A Rainha de Copas escrita por Kaya Terachi


Capítulo 19
O último encontro.




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O pior bairro de Gotham e também o mais obscuro. Mesmo assim, a rua estava tranquila naquela noite, não havia tantos saques quanto o habitual, nem tantos sequestros, mortes, era como se Gotham estivesse em paz e até a luz cheia corria lenta e tranquilamente pelo céu, as vezes até se escondia preguiçosa atrás de uma ou outra nuvem, deixando com que a noite cobrisse os prédios como um manto de seda negra. O taxi parou em frente a um prédio há muito abandonado, um prédio que antes costumava ser a moradia de muitas pessoas, que sem ter condições de encontrar um lugar melhor, optavam por viver em meio ao crime, para essas pessoas a meta de seu dia era apenas sobreviver e nada mais. Mas aquele prédio havia sido algo mais, havia sido um refugio para um dos maiores criminosos de todos os tempos, embora ninguém soubesse.
A garota tirou do bolso uma quantia qualquer em dinheiro, e nem se importou em contar antes de entregá-la ao taxista, tendo pressa em sair daquele carro o quanto antes, ainda carregava esperanças dentro de si, dessa vez sobre algo novo, algo que prezava bem mais do que um simples amor não correspondido.
- Não se demore por aí moça, logo logo vai chover.
- Obrigada, mas tenho uma coisa importante pra fazer aqui.
- Infelizmente não posso esperá-la, não gosto dessa parte de Gotham, é muito perigosa a noite. Caso queira que eu venha buscá-la basta ligar para este telefone. – Ele disse a lhe entregar um cartão.
- Certo, obrigada...
Ela guardou o cartão no bolso e virou-se, observando o prédio que um dia fora tão lindo e agora jazia em ruínas, o taxi já fazia a volta na rua quando ela caminhou em direção à entrada escura.
- ... Mas eu acho que quando eu entrar aqui, nunca mais vou sair.
Assim que a porta do prédio rangeu e se fechou num estrondo a ruiva não pensou duas vezes e se pôs a correr escada acima, seu destino, era o último andar. Ao chegar, havia somente duas portas, ao contrário dos outros andares que tinham três ou mais, este andar só sustentava um apartamento e a outra porta era o terraço. Ela caminhou, passos lentos até alcançar a maçaneta da porta que dava vista para toda Gotham, porém parou ali e permaneceu alguns instantes em silencio, pensativa. Se entrasse, o que poderia encontrar? O que iria fazer? Precisava de uma arma, um plano, alguma coisa para se manter em pé, por um momento se afastou da maçaneta e pensou em ir embora, virou-se e deu alguns passos para trás, não, não poderia vê-lo novamente, não aguentaria, ela sabia que a própria sanidade estaria perdida assim que o visse, preferia sofrer a vida toda imaginando como seria, ao invés de tentar. Estava decidido, não voltaria até aquele lugar novamente, porém antes que pudesse chegar á escada algo chamou sua atenção.
Na porta ao lado da escada, onde ficava a passagem para o último apartamento era feita de madeira já gasta, e ela se pôs a olhar a mesma por alguns instantes, não estava ficando louca, ouvira algo lá dentro. Ela refez os passos e seguiu até a porta, aproximando o ouvido da mesma para que pudesse ouvir o que havia atrás, porém só recebeu o silencio. Quando se afastou, novamente desistindo de uma tentativa, outro barulho alto se fez ouvir lá dentro, tinha alguém lá! Ela girou a maçaneta e empurrou a porta, procurando por alguém a vista, porém estava tudo muito escuro para processar alguma coisa, e até sua vista se acostumar, se alguém lá dentro quisesse fazer mal a ela já estaria morta, então pôs-se a tatear a parede a procura de um interruptor, porém nada parecia achar, até que um barulho sutil fora feito no local, e a pouca luz iluminou toda a sala.
