A Rainha de Copas escrita por Kaya Terachi


Capítulo 9
Focando na noite.




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E lá estava ela, novamente deitada em sua cama confortável com os grandes edredons vermelhos. A noite anterior tinha sido uma droga, com outra pessoa invadindo a boate, e talvez contasse os segundos até que outra pessoa adentrasse seu quarto em pânico. Ela permaneceu com os olhos fechados, mesmo após acordar, talvez preguiçosa, talvez receosa, não queria mais encarar o dia que vinha, sem ele.
– Ora, ora, Bela Adormecida, vou ter que te acordar com um beijo sobre seus lábios de mel, ou te chamar de Rapunzel e puxar seus cabelos?
A voz soou ali no quarto, tão próxima de si, o timbre tão delicioso e perigoso daquela voz que tanto amava. Ela sorriu e levou as mãos aos olhos, devagar a esfregá-los e tratou de abri-los logo em seguida, sentando-se na cama, mesmo que as pernas continuassem cobertas pelo edredom grande e espesso, usava apenas a camisola vermelha que transparecia o belo corpo magro. Então ela pôde ver, era ele, estava ali sentado em sua cama, e em seus lábios o sorriso malicioso e maníaco, tão conhecido, e naquele sorriso, por um momento ela esqueceu o porque estava tão furiosa com ele. Ele usava seu terno roxo que sempre gostou tanto, porém as luvas tinham um tom diferente do habitual, estavam cobertas de sangue.
– O que houve?
– Ah, isso? Nada de mais. Tive que me livrar de alguém pra conseguir elementos para o meu plano. Mas acho que estou me repetindo demais com o gás do riso, então... Esfaqueei ele três vezes nas costas.
– Ah sim, só rotina mesmo.
– Pois é.
Ele suspirou, distraidamente e levou uma das mãos aos lábios, mordendo um dos dedos a puxar a luva até que a retirasse.
– O que perdi aqui? O morcegão voltou?
A garota assentiu, ajeitando os próprios cabelos bagunçados pelo sono e espreguiçou-se, esticando ambos os braços a revelar o corpo escondido por baixo de suas roupas curtas e transparentes, como se já não fosse o suficiente para provocá-lo.
– É, achei que ele ia me prender.
– Ah, prende nada. – Falou a observar atentamente as curvas do corpo da garota. – Ele deve ser virgem, a mulher-gato enrola dele à anos e ele nunca prende ela. Não deve ser dificuldade pra você.
– Foi bem simples, mas fiquei triste por não te ver aqui quando voltei.
– Ora se ele me pegasse aqui, sua boate viraria um campo de batalha muito pior e mais rápido que pobre se jogando num rio de dinheiro.
Ela riu baixo a observá-lo e ele deslizou uma das mãos, já sem a luva no edredom sobre seu corpo, alisando-o.
– Mas eu posso compensar, não?
– Mas é claro, senti sua falta.
Ele sorriu e empurrou o edredom para o lado com sutileza, deslizando uma das mãos até alcançar a cintura dela e a puxou para perto, os lábios tocaram os dela e um sorriso surgiu nos lábios da garota a iniciar o beijo, adentrando a boca do outro com a própria língua a procurar pela dele. O toque durou pouco tempo, suficiente para que ela pudesse sentir o gosto estranho em seus lábios, juntamente da sensação estranha em seu corpo, mas um gosto familiar, já havia sentido antes, mas não conseguia se lembrar quando foi, porém antes que pudesse, tudo foi explicado quando sentira vontade de rir, merda! Como não pôde prever isso? Aquele maldito estava intoxicando a si com o gás do riso.
Ela riu, e riu às gargalhadas, afastando-se dele a observá-lo, confusa, porém mal podia expressar o sentimento, não podia dizer uma palavra, só conseguia rir e ele fez o mesmo.
– Me desculpe, minha querida... Mas o morcegão tem que focar na rainha. Tenho certeza que vai compreender quando tudo acabar. Ou não.
Ela tentou parar de rir, com todas as forças que pôde, inutilmente.
– Relaxa, você não vai morrer... Pelo menos não agora. Só vai gargalhar, gargalhar, até desmaiar com falta de ar. É uma medida necessária para que você não saiba para onde vamos e para que eu possa preparar tudo com antecedência.
