Estava no meio da noite, três horas da manhã, a garota de cabelos castanhos sorriu para o relógio que parecia sorrir para ela.

Ela realmente não era “comum”, ela era meio interessada, completamente interessada, em mortes, em coisas do outro mundo. Interessada na dor.

Três horas da manhã, a hora dos demônios, uma forma de zombar da hora da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 A garota se sentou na cama e puxou os joelhos para abraçar eles e ficar encolhida.

Talvez a garota realmente fosse estranha, gostasse de masoquismo, mas parecia que tudo estava mudando dentro dela. Parecia que ela desabrochava, de dentro para fora.

Alguém provocava isso nela, o alguém.

Ela tocou os lábios e fechou os olhos, era como sentir novamente os lábios dele contra os dela, era como sentir o calor do momento, era como sentir a parede atrás de si, sendo prensada por fortes braços.

Ela se levantou e botou seus tênis, ainda estava com a roupa do dia, ela não pretendia dormir.

Ela pegou sua bolsa em cima do balcão e saiu de sua casa indo em direção ao carro.

Sem saber ao certo para onde ia, ela foi em direção ao prédio daquele que a prensara contra a parede, aquele que beijara seus lábios com tanta vontade.

Ela estacionou e saiu do carro em uma velocidade incrível, abraçou-se para conter o frio, mas logo se soltou, os cortes ainda ardiam nela.

O prédio não era seguro, era simples e fácil de entrar. Ela entrou pelos fundos, pelas escadas, ela escalou até a chegar a janela do seu destino.

Ela bateu, esperando que ele abrisse rapidamente para que o frio passasse e para ser envolta pelos braços daquele garoto, ela nunca imaginou que se apaixonaria, mas aconteceu.

O garoto estava extremamente lindo, com o cabelo preto bagunçado, os olhos verdes de quem recém acordou uma boca avermelhada perfeita e com apenas a calça do pijama, ele sorriu ao vê-la e abriu a janela para puxa-la para dentro.

-Eu senti sua falta – Ela disse e depois eles uniram os lábios urgentemente.

-Eu causo isso, mas apenas nas melhores – Ele falou ofegante na pausa do beijo.

Ela riu e ele a jogou na cama para deitar-se por cima e voltar a beija-la.

-Por que demorou a vir? – Ele perguntou

-Estava me esperando?

-Eu sempre estive te esperando.

-Eu não conseguia dormir, é melhor deixar meus olhos abertos, quando eu os fecho... Eu não tenho o controle sobre mim...

-Deixe que eu te controlo.

Ela sorriu, maliciosa.

-Me controle.

Ele voltou a beija-la e a prensa-la na parede as vezes ela gemia de dor pois ele pressionava seus cortes que estavam por todo o corpo.

Mas aquilo não importava, não naquele momento, naquele momento nem os sussurros desesperados  clamando por ajuda que ela sempre ouvia não faziam importância agora, ela só pensava no momento, e esqueceu-se do frio lá de fora, pois ali dentro havia calor.

E ela não pode evitar, por mais que quisesse, ela não pode evitar o conforto e não pode evitar dormir no colo dele, ela dormiu abraçada nele, por mais que tivesse lutado contra... E ela não sabia o quão aquilo podia ser fatal.

Ela acordou uma hora depois... Ela acordou para o seu maior pesadelo, ela quis gritar, mas iria chamar atenção, ela olhou para suas mãos as quais escorria o mais vivido sangue, ela olhou para sua roupa, manchada com o seu pior pecado, ela olhou para o seu lado, a marca de seu pior descontrole, o maior dos seus prejuízos.

Ela o tocou, ele não respirava, era uma esperança tola, mas ela existia... Mas  morreu, a esperança é a última que morre... E a garota estava morta... Por dentro. Ela não podia fazer nada... Deveria ter se afastado quando teve tempo. A maldição a perseguia. Ela não podia amar, ela não podia sentir... E o pior ela não podia morrer. Ela assistia quem amava morrer, ela matava quem amava. E era assim que ele estava morto, o canivete da garota estava cravado no peito dele, ela o arrancou.

Os flashes vieram, ele implorando para ela voltar a si, ele tentando controla-la, ele a beijando desesperadamente para que ela voltasse, mas ela não voltou, e o pior foi saber que ela não lutou contra isso, o pior foi saber que ela não teve a consciência para lutar, o pior foi saber que ela não foi forte o suficiente... E a pior imagem foi quando a vida se esvaziou de seus olhos verdes vividos, foi quando seus lábios formaram a ultima frase “essa não é você, volte”, foi isso que a fez querer morrer.

Ela correu, ela se jogou do prédio, mas nem com sequelas ficou, porque ela foi escolhida para essa maldição? Porque não lhe era permitido o dom da morte?

Ela fugiu... Foi a gota d’água, ela se afastou, ela se exilou.

Ela não estava morta por fora, mas por dentro ela nunca se sentiu tão morta... Ela se foi.