A Luz vinha de um abajur ao canto, próximo a um sofá e ao se virar para observar o local, a garota reconheceu o sorriso único que fazia tantos anos que não via. A única diferença agora era o sentimento que ela tinha a respeito desse sorriso, queria rasgar a boca dele para que ele sorrisse com alguma razão todo o tempo. Ele se levantou e caminhou em direção a ela, porém mal fez metade do caminho e parou, porque percebeu que a garota o fitava com um olhar ameaçador que nunca havia visto antes vindo dela.
- Angelique! Que prazer em vê-la.
- Prazer? Prazer é o que eu vou ter quando te matar e sentir o seu sangue escorrer pelas minhas mãos.
Ele riu, se divertindo com a situação – como de costume.
- Você acha que pode me matar?
- Eu não acho, eu vou te matar.
- E você veio até aqui esta noite, sozinha, arriscando sua vida, só pra tentar me matar? Não tinha nada melhor pra fazer?
- Você não sabe, o quanto eu te procurei, seu maldito. Eu te procurei em cada canto dessa cidade imunda, procurei você vivo, sua carcaça, pedaços que me levassem a você, mas você simplesmente desapareceu.
- Procurou tanto e não se lembrou do único lugar onde eu poderia estar. É, realmente é uma teoria que funciona. Onde se esconder? Na sua própria casa, afinal, é tão obvio que ninguém vai pensar em procurar.
- Chega, seu cretino. Chega de piadas, eu estou farta desse seu senso de humor medíocre.
- Está aí uma coisa que eu nunca achei que ia ouvir de você, minha querida. – Ele sorriu. – Você continua um doce quando está com raiva. Vem cá me dar um abraço.
Ele abriu os braços e ela se enfureceu, queria retalhar a cada dele, cortá-lo em mil pedaços e era isso que faria, num movimento rápido ela correu até ele e se jogou sobre seu corpo, derrubando-o no chão. Ele a observou a riu, ainda mais ao senti-la prender as mãos dele contra o chão, na altura de sua cabeça.
- Ah Angel, quer fazer aqui na sala mesmo? Por que não vamos para o quarto? Você sempre foi minha vadia.
Ela soltou uma das mãos dele e num movimento rápido acertou seu rosto com um soco, e embora ele tenha rido, ela sabia que havia doido, porque a mão latejava e havia cortado seu lábio superior.
- Belo soco querida, mas você não poderia me matar, você ainda me ama.
- Seu maldito, onde estão os meus filhos?!
Ela gritou e outro soco desferiu contra a face dele, e dessa vez pôde ver o sangue dele escorrer pelo canto dos lábios, é claro que ele achava tudo isso muito divertido, pois nem pensava em revidá-la.
- São meus filhos também, Angie. Tenho direito de ficar com eles, não acha? Foi só um fim de semana prolongado.
- Seis anos! SEIS MALDITOS ANOS!
Mais um soco, mais sangue e mais risadas.
- Onde você os escondeu seu desgraçado?!
- Onde os escondi? Acho que eles não cabem no meu bolso...
Antes que ele pudesse terminar a frase mais um soco lhe foi dado.
- Eu cansei de brincar. – Ela disse e puxou de seu bolso e faca bem afiada que carregava consigo, havia colocado a mesma no bolso caso tivesse chance de ver Arlequina, já estava planejando uma morte naquele dia, então por que não a dele? – Fala ou eu te mato agora mesmo!
- Anda brincando com facas é? Você não tem idade pra isso criança.
Coringa parecia despreocupado como sempre, ele não temia a morte, muito menos sua própria cria. Sabia do que ela era capaz, mas também sabia, que ela já havia o ameaçado milhares de vezes antes, sem coragem para terminar tudo.
Ela ergueu a faca e levou contra o pescoço dele, roçando a lâmina na pele.
- Sua ultima chance, Coringa.
- E o que vai fazer? Arrancar minha cabeça e colocar de troféu na sua boate como fez tantas vezes?
- Ah, eu adoraria... Mas tem algo seu que eu sempre quis mais do que a sua cabeça.
Ele riu antes que pudesse responder, mantendo suas mãos contra o chão.
- Não é obvio? Eu não os escondi em lugar algum. Assim que as tirei de você eu fugi de Gotham, levei-as comigo, por alguns instantes eu não quis matá-las, mas aí uma delas começou a chorar e eu me irritei, não tenho tempo pra cuidar de crianças afinal, Gotham precisa de mim, também não tenho cara de babá. Então achei divertido ver em quanto tempo elas morriam afogados, pelo menos em baixo d’água eles parariam de chorar.