Ela se aproximou e segurou o casaco dele com força entre os dedos, ah como gostaria de lhe dar um belo soco no meio da cara. Era realmente um perfeito idiota, mas o que poderia fazer afinal? Sentia-se cada vez mais tonta, e com mais e mais dificuldade para respirar, até que por fim, desmaiou sobre a cama.
Ao abrir os olhos novamente, sentiu o maxilar doer, uma dor péssima que só podia ter sido causada por um surto de riso, porém, notou que seu impulso de gargalhar havia desaparecido, fora apenas um efeito fraco e temporário do gás. Estranhamente, não enxergava nada, como se tivesse uma venda em seus olhos, mas era apenas a escuridão que se fazia presente no local. Ela tomou o impulso de se levantar, porém com o simples movimento que fez, sentiu que estava presa a um objeto estranho, que balançava no ar, tão longe do chão. Suspirou, apreensiva e manteve-se em silêncio, podendo ouvir no andar de baixo o cantarolar da voz dele, e não sabia se sentia amor ou raiva. Uma das mãos alcançou os lábios, como pôde e massageou o maxilar dolorido, estreitando os olhos a tentar se acostumar ao escuro, tentando ver algo nitidamente.
– Coringa... Seu maldito! Onde eu estou?
Não houve resposta, apenas uma gargalhada alta vinda do local abaixo de si.
– Pudinzinho! Ela acordou! Será que contamos para ela onde ela está?
Angelique estreitou os olhos. Desgraçado, estava com ela!
– O que essa vagabunda está fazendo aí com você?
– Ela me chamou de que?! Eu vou matar ela! – Disse a garota.
– Agora não! Calma Harley, daqui a pouco tudo vai estar nos conformes e poderemos pegar o Batman.
Quem falara era o outro, seu príncipe de contos de fada, que agora havia destruído o seu final feliz.
– E depois seremos só nós dois, não é Sr. C?
Ela não ouviu uma resposta dele, mas sentiu o coração apertado. As lágrimas tomaram seus olhos e escorreram pela face, ele havia dito que a outra não significava nada pra ele, como pode mentir para si de tal maneira? Era quase desumano.
– Coringa... Me diga o que está acontecendo!
– É simples, minha querida! – Ele falou, e sua voz parecia estar bem mais próxima do que antes, estava em sua mesma altura, e o via pouco, o quanto a baixa luz permitia a si, mas não podia alcançá-lo, estava em algum lugar alto, isso sabia, afinal, o outro estava preso por uma corda.
– Você sabe qual é o problema de um homem ser desejado demais e ter duas garotas lindas como você e a Harley ali embaixo disputando o coração dele? Ver vocês brigando quase destruiu meu coração! – Disse ele em seu tom choroso e forjado.
– Então por que escolheu ela? Você me criou! É quase um pai pra mim!
– Esse é o ponto, eu não a escolhi! Quer dizer... Pelo menos, ainda não. Esta certo, eu te criei, mas você sabia que nesse momento, um garotinho pode estar queimando formigas com óleo de lampião, sem saber que elas o cultuam como um Deus? Nem sempre somos cientes dessas coisas. E fala sério, quando se trata de uma boa piada, vale tudo! O show deve continuar, e o meu público é de uma pessoa só!
Ela engoliu em seco, ouvindo-o em silêncio, porém aterrorizada. Era típico dele, tão insano quanto ele.
– Mas bem, isso é um teste. Daqui a pouco o morcegão vai aparecer. Se ele te salvar, eu saberei que ele aprova você pra mim. E então minha querida, nunca mais largarei de você! Mas se você morrer... Bom, vai ser a vez da Harley se colocar à prova.
– E eu vou ser aprovada pelo Batman! Tudo pelo Pudinzinho! – A garota usara o tom de admiração. Se lembrava de tê-lo usado antes, mas só então pôde perceber o quão ridículo ele soava nos lábios de outra mulher, numa situação como aquela.
– Se o Batman vier me salvar... Eu não vou voltar pra você. Você é um imbecil! - Gritou.
– Puxa, Angiezinha, assim você corta meu coração. Achei que você tinha mais senso de humor. Quer dizer... Olha só essa piada, e você é a atriz principal! Você não entendeu a piada ainda?
