A Rainha de Copas escrita por Kaya Terachi


Capítulo 11
Vamos pintar assim, a rosa cor de carmim.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/345004/chapter/11

A garota riu, estava deitada no chão da sala de estar, grande, espaçosa, coberta pelo espesso tapete branco de pele, ah e como gostava daquele tapete em especial, era o seu favorito. Entre as mãos, tinha um livro de histórias, cuja capa estava gravada com letras grandes e garrafais: Alice no País das Maravilhas.
Ela não tinha tamanho para ser uma rainha, sempre pensava, e não gostava muito da Alice, achava ela uma garota enxerida, que iria acabar se dando mal alguma hora, e ficaria sem voltar para casa. E ainda perderia a hora do chá, pois sim. Sua família guardava a anos as tradições francesas, mas ela aguardava ansiosa sempre que o relógio dava as quatro da tarde. “Hora do chá!” ela dizia para sua mãe.
Em seus oito anos, ela se esforçava para aprender as palavras complicadas do livro escrito em francês, e até achava engraçado o modo como Alice tentava falar algumas palavras em sua língua, afinal, sabia que para pessoas de outros países, o francês devia ser uma língua complicada.
– Mamãe!
Ela disse a se levantar, carregando o livro consigo até o sofá branco da sala de estar, onde se sentou ao lado de sua mãe que distraída fazia seu tricô, uma espécie de um cachecol, ou algo do tipo, era um passatempo dela a anos. A mulher ruiva era calma e serena, não tinha qualquer traço de preocupação em sua face quando estava com sua tão amada filha e futura herdeira de sua fortuna, se assim chegasse a ser. Os olhos verdes observaram a garota, atenciosos a demonstração do enorme sorriso do gato estampado na página do livro.
– Sim, minha Angie.
– Ele tem um sorriso lindo! É um dos meus favoritos.
– Sim, ele tem. Mas ainda me é estranho que um gato possa sorrir assim. – Ela disse num risinho baixo.
Angelique desviou o olhar para o livro e tentou um sorriso igual ao do gato, porém sem muito sucesso.
– Se um dia eu conhecer um homem com um sorriso tão lindo quanto o dele, eu me caso com ele!



Toc toc toc. Foram as simples batidas na porta, que soaram sutis dentro do quarto, interrompendo um pensamento consigo mesma, ou talvez a acordando de um sono leve, a garota estava deitada na cama, coberta com os grossos e macios cobertores e segurava em sua mão um livro de contos infantis, cujo nome estava escrito com letras douradas na capa “Alice no país das maravilhas”.
– Está lendo sua história, Angel? – Ele riu a se aproximar dela, Bruce trazia em suas mãos a bandeja contendo o prato de sopa, algo simples, mas agradável naquela manhã tão fria.
– Eu apenas estava me perguntando... Por que eles sempre fazem a rainha vermelha tão feia? Quando não é gorda, não chama atenção alguma. Eu acho que ela deveria ser uma mulher forte e bonita.
– Como você?
Ela arqueou uma das sobrancelhas.
– Está ficando bom em cantadas, cuidado, posso roubar seu coração.
Ele riu novamente, deixando a bandeja ao seu lado, na pequena mesa de cabeceira.
– Não duvido, fez até o vilão mais insano se apaixonar por você.
O pequeno sorriso nos lábios dela sumiu aos poucos, devagar, como um encanto perdido, voltando o olhar à grande imagem no livro, do enorme sorriso do gato de Cheshire.
– Ele nunca me amou.
O rapaz sentou-se na poltrona ao lado dela, apreensivo e apenas sorriu, era melhor do que comentar sobre o assunto.
– Bem, eu trouxe sopa. Acho que deve estar com frio, então... É bom pra aquecer.
– Foi você que fez? – Ela disse a pegar a bandeja com cuidado, experimentando a comida.
– Gostaria de poder dizer que sim.
Ela riu.
– Agradeça ao Alfred depois. É esse o nome dele, não é?
– Sim, acho que já se encontrou com ele.
– Foi ele que me trouxe o livro.
– Ele deve ter achado irônico.
– E é. Eu lia essa história quando era pequena.
– É uma história realmente maravilhosa. Eu gosto quando Alice encontra o chapeleiro maluco. - Ele sorriu a observá-la.
– Gosto de chapeleiros malucos, aliás, gosto de malucos. Nesse mundo louco em que vivemos, ao menos temos algumas pessoas que nos fazem rir, não é mesmo?
– Quando não causam problemas, sim. Quer saber, senhorita L’Croix?