O Sorriso surgiu nos lábios dele, típico e ela sabia que era bem provável que estivesse mentindo. Mas ao ouvi-lo daquele modo, como se nada fosse, como se fosse muito fácil simplesmente matar uma parte de si, ela não pode conter a própria insanidade.
Uma das mãos dela deslizou pelo corpo dele até um ponto especifico de seu peito, sentindo sua respiração, ah e iria tirá-la, seria a última vez que o sentiria assim tão próximo de si, a última vez que o veria sorrir, o último encontro que teria com ele. Ela não tirou tempo algum para pensar em qualquer consequência, antes que desse por si, já havia fincado a faca no peito do homem que um dia amou, deitado abaixo de si.
Ao invés de se surpreender, ele riu, alto e descontroladamente como era de seu costume, uma ultima risada antes de seu fim, talvez você pense que ele não devia ter subestimado a garota, mas em nenhum momento ele havia feito isso. Ele sabia, em seu intimo que ela era sua maior e única piada, a as melhores piadas sempre tem efeitos mortais. Ele a criara sabendo que um dia, ela o mataria e seria a única que podia fazê-lo, por vingança, por ódio, ou até mesmo por amor, não importava, o que importava é que havia cumprido sua missão, e agora podia morrer de rir com sua maior e incrível piada mortal.
A ruiva não se deixou intimidar pelo riso alto dele, já não pensava mais logicamente. A faca perfurou o peito do outro, diversas vezes, fazendo jorrar sangue pela sala e sujando suas roupas. Nem um suspiro escapou de seus lábios. A faca foi fincada a ultima vez, e puxada com toda a força que ela pode, abrindo um buraco em seu peito, e o que pensava estar vazio, na verdade não estava. Ela fez uma pequena pausa para se recuperar dos soluços de seu choro, retomando o ar, e até então não havia percebido que chorava, só notara quando sua vista ficou tão embaçada que já não podia mais ver nitidamente o que fazia. Uma das mãos foi lentamente até o local onde estava o coração dele, onde havia esfaqueado tantas vezes e o puxou com toda a força que ainda tinha para fora, observando-o por alguns segundos, recuperando a respiração perdida e só então ela soltou a faca ao lado de seu corpo morto, as mãos estavam tremulas, quase não conseguiam segurar o órgão entre as mesmas, o choro se tornou ainda mais evidente, e mais soluços vieram. Ela se debruçou contra o corpo dele, aninhando-se em seu peito, agora vazio e oco, morto como palavras que se perderam no ar há muito tempo, como lembranças que a muito haviam deixado a ela, como o passado, que mesmo em silêncio, ainda incomodava.
Ela fitou a face dele, o sorriso permanente que agora parecia não fazer mais sentido e por um momento pensou que seu choro era alto o suficiente para que todos da cidade pudessem ouvir, mas ela mesma não podia, parecia abafado como se estivesse sumindo em sua cabeça, como se ela mesma houvesse perdido uma parte de si ao matá-lo.
- Finalmente... Finalmente eu tenho o seu coração.
Os olhos dela se fecharam aos poucos, e ela manteve o órgão morto firme em suas mãos, porém os sons ficaram cada vez mais confusos, os carros lá fora, e até mesmo a chuva que caía dos céus, talvez fossem lágrimas, pensou, e fora a ultima coisa que pôde pensar antes que o torpor a tomasse e tirasse sua consciência. Parecia sozinha e solitária, como se ninguém pudesse tocá-la naquele momento, ninguém pudesse vê-la, mas das sombras, duas figuras a observavam.
 


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Notas finais do capítulo

"Eu tenho em mim um amor que você mal pode imaginar e um ódio que você não poderia acreditar. Se não puder satisfazer o primeiro, cederei ao segundo" - Silent Hill: Downpour



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