– Que piada Coringa? Só vejo um idiota arriscando a minha vida pra se divertir sozinho. Dessa vez eu não estou me divertindo com você! Eu fiz tudo por você, me colocaria na frente de uma bala por você e você quer me matar por um idiota de capa? Você não quer nem a mim e nem a Harley, você quer o Batman!
– Ah... Você não entendeu porque eu não terminei de contar... Que burro! Harley, ligue a luz!
Não demorou nem três segundos para que a outra ligasse a luz e só então pôde ver onde estava. O andaime fora pendurado com minúcia, em cima do aquário gigantesco do zoológico de Gotham onde eram exibidos focas-leopardo com cerca de três metros de altura, as bocarras abertas e os dentes afiados, ansiando pela carne que flutuava acima delas.
– “Foca na Rainha”! Entendeu agora?! O Pudinzinho é um gênio da comedia, não é, vadia?
A garota gritou, aterrorizada ainda mais pelos enormes animais que nadavam abaixo de si, talvez até mesmo fechou os olhos a rezar em silencio por alguns segundos.
– Seu maldito! – Falou com a voz chorosa e fraca, amedrontada. – E vai se foder, Harley!
– É... Vai se foder, Harley!
Ele desceu do local, devagar até que alcançasse o chão em segurança e a garota desviou o olhar a ele, num pedido mudo para que não deixasse a si sozinha, mas então pôde ver, que ele se aproximava da outra, e acertara seu rosto com um tapa tão forte que ela caiu sobre seus joelhos no chão em frente a ele.
– Se você explica uma piada, ela perde a graça!
– D-desculpe, Pudinzinho...
A garota a observou e riu consigo mesma. Mas que situação estúpida estava. Prestes a morrer, num andaime a metros acima do chão, e rindo de uma imbecil que apanhava do amor platônico.
– Pelo menos eu nunca apanhei. – Falou em tom audível e riu. – Mas não é hora para rir.
– Certo, vamos ver... – O rapaz levou uma das mãos ao bolso, retirando um relógio com o formato de Mickey Mouse, observando a hora. – Tsc, Batsie está atrasado. Ele nunca foi tão lerdo para entender o que eu quis dizer... Não tem senso de humor para entender uma piada, mas pelo menos sabe identificá-la.
É... O francês já havia visto demais. Coringa estava absolutamente instável, e um momento de hesitação seria o suficiente para que Angelique morresse. Quando viu o palhaço dirigindo um furgão pelas ruas da cidade decidiu segui-lo apenas para averiguar os fatos, como se já não fosse óbvio que ele iria aprontar alguma. Mesmo com assuntos a tratar, não sairia dali, a vida de Angelique estava em perigo e Batman poderia chegar a qualquer momento, mas e se não chegasse? Melhor que não deixasse ser resolvido apenas na sorte. O rapaz adiantou-se e correu para perto do enorme tanque onde a outra estava pendurada.
– Parece que você está focada num problema aí!
Ela arregalou os olhos e desviou o olhar para a parte de baixo do local, se ajeitando como pôde para não cair,sabia que a voz era dele, mas o que diabos estaria fazendo ali de novo? Será que ele não cansava de se colocar em situações de perigo?
– O que faz aqui? Vá embora! Mas... A piada foi melhor que a do Coringa.
Arlequina, que se encontrava próxima e pôde ver o rapaz ali, gritou logo para o palhaço, que não estava longe.
– Pudinzinho, olha! Esse cara tentou ajudar a vadiazinha na outra vez!
– Se você me chamar de vadia de novo... Eu vou descer aí e focar você! Digo... Socar!
– Ah, o pateta afeminado quer estragar a piada que eu fiz especialmente pro meu Batman?
– Meu deus... – A ruiva murmurou. – Como fui me apaixonar por um homem gay?
– Os palhaços deveriam é voltar pro circo e aprender piadas novas, essas estão sem graça já. – Disse o moreno a se aproximar o máximo que conseguia do andaime onde a garota estava presa.
Ela suspirou e observou o teto, mantinha o corpo reto, afinal, qualquer movimento brusco poderia derrubá-la. Ambas as mãos estavam imóveis, entrelaçadas sobre sua barriga.
– Será que alguém pode me ajudar a descer daqui? Não estou afim de virar almoço hoje. Eu até estava, mas o Coringa é um idiota.