– Angelique, por favor.
– Certo, Angelique...
– Eu também gosto de Angel, como me chamou a pouco. – Ela sorriu.
– Angel. – Ele riu baixo. – Eu não vejo motivos para que queiram te jogar no Arkham ou no Black Gate.
Por um instante, ela parou, observando a sopa, pensativa talvez.
– Acho que o fato de eu o amar, já é motivo suficiente para me jogarem no Arkham.
– Não se culpe tanto. Dizem que o amor é a dor da alma.
– Eu não discordo. – A garota suspirou.
– Eu vim apenas para saber se estava bem, se precisava de alguma coisa, aliás, tem sentido mais alguma coisa proveniente da intoxicação?
– Só tenho uma certa dificuldade pra respirar... Mas, dura pouco tempo.
– Quer que eu chame uma enfermeira para cuidar de você?
– Por deus, não! Assim eu pareço mesmo uma inválida. Bruce, eu quero saber... Me tirou da prisão e me trouxe pra cá, está cuidando de mim, me tratando como se eu fosse da sua família. Por que está fazendo isso?
– Pelo mesmo motivo que lhe disse agora pouco. Não acho que mereça uma cela no Arkham. Você não é louca. E até porque... Quando eu era pequeno, eu perdi os meus pais, assim como você perdeu os seus, sei como é difícil, e não gostaria que os seus filhos perdessem a mãe e fossem entregues a algum tipo de instituição. Sei que você seria capaz de amá-los, apesar de tudo, ou estou errado?
– Eu... Já os amo. Fazem parte de mim, como eu poderia não amar?
– Isso me deixa feliz, mostra que eu não errei sobre você.
Ela sorriu, satisfeita.
– Bem... – Ele disse a se levantar. – Vou te deixar comer. Mais tarde eu venho buscá-la. Adoraria lhe mostrar a mansão, e algo me diz que vai adorar conhecer o jardim.
– Um jardim?! Mas é claro! Você tem rosas vermelhas?!
– Só brancas.
– Pois então, pinte-as!



– É, parece que não vai ser hoje que eu vou te mostrar as rosas.
Disse Bruce a entrar no quarto, depois de uma longa meia hora. A garota já havia terminado a comida, e Alfred já havia feito uma visita a ela para perguntar se precisava de algo, porém, ela disse que não e apenas continuou lendo. Novamente a atenção do livro era tomada pelo rapaz à frente.
– Por que não?
– A psiquiatra do Arkham está aqui.
– O que? Psiquiatra? Mas... Por que?
– Não se preocupe, Gordon disse que a deixaria ficar aqui se recebesse a visita dela para lhe dar um diagnóstico.
– Eu vou ter que falar do meu passado...?
– Provavelmente, e eu sinto muito por isso.
– Certo. – Suspirou. – Preciso me levantar?
– Não, vou trazê-la até o quarto.
– Bem, se não se importa, eu gostaria de ir até a sala, estou deplorável assim.
– Ora, Angel, ela é uma psiquiatra, não uma estilista de moda. – Ele riu. – Mas se é o que quer, não há problema. Quer ajuda para se vestir?
– Não, eu... Posso fazer isso sozinha, obrigada.
– Certo, vou pedir que ela espere você no andar de baixo. Ah sim, uma tal de Vanity trouxe as suas roupas, mas eu tomei a liberdade de comprar algumas roupas mais soltas para a gravidez, se não se importar, estão no armário, pode escolher o que quiser e vestir.
– Ah... Obrigada.
Ele sorriu e seguiu em direção a porta, fechando-a assim que se pôs ao lado de fora do quarto. A ruiva se levantou, devagar a sentir o corpo fraco, quase não podia se manter em pé, e já começava a sentir o peso da gravidez se mostrar com sua pequena barriga dos três meses, perguntou-se mudamente sobre o que faria para melhorar, se é que melhoraria, tinha a grande possibilidade de seus filhos nascerem e ela acabar morrendo, ou pior, poderia ocorrer o contrário. De alguma maneira, como dito para Bruce, ela já os amava. Tinha um carinho enorme por aqueles pequenos pedacinhos de vida crescendo em seu ventre.
Ela abriu o guarda roupa e dele retirou um vestido negro, era uma das únicas cores que possuía em seu armário afinal, preto e vermelho. Ao vesti-lo, vestiu também uma meia calça da mesma cor, grossa para evitar o frio, e tomou a liberdade de escolher um casaco que Bruce havia comprado para ela, um casaco comprido e preto, com algum tipo de pele branca nas mangas e na gola, era confortável e quente, aconchegante, então seria aquele mesmo, vestindo por ultimo o par de sapatos brancos, semelhantes a sapatos de boneca.
