? É assim que penso, é assim que sou. Acabam por pensar que sou arrogante e me acho melhor que todos, mas esse é simplesmente meu jeito, gosto de ficar na minha, gosto de observar, rir das piadas e brincadeiras dos outros.

Mais gente começa a chegar em nossa mesa e estamos quase a ponto de sair. O clima melhorou. A bebida chegou. Já me sinto quente e acomodada. Feliz. Risonha. Tonta.

Levantamos todos e saimos em busca de algum lugar ao ar livre para passar o tempo. A praça parece uma boa opção e talvez estejamos indo em sua direção, não tenho mais certeza de nada. Procuro estabilidade em uma amiga e ela faz o mesmo em mim, juntas, uma escorando na outra, vamos seguindo todo mundo, dividindo o liquido de um pequeno copo.

Sentamos em um grande círculo quando chegamos a praça escolhida. Conversamos. As garrafas de conteúdo duvidoso passando de mão em mão. Bebo um gole e passo para a pessoa ao meu lado. Jogo minha cabeça para trás, olhos fechados, sentindo a brisa refrescar meu corpo agora quente.

Levanto. Ninguém parece notar. O mundo ao redor gira. Meus olhos mal conseguem se manter completamente abertos, meu corpo formiga e tenho que tomar cuidado com meus passos para não cair. Mantenho os braços abertos em busca de equilíbrio. Começo a rir, não consigo parar. Tudo é perfeito. Momentos como esse são falsos, apenas efeitos causados pelo consumo excessivo de álcool, algo que pessoas que necessitam sentir alguma coisa procuram e algo pelo qual aqueles que querem esquecer e parar todo seu sofrimento interior também agradecem. Claro, tem aqueles que também só querem um pouco de diversão. Não sei em qual dos grupos me encaixo melhor. Dúvidas e indecisões são certamente uma parte normal de mim. Vejo a Lua no céu, talvez não chova apesar de tudo.

Caminho novamente em direção ao grupo. Deito a cabeça no colo de alguém, levanto os olhos para ver o rosto. Seus olhos estão vermelhos, entreabertos, ambos os cantos de sua boca levantados. Acho que gosto dele, nunca soube dizer ao certo.

– Melinda? - pergunta olhando pra baixo.

– Hmm - murmuro me acomodando melhor em seu colo - O que foi?

Ele apenas balança a cabeça e volta o olhar para o céu.

As nuvens finalmente saíram e todo o breu está agora coberto por variadas estrelas. Sento novamente e me encosto em seu ombro.

– Adoro isso - começo, olhando para cima - é tudo tão lindo, inalcansável. Te faz notar o quão pequeno você é e o quão pouco você sabe. Imagine tudo o que elas já viram de lá.

– Quem? - me pergunta com um olhar confuso.

– As estrelas, ora - digo como se fosse algo óbvio - Imagine se elas pudessem falar, a quantidade de histórias que saberiam...

Passa seu braço ao redor do meu ombro e me olha pensativo.

– Você deveria falar mais, seus pensamentos são interessantes e curiosos - me olha sério enquanto fala.

Dou apenas uma risada e volto meu olhar para as estrelas. Seu braço desce para minha cintura e me puxa para mais perto. Pelo canto do olho o vejo balançando a cabeça e dando uma breve risada. Sinto uma sensação quente dentro de mim, poderia culpar o álcool por isso, mas sei, nesse momento sem nenhuma dúvida ou incerteza, que esse sentimento é algo diferente do resto.

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