– Ah, você não vai não!
Gritou o palhaço, arremessando uma granada de cor verde na direção do rapaz, porém uma pequena quantidade caiu sobre o focinho de uma das focas, que num som estranho começa a sufocar e afundar na água.
– Pobre foca... Acho que ela morreu sufocada. – A ruiva riu, sozinha e por um segundo estreitou os olhos a si mesma numa repreensão. – Só um pouco de gás, foi demais pra mim.
– Não fique parada aí sua idiota! Faça alguma coisa! – Ele gritou para a garota de vermelho e preto.
– Ah? Eu? Tá!
Ela se virou a correr até a caminhonete e o outro suspirou, indignado com a demora da outra para entender que estava ali para ajudá-lo no plano, pensou que talvez com a ruiva, isso não aconteceria. Em poucos minutos a outra voltou, carregando uma bazuca consigo.
– Até que enfim! – Ele disse a ela.
Ela se abaixou, apoiando melhor a arma a mirar no rapaz que já estava praticamente ao lado do local.
– Agora seria muito bom se um desses brinquedinhos funcionassem.
Falou e ativou os pequenos botões, manipuladores gravitacionais, pequenos artefatos que faziam parte de seu uniforme, que serviam para deixá-lo mais leve. Ele pulou, tentando chegar o mais perto possível do topo do andaime.
– Ai meu deus! Não sobe não que vai arrebentar tudo! – A ruiva gritou.
Arlequina mirou novamente, agora no alto do local, próximo de onde estava presa.
– Não, sua idiota!! Quer derrubar a Angelique antes do Batman chegar?!
A garota pareceu indecisa, teria que decidir, entre obedecê-lo ou matar a garota que tanto odiava, o único impasse entre si e o amor incondicional do palhaço, ou como costumava chamar seu “pudinzinho”. Ela mordeu o lábio inferior e gritou.
– Sim, eu quero!!
E foi a última frase antes de atirar com a bazuca em direção a garota. A explosão abalou o local, derrubando a ruiva presa no mesmo instante, porém, caía junto com o rapaz que estava tentando salvá-la. O grito dela preencheu o local e fechou os olhos, já se conformando nos poucos segundos que teve, com a morte, não havia o que fazer. Só havia uma chance, a corda que Coringa usara mais cedo para ficar no nível da garota presa. Havia uma chance de agarrá-la, somente uma chance, mas qual a possibilidade de poder agarrar a garota antes que ela caísse?
O moreno não pareceu se importar, as chances eram mínimas, mas tentaria. Ele se arremessou ao ar, e por alguns segundos, tudo pareceu parar, ficar devagar, como uma queda alta, que duraria apenas alguns segundos para ter um final ruim, porém, não fora dessa vez. Ele agarrou a corda e tomou um impulso extra, sim, alcançaria a garota, teria de alcançar. Ele bateu contra a parede e tomou o impulso maior na direção contrária, rezou em silencio para que pudesse pegá-la, porém a mão dela lhe escapou, mas conseguiu agarrá-la pela cintura antes que caísse no aquário, ah, graças a deus estava a salvo junto dela.
– Confia em mim?
Ela uniu as sobrancelhas, estava em posição de dizer não? Tinha lágrimas nos olhos, estava atordoada e a única coisa que pôde fazer, foi agarrar-se a ele, num impulso pelo medo de cair novamente e assentiu.
– Me tire daqui...
– Ótimo, então apenas confie em mim. – Ele a ajeitou em seus braços, mais firme. – Que eu vou tirar nós dois daqui.
Abaixo deles, as coisas pareciam tensas. Coringa tinha em sua face, a expressão mais furiosa possível, se a ruiva pudesse vê-lo, ficaria horrorizada. “Por que tão sério?”. Ele viu toda a cena, do inicio ao fim, e por mais insano que fosse, havia outro rapaz segurando a garota dele! Ele desviou o olhar a outra garota ali embaixo, e ela podia ver que aquele olhar, era de puro ódio, não havia espaço para um sorriso, mesmo o sorriso sádico habitual. Ela o retribuiu com um olhar de puro medo.
– P-pudinzinho, me desculpe... Eu surtei um pouco, mas ela está vivinha, não é? E o Batman ainda não apareceu... Temos tempo para fazer outra armadilha até ele chegar, é só dar um jeito nesse herói e...