Ao abrir a porta do quarto, encontrou o mordomo parado a observá-la, contendo na face, a expressão de reprovação.
– O que foi, Alfred?
– A senhorita não deveria estar andando pela casa. Sabe muito bem que seu corpo está fraco, pode ter um aborto a qualquer momento se ficar assim.
– Mas só irei até a sala.
– Desculpe, madame, são ordens do patrão Bruce.
Ela suspirou e estreitou os olhos, aborrecida, caminhando a se sentar sobre a cadeira de rodas.
– Como a senhorita está se sentindo hoje?
– Melhor. Me diga, Alfred, como vou descer a escada assim?
Ele riu.
– Não se preocupe, eu a ajudo.
No andar de baixo, Bruce já havia conduzido a doutora até a sala de estar, havia lhe perguntado se gostaria de beber ou comer algo, mas aparentemente ela apenas recusou a qualquer coisa oferecida. Dizia a ele que não poderia comer em serviço, mas que talvez aceitasse um copo d’água. A doutora era uma mulher muito bonita, tinha cabelos castanhos e compridos, presos num rabo de cavalo, e tinha sobre os olhos castanhos, os óculos.
Quando a garota chegou na sala, trazida pelo mordomo e sentada na cadeira de rodas, a doutora estranhou, porém nada disse, haviam lhe dito que ela estava mal, mas não disseram tanto assim. A ruiva tinha os olhos fundos, como se fossem inúmeras olheiras por noites mal dormidas ou repletas de pesadelos, talvez pelas drogas que era obrigada a tomar para diminuir o nível de intoxicação. A pele era tão branca e tão frágil que parecia uma folha de papel simples de ser rasgada. Ela se levantou devagar da cadeira e sentou-se no sofá, abrindo um pequeno sorriso à doutora a frente.
– Boa tarde, doutora.
– Boa tarde, Angelique. Eu me chamo Sophie. Sou a psiquiatra enviada do Arkham para fazer uma análise sua.
– Estou ciente, doutora, pode continuar.
– Bem, você está na casa do senhor Bruce em seu período de recuperação, mas era para ter sido internada no Arkham, ou até mesmo no Black Gate caso a sua mente não fosse considerada perigosa. Embora pelos crimes cometidos junto ao Coringa, a senhorita tenha mais o perfil de prisioneira do Arkham.
– Sim, continue.
– Então, se não se importa, vou tratá-la como uma de minhas pacientes no Arkham. Eu vou usar o gravador para gravar as nossas conversas. É apenas pelo protocolo, a senhora não me parece nem um pouco louca, senhorita L’Croix.
A ruiva assentiu.
– Já ouviu dizer que os que menos parecem loucos, são os que realmente são?
A doutora riu, sutilmente.
– Tem razão.
Ela disse a ajeitar sobre a mesa de centro o pequeno gravador e em sua prancheta anotou algo qualquer referente à sua nova paciente.
– Apenas quero tirar algumas dúvidas com você. Vejo que não foi preenchido sua idade na lista, se importaria de me informar?
– Não se pergunta a idade de uma dama, senhorita Sophie.
Ela riu, sutil a observar a ruiva que suspirou.
– Tenho vinte.
– Vinte? Nossa... Você é bem nova não é?
– Sim, eu sou.
– Só uma curiosidade, está grávida de quantos meses?
– Três.
– Três? Ainda é pouco, mas, espero que seus filhos nasçam saudáveis. – Ela sorriu de modo sincero.
– Vou cuidar para que isso ocorra, muito obrigada.
– Bem, sem mais delongas... Vamos começar.
A doutora aproximou-se do gravador e apertou um botão.
– Fita de entrevista ao paciente. O nome da paciente é Angelique L’Croix, na sala está somente ela e eu, dra. Collins. Bem, Angelique, me diga um pouco sobre a sua convivência com o Coringa.
– O Coringa? Bem... Terei de lhe dizer o óbvio doutora, ele era louco.
– Isso nós já sabemos, mas... Como era a convivência de vocês? Se viam com frequência?
– Não, ele ia a minha boate quando sentia minha falta, ou quando precisava de um local para ficar por poucos dias.
– Entendi. Mas, quando o conheceu?
– Eu era pequena. A casa dos meus pais pegou fogo e ele me pegou na rua, vem cuidando de mim desde pequena.
– Não parece algo do feitio dele.
– Sim, eu também acho, mas ele foi um bom pai apesar de tudo.
