- Jess. Jess. – Uma voz me chamava a distância.

- Hmmm. – Foi o melhor que pude fazer para responder.

- Jess. Estamos atrasados. – A voz disse. – E você não pode chegar atrasada mais.

- Tá. – Falei de olhos fechados. Tentando expulsar a voz.

- Guria, levanta logo.

Abri os olhos e dei de cara com Colin.

- Eu te odeio. – Falei com um bocejo.  

- Vai me amar quando chegarmos à escola e o portão ainda estiver aberto.

Ele viu que eu não ia me mexer por isso foi até meu guarda-roupa e pegou minha blusa de uniforme e uma calça qualquer e jogou em cima de mim.

-Hoje é o dia que começaremos a ensaiar para a peça da escola. – Ele disse me puxando.

- Cara, eu tava tendo um sonho bom e você arruinou tudo. – Falei com raiva.

- Jess, você tem que ver para qual papel você foi escolhida.

- Já sei, eu serei a árvore.

Ele me puxou mais forte. Fui obrigada a me levantar.

- Estou praticamente sem roupa, seu idiota. Feche os olhos. – Gritei.

Mas ele já estava fora do quarto a essa altura.

Vesti-me correndo. Apenas escovei os dentes e desci as escadas encarando um Colin sorridente lá embaixo.

- Tomara que você fique com um papel bem ruim. – Falei apesar de saber que ele seria o principal.

- Tomara que você seja a principal. – Ele disse sorrindo.

...

- Sei que todos estão ansiosos para saber quais os personagens que irão interpretar. – Falou a professora de Artes Cênicas. A peça era basicamente um clichê. A mocinha, que era basicamente uma pessoa sem personalidade, se apaixonava pelo cara mais bonito do bairro. E é claro que o cara se apaixonava por ela. Claro. Eu tinha certeza que a Lolla seria a Clary e o Colin seria o Marcus, a