– Outra armadilha?! – Ele a interrompeu. – OUTRA ARMADILHA?!
O moreno balançou a corda, várias vezes, até que tivesse força para atingir o chão, ao lado do tanque, bem a tempo de ver o palhaço se aproximar da outra garota, furioso.
– Sua vadia incompetente e imbecil, você não entende nada?! PIADA! – Ele a acertou no rosto com um tapa. – REPETIDA! – E outro tapa que a derrubou no chão. – NÃO RENDE! – Lhe chutando as costelas várias vezes.
A ruiva nunca vira a outra com tanta agonia, tossia sangue e tinha os olhos cobertos pela dor que sentia, tentando entre gemidos implorar para que o outro parasse.
– E, sinceramente... Você é uma piada que já foi repetida por tempo demais. Já deu! – Ele retirou um revolver do paletó e apontou para a garota no chão.
– Para Coringa! – A voz veio do moreno que ainda segurava a garota pela cintura. – Não posso ver uma garota apanhar, mesmo ela querendo me matar a cada vez em que nos encontramos.
– Não! Continue! – A ruiva gritou, talvez fosse a própria vez de ter um momento de fúria.
– Cale a boca, você deveria estar em choque. – Disse o moreno.
O palhaço se virou, mesmo sem tirar Arlequina de sua mira.
– Meu choque passou assim que vi ela apanhar. Me solte! Eu quero ajudar a bater.
Quantas coisas ela havia feito a si passar? Não só hoje, mas sempre. Sempre estivera com o próprio amado nas sombras, por baixo dos panos, longe de si.
– Me obrigue a parar, heroizinho! Você é o próximo! Como se atreve a roubar minha mulher desse jeito?! Seu franguinho cheio de pompa. Vou te matar! E te ressuscitar só pra te matar de novo!
– Pois venha! Quero ver se você é homem! Me enfrente como um homem, mano a mano.
O palhaço se enfureceu e largou o revolver.
– Pois bem heroizinho, vamos ver se da próxima vez você foca em escolher melhor seus oponentes.
Só então, a garota notou que a mão dele continuava ao redor da própria cintura, ela se debateu, tentando se soltar.
– Hey!
Coringa deu um passo a frente a vê-lo segurá-la ainda mais forte, porém antes que pudesse dar outro passo, sentiu algo puxando seu tornozelo, era a garota no chão, os olhos lacrimejando, e o rosto coberto por hematomas.
– Me larga, estúpida!
– Pudin...Zinho... Foca... Piada repetida não...
– Piada repetida não rende? – Ele disse.
Ela assentiu e o rapaz se enfureceu, era a gota d’água. Virou-se e lhe acertou o rosto com um chute com toda a sua força.
– NÃO DISCUTA COMIGO! A AUTORIDADE EM COMÉDIA AQUI SOU EU!
Outro chute lhe foi dado, e o rapaz a pegou pelo braço, arrastando-a até que próximo de onde ambos estavam, sua amante, e o tal heroizinho. Num movimento preciso, ele abaixou-se, pegou a arma e jogou-a próxima de Angelique.
– Angelique, meu bem... Mate essa vadia. Já cansei dela. O Batman não precisa aprovar, quem eu quero é você.
O sorriso nos lábios da ruiva desapareceu ao ter a arma jogada para si. Quanto tempo havia esperado por aquelas palavras, quantos dias, quantas noites em claro? Já havia chorado, perdido horas pensando nisso, queria o coração dele, era somente isso que queria, mas ao olhar a face do rapaz, tudo que podia ver ela loucura e um fio quase invisível de mentira. É, ele sabia manipular a si muito bem, sabia disso, lembrava-se de vários momentos que podia citar onde havia sido manipulada por ele. Ele era bom com palavras, e com atitudes, com um toque, podia fazer todo o próprio corpo tremer da cabeça aos pés, desejava senti-lo, desejava poder tocá-lo novamente, mas nada seria igual. Havia arriscado a própria vida por ele, inúmeras vezes, até então, já havia levado um tiro e uma facada que rendeu bons pontos em sua cintura, tudo por ele, se colocando em frente a ele, sempre com suas promessas de amor e carinho, que nunca eram cumpridas. Não, não podia fazê-lo, afinal, que culpa ela tinha de ter sido tão enganada por um palhaço qualquer?
