This Sadness Is Unbearable escrita por Lasanha4ever


Capítulo 3
Capítulo 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/349197/chapter/3

  O despertador toca, livrando-me do pesadelo dos sonhos, para o pesadelo na vida real. Coloco um casaco listrado por cima da camisa do colégio, passo uma maquiagem para esconder as marcas da má noite que tive e pego minha mochila.

  Não sinto muita fome, então nem levo o dinheiro para comida, muito menos alguma comida. Também não como nada de café da manhã. Acho que, quem fica muito tempo triste, não sente fome.

  Entro na escola e sinto alguns olhares sobre mim. Não sei se as pessoas sabiam que eu moro em um hospício, mas no final da aula, todos já sabiam e me ignoravam completamente. Os que não me ignoravam, também não falavam comigo, o que é o mesmo que ignorar.

  Eu não me incomodo. Não muito. Eu quero o Lucas aqui comigo. Quero nossas brincadeiras bobas de volta. Quero seus abraços inesperados. Quero minha mãe. Quero sua voz acolhedora e seus conselhos. Quero me sentir amada. Quero tudo o que não posso. Sinto que não vou resistir muito tempo desta vez. Estou quase chorando. Por que fui pensar neles, justo agora, no meio da aula de história?

  - Senhorita Gomes, não é permitido utilizar esse modelo de casaco neste colégio. – demoro um tempo para perceber que o professor estava falando comigo.

  - Ah, tá, falou. – resmungo e volto à minha posição inicial, deitada na carteira, com a cabeça apoiada na parede e os olhos fechados.

  - Senhorita Gomes, é a ultima vez que eu informo. Ou você tira o casaco, ou retiro você da minha sala de aula.

  Pronto, com essas palavras mágicas, a turma toda fica calada só para me escutar.

  - Não sabia que era tão simples assim sair daqui... Que bom. – murmuro com um sorriso maldoso no rosto.

  Não vou tirar esse casaco. Não vou poder usar outra coisa além de casacos por aqui. Se alguém vir os cortes, não vai ficar nada bem.  

  Levanto da carteira e sigo em direção ao professor, que fica com medo por uns segundos. E então saio da sala de aula. Escuto o burburinho dos alunos e o professor tenta dar aula, mas não consegue. Sento no chão do corredor e fecho os olhos, prestes a dormir.

  - Ei, menina, você não deveria ficar dentro da sala de aula? – escuto a voz rouca de algum garoto e preparo a resposta ríspida na ponta da língua. Mas então eu o vejo. Ele é a versão adolescente do Lucas. O cabelo preto e liso, os olhos esverdeados, a pele clara... Meu coração vai a mil e eu não consigo falar nada. – Tá tudo bem com você?

  - Lucas? – sei que não pode ser ele, mas eu acho que isso é uma miragem, eu não ando muito bem da cabeça por hora...

  - Como sabe meu nome? – ele se senta ao meu lado.

  Meu coração para de bater, para depois bater tão alto que até o Lucas pode escutar. Ele tem o mesmo brilho nos olhos que o meu Lucas tinha, mas a voz está um pouco diferente, até porque a idade deles é diferente.

  Estendo minha mão para o rosto dele e toco-o. Ele não é da minha imaginação.

  - Tá tudo bem mesmo? – ele da uma risada envergonhada e eu me afasto dele, controlando a vontade de... Não sei, não sei o que fazer, mas tenho vontade de fazer algo sobre isso. Talvez chorar, ou então abraça-lo, ou então fazer os dois.

  - É que, você lembra uma pessoa.

  - Quem?

  - Um antigo amigo meu.

  - Ah.

  Não falamos mais nada, e eu fico observando a semelhança entre os dois Lucas. Não consigo achar alguma diferença além da voz.

  - Você é aquela garota do hospício, né? – ele não pergunta com desgosto, só com curiosidade, então eu respondo com educação.

  - Sou.

  Ok, nem tanta educação, mas o bastante.

  - Você não me parece maluca.

  - Não sou.

  - Então por que está lá?

  - A vida é um mistério. – começo a me levantar para sair de perto dele. Se eu continuar mais tempo, vou começar a confundi-lo com o meu Lucas.

  O sinal toca, e finalmente a aula acaba. Entro na sala de aula, pego as minhas coisas e vou para o ponto de ônibus. Ele não para de me seguir.

  - Por que está aqui? – pergunto brusca e ele não responde, só dá de ombros.

  E ainda por cima, ele pega o mesmo ônibus que eu, e para no mesmo ponto.

  - Dá pra parar de me seguir?

  O Lucas ri.

  - Eu não tô te seguindo. Eu preciso ir para o hospício.

  - Oi?

  - Eu fui internado lá no início do mês, só que ninguém da escola sabe. Bem, só você.

  Ok, desde quando um hospício virou lugar de pessoas normais? Eu estou aqui por ser acusada de algo, e não negar. O que diabos ele está fazendo por aqui?

  - É tão difícil de acreditar? – ele brinca e eu levanto uma sobrancelha em zombaria. É impossível de acreditar.

  - O que você tem para parar aqui?

  - Sou bipolar. Meus pais não querem pagar um tratamento decente, então me deixaram aqui.

  - Não pode ser. As pessoas bipolares não assumem que são. Elas culpam as outras pessoas. Você está mentindo, só pode.

  Ele nega.

  - Não mesmo, eu sou bipolar. Infelizmente. Desde quando tinha quatorze anos. Nunca melhorei. E nunca vou.

  - Dramático.

  - Não. Realista.

  Reviro os olhos e entro no hospício, com ele ao meu encalço. Vou para o meu quarto e ele fica sentado na divisão entre o corredor e o meu quarto, impossibilitando-me de fechar a porta na cara dele.

  - Por que está aqui? – eu estou quase chorando. É como se fosse o meu Lucas aqui, comigo. Por que diabos eles tem que ser tão parecidos?

  - Sei lá, acho que curti o seu jeito de ser.

  - Aham, tá. Dá pra ir embora agora?

  Ele nega. Que garoto implicante!

  - Você se cortou, né? Por isso não tirou o casaco quando o professor mandou... – caralho, alguém tira ele de perto de mim!

  - Como sabe que ele mandou?

  - Estava passando ao lado da sua sala quando escutei tudo. E então, é verdade sobre os cortes, né?

  - Não é da sua conta.

  - Sabe, eu acabei de sair de uma crise. Fiquei deprimido por quase três semanas. Meus pulsos quase não aguentaram. Minhas coxas não estão totalmente boas e por pouco eu não me mato. Eu não posso tirar nem o casaco, nem a bermuda. Não vou poder agir como os adolescentes normais, porque as cicatrizes nunca desaparecerão.

  Sinto pena dele. Meus olhos já estão marejados. Se ele não sair daqui agora, vai presenciar uma cena que eu venho escondendo de todos.

  - Por favor, vai embora. – balbucio e ele percebe que alguma coisa está errada.

  - Sabe, se você quiser chorar, pode desabafar comigo. Prometo que não conto a ninguém que você tem sentimentos.

  Olho para ele e, por sorte, ele entende. Não quero que ninguém me veja chorando. Ele sai do meu quarto e me mostra um sorriso acolhedor antes de fechar a porta.

  E então, só nesse momento, eu me permito chorar todas as lágrimas que eu segurei o dia inteiro. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!