– Mas pelo que eu saiba, vocês mantinham uma relação de um casal, e não de pai e filha, não é mesmo?
– Sim, é verdade, ele é pai dos dois filhos que carrego.
– Entendo. Vocês tiveram uma briga, não é?
– Uma briga? – Ela riu. – Doutora, ele me amarrou em cima de um andaime num aquário cheio de focas famintas. E... Foi ele quem ateou fogo na minha antiga casa em Paris.
– Eu compreendo, então deve sentir muita raiva dele. Consegue descrever os sentimentos por ele nesse instante?
Ela suspirou a observar a doutora e logo o chão, tentando buscar palavras.
– Não tenho palavras para descrever os meus sentimentos por ele... Embora eu esteja sentindo nesses últimos dias um misto de raiva e ódio pelas coisas que ele fez para mim, não consigo realmente odiá-lo. Ele já foi muito bom pra mim, apesar de tudo. Ele me fazia bem, me fazia feliz. A verdade... É que mesmo depois de tantas atrocidades e desespero que ele me fez passar, eu ainda o amo, mas como disse a ele antes de perdê-lo de vista na ultima vez, sei que ele nunca vai me amar, e tenho que aceitar isso, ele jamais teve plena lucidez do que fazia afinal de contas, ele gosta de enganar, de fazer sofrer, de matar. Eu tinha esperança de que ele gostasse de mim, pelo menos um pouco, ou do jeito dele.
– Certo... E qual é o seu sentimento no momento a respeito dos seus filhos, sabendo que ele é o pai deles? Sente raiva deles também?
– No inicio achei que eu deveria, mas são apenas crianças, como podem ter culpa pelas imbecilidades que o pai deles fez? E bem, se eles nascerem com um sorriso tão lindo quanto o do pai, isso me faria realmente feliz. Mas vou educá-los para que se tornem crianças boas, para que não saibam desse mundo horrível que há a volta deles, para que eles não tenham raiva de seu passado, como eu tenho do meu.
– Em outras palavras, está dizendo que se cansou do crime e quer uma vida normal e comum como a das outras pessoas?
– Sim. Eu quero poder cuidar dos meus filhos. Quando pensei sobre eles, vi que não daria mais para continuar uma vida do crime assim, até porque, sem o Coringa ela não tem mais sentido. Eu só espero do fundo do meu coração que o comissário Gordon possa perceber os meus sentimentos e não seja um monstro e tente tirar os meus filhos de mim.
A doutora sorriu e esticou-se a desligar o gravador.
– Não se preocupe, senhorita L’Croix. Com sua aparente recuperação tão rápida, duvido muito que alguém ainda vá querer lhe enviar para o Arkham, mas eu acredito que tenha uma fiança muito cara e algumas visitas minhas no seu dia a dia. Afinal, o que seria de Gotham se os criminosos não pagassem por seus crimes?
– Está certa, Sophie.
– Você me parece ser uma pessoa boa, eu espero que fique bem e dê tudo certo.
– Bem, já me falaram isso antes e eu acabei na cama de um hospital. – Ela riu.
– Bem, então vou guardar minhas palavras.
A doutora ajeitou as coisas dentro da grande bolsa preta que carregava com os materiais do Arkham e levantou-se. A ruiva apoiou-se com dificuldade no sofá e levantou-se devagar.
– Até uma próxima vez, senhorita L’Croix.
– Por favor, me chame de Angelique. Não é necessário toda essa formalidade enquanto não estivermos sendo gravadas, não é?
A morena assentiu e lhe estendeu a mão em despedida, a ruiva esticou a mão para cumprimentá-la, porém antes que pudesse lhe segurar a mão, foi forçada a levar a mão os lábios e tossiu algumas vezes. Livre da tosse, a garota desviou o olhar a mão ao perceber que tinha algo errado, e era realmente o que pensava, a pele branca estava pintada de sangue. Ela arregalou os olhos, num sobressalto pelo liquido rubro e a doutora fez o mesmo, extática a observar o sangue sobre a mão da garota.
– Senhor Wayne! – Ela gritou.
Bruce estava no jardim, acompanhado de Alfred, mas pôde ouvir o grito alto e estupefato da moça. Ele se levantou da mesa branca ali e correu para dentro, acompanhado do mordomo. Angelique estava parada na sala, os olhos arregalados e presos ao sangue, não podia dizer nada, e nem conseguiria, não houve muito tempo para pensar, ela apenas desmaiou, caindo sobre o sofá logo atrás dela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Rainha de Copas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.