– Não vou fazer isso...- Ela deu uma pequena pausa, tentando achar fôlego, e coragem para finalmente deixá-lo ir. – Você me enganou... E quase me matou! E eu te amava.
– Eu ainda te amo! – Ele gritou. – Mate ela, foi ela que se meteu! Se ela não existisse, eu só teria olhos pra você! Mate ela, e vamos nós dois matar esse heroizinho... E o Batman, e quem se coloque em nosso caminho!
Ela manteve o olhar fixo a ele. Sentia dor, mas não era corporal, era de um sonho quebrado, um coração partido, batendo num zumbido dentro de si, incompleto, rompido, morto. Ele não amava a si, tinha milhares de cicatrizes que provavam isso. Num movimento rápido, soltou-se a empurrar o outro para longe de si, abaixando a pegar a arma no chão, ela observou a garota, e ponderou, levando bons segundos até tomar uma decisão. Ela mirou na cabeça da outra, que fechou os olhos, sabendo o destino que lhe aguardava, porém a ruiva arremessou a arma longe do alcance de todos. Não poderia atirar nela, muito menos nele.
– Eu ainda te amo... Mas tenho que aceitar que você nunca vai me amar. Eu já cansei de matar, se você quiser fazer alguma coisa, faça você mesmo. Vai ser a última vez que eu vou desejar você.
O palhaço a observou, percorreu pedaço por pedaço de seu rosto, incrédulo e no minuto seguinte, parecia ainda mais furioso.
– Então eu mato a vadia! E mato todos vocês!!
Ela se afastou em pequenos passos a observá-lo, não queria transparecer o medo, mas estava alerta, sabia bem o que ele podia fazer. Ele tirou de dentro do paletó quatro granadas que jogou no chão, explodindo em segundos a cobrir o local com a fumaça esverdeada. Gás do riso, maldito gás do riso, em quantidade suficiente para matar a ambos. E era impossível não respirar, estava sufocando.
O moreno tentou agarrá-la, mas antes que pudesse, estavam no chão, com as mãos sobre a barriga, gargalhando, e que inferno. Ela sentia as lágrimas que escorriam pela face, porém não conseguia cessar o riso. Estavam acabados, iriam morrer, passara por tanta coisa para morrer ali, no chão ao lado de alguém que se quer sabia o nome. Não é mesmo? Nem sabia o nome dele!
Antes que cerrasse os olhos, pode sentir alguém que a segurou, as mãos firmes a ergueram e sobre seu rosto fixou a máscara negra, a silhueta lembrava um morcego e não aspirava mais do gás, estava salva, mas quem? É claro, era ele, Batman.
– Você demorou! – Ela ouviu a fala, pouco embaralhada em meio aos pensamentos e a falta de ar que tinha.
– Batsie! Deveria ter chegado mais cedo, esses caras estragaram a minha piada.
– Swash, tire Angelique daqui. E se possível, Harley Quinnzel também. Eu pego o Coringa.
Swash? Então era esse o nome.
– Não me peça para fazer coisas que eu faria sem que precisasse me pedir. Apenas dê um jeito no palhaço.
Ele pegou a garota no chão e observou a ruiva, estendendo-lhe a mão.
– Consegue andar?
Ela assentiu apenas, atordoada e desviou o olhar ao rapaz do terno roxo uma ultima vez, antes que fosse puxada para fora do zoológico a quadras de distancia.
O céu estava tão negro que chegava a dar nojo, respire, lembre-se de respirar. Já estava sem a máscara, mas ainda tinha dificuldade para aspirar o ar. Só então notou que já passara um bom tempo desde que saíram do local, Batman havia voltado, carregando o corpo em seu ombro, amordaçado e preso com algemas, desmaiado.
– Vocês estão bem? – O morcego falou.
– Na medida do possível. Apenas cansados de uma noite focada em ação. – O outro rapaz respondeu.
– Eu demorei porque Robin desapareceu. Não consigo encontrá-lo em parte alguma, tem idéia do paradeiro dele?
– Não, não sei nada sobre ele.
Quem era aquele cara afinal?
– Se vocês não se importam... Eu gostaria de ir para casa. E gostaria muito que você me acompanhasse, Batman. Tenho alguns assuntos a tratar com você.
– Acho que poderia nos ajudar, Angelique, estamos investigando a gangue que estava em sua boate ontem.
– Não há problema.
– Mas prometa que não irá cortar a minha cabeça. – Brincou o moreno.
– Se me segurar daquele jeito de novo, é possível.
– De nada por te salvar também.
– Angelique L’Croix, você ocultou o Coringa quando fui procurar por ele. Fez isso durante muito tempo. Também, pelo que Swashrose diz, foi cúmplice de uma gangue de criminosos procurados. O que realmente acha que devo fazer agora?
– É, se não se importa, eu gostaria de ir para a cadeia, ou o Arkham, tanto faz. Tenho muito a pensar e me arrepender. E... Tenho algumas coisas para você adicionar na minha ficha.
– Como o quê?
– É meio estranho, por isso eu queria mostrar. É só me acompanhar até a boate.
Ele assentiu e fez um sinal para ambos que o acompanhassem, foi um caminho curto, até que encontraram o batmóvel em uma esquina próxima.
– Entrem, mas não toquem em nada.
A garota observou o carro e assentiu, adentrando devagar o veículo, ainda estranhando o mesmo.
– E quanto aos dois palhaços? – O moreno disse.
– Os dois no carro. Depois os levarei de volta ao Arkham.
A boate estava deserta, nem o letreiro com as letras cintilantes estava ligado. Com o desaparecimento da rainha, todos decidiram fechar por um tempo. Estava agoniada, precisava sair daquele carro logo, não se importaria com uma cela de prisão qualquer.
– Não é muito seguro deixar esses dois sozinhos no carro. Conhecendo ele como eu conheço.
– Swashrose, você fica aqui com eles?
– Babá de palhaços... Ok, pode deixar, mas ficarei com a máscara de gás só por precaução.
– Claro. – Disse o rapaz de capa. – Angelique, mostre o caminho.
A garota procurou a chave em seus bolsos, e notou que quem havia vestido a ela fora o Coringa, então era óbvio que ele não havia colocado junto a chave da própria boate. Porém, alguns toques na porta porem suficientes para que alguém a abrisse em seguida. Era ela, Vanity, que abraçou a si, tão preocupada por ter desaparecido da noite para o dia. Cumprimentou as garotas, e passou rápido por elas a guiar o rapaz consigo. Ela abriu a porta dupla no fundo e desceu um lance de escadas até o segundo andar, adentrando a porta no fim do corredor.
– Esse é o escritório onde os bandidos trabalhavam. Pode olhar tudo o que quiser aqui dentro.
Ela se aproximou de uma grande estátua de mármore ao canto da sala e a empurrou na plataforma correta, tinha o formato de um cavalo saído de um tabuleiro de xadrez, os detalhes minuciosamente esculpidos. A porta se abriu e revelou várias prateleiras, sobre elas, vários potes de vidro, dentro deles, cabeças humanas conservadas com formol.
– Essa é minha pequena coleção particular. Por favor, sem algemas, eu não vou tentar fugir.
Ele a encarou, um olhar severo.
– Já seria difícil você ter algum dia de liberdade pela frente sem isso. Depois de me mostrar isso, não vou me surpreender se te mandarem para a cadeira elétrica. Mas... Por que está me mostrando isso?
Ela suspirou.
– Acredite, é bem pior estar no Arkham junto com o Coringa, eu prefiro a cadeira elétrica. Eu simplesmente cansei dele e de fazer tudo o que ele manda. Acho que eu caí na real. Não quero mais matar pessoas.
Batman parecia uma estátua a sua frente, pensativo. Se uma desilusão fosse capaz de curar uma mente doente, Gotham seria um lugar muito melhor. Parecia um enorme desperdício que a jovem fosse mandada para a cadeira elétrica para morrer quando estava assim, se recuperando da violência e do assassinato. Porém, tinha que manter a ordem na cidade. Não poderia deixar um crime escapar, muito menos um grande como esse.
– Você quer morrer na cadeira elétrica porque não quer encarar a verdade de frente. Prefere morrer do que encarar o fato de que o Coringa é um psicopata que estava apenas te usando todo esse tempo. Que colecionava pessoas, como quem coleciona brinquedos, as vezes apenas pelo prazer de quebrá-los.
Ele empurrou a escultura a fechar a parede novamente.
– Todo o conteúdo dessa sala foi fotografado e registrado, mas não mostrarei a policia. Você será enquadrada por crimes de ter se aliado a criminosos, inclusive o Coringa, mas deixarei passar essa culpa de assassinato. Eu não estou te dando uma escolha fácil, ao contrario. A partir de agora, você vai deixar sua antiga vida para trás. Compensar o que fez. Vai mudar verdadeiramente. Em ultimo caso, se tiver uma recaída, não mostrarei mais misericórdia e a encararei como qualquer inimigo meu. Qualquer inimigo de Gotham.
A garota manteve-se calada a ouvir cada palavra, absorvendo-as.
– Eu sei, estou pronta para isso.
– Muito bem, vamos.
Do lado de fora, nenhuma palavra foi dita sobre o ocorrido, ambos se aproximaram do rapaz que se mantinha encostado no carro e com a aproximação, o morcego apenas lhe disse uma frase.
– Desencoste, a pintura é nova.
– Como quiser, La Batte. E ela?
– Quer se despedir dele? – Indagou à ruiva.
Ela assentiu.
– Você tem cinco minutos.
– Podem tirar ele do carro? – Disse com som de piada e recebeu de volta o olhar sério.
– Sua despedida foi essa piada?
– Não, desculpe.
– Dê um desconto, ela aspirou muito gás, deve ser algum efeito colateral.
Ela riu e suspirou, aproximando-se do moreno encostado ao carro.
– Então... Swashrose... Obrigada.
– Por nada. Foi um prazer dançar com você esses três dias seguidos. – Ele segurou a mão da garota e a beijou. – Mademoiselle.
– Acho que vou fechar a boate por uns tempos... Então... Não vamos nos ver mais.
– Tenho minhas dúvidas quanto a isso. Mas tenho certeza que ainda dividiremos um drinque novamente, como da primeira vez que dançamos.
Ela assentiu a observá-lo, em silêncio por poucos segundos.
– Espero que cuidem bem dele, apesar de tudo. Ele é doente. – Suspirou a observar o carro com as portas de trás fechadas. – Bem, estou atrasando vocês. Nos vemos por aí.
Ela se aproximou, somente o suficiente, uma pequena distancia e lhe tocou os lábios com os próprios num selo que durou poucos segundos. O rapaz arregalou os olhos, surpreso com o beijo e ponderou ao vê-la se virar, porém a puxou antes que fosse, ele retirou a máscara, mostrando o rosto a ela e novamente os lábios se encontraram num beijo pouco mais intenso. Ela fechou os olhos, apreciando a sensação sutil de ansiedade por alguns segundos, sentia-se uma adolescente que acabara de dar o primeiro beijo, a que ponto havia chegado, afinal. Ao afastar-se apenas sorriu a ele.
– Sempre soube que era você.
– Não encontram-se muitos franceses nessa cidade...
– Só dois, um mocinho e uma psicótica.
– Contanto que não corte a minha cabeça, eu posso viver com isso.
– Não vou cortar a cabeça de mais ninguém.
– Isso me deixa mais tranquilo, mas o olhar que o Batman está lançando para nós não.
Ela desviou o olhar ao mais alto, próximo de ambos.
– Ah, me desculpe. Eu só estava... Me despedindo.
– Eu entendo. Podemos ir?
– Antes de ir, tome. – Ele retirou uma rosa vermelha de sua roupa e entregou a ela. – É hora se sair da toca do coelho.
Ela sorriu e pegou a rosa.
– Obrigada. Que bom que é vermelha, se não eu teria de pintá-la. – Riu. – Até logo, Swash.
Ela entrou no carro, acompanhava do grande morcego e defensor de Gotham, iria direto para a cadeia onde talvez passaria o resto da própria vida. Algo podia piorar? Muita coisa ainda podia piorar. Quanto ao rapaz, ele sabia que ia demorar para vê-la novamente. Nem sabia se criminosas como ela poderiam receber visitas. Mas de uma coisa estava certo, as coisas não poderiam acabar assim.


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Notas finais do capítulo

Queria agradecer ao Shyon e ao Sortudo pela ajuda a escrever esse capítulo.
Ninguém poderia descrever melhor o Coringa em algumas situações do que você, Sortudo! Muito menos planejar algo assim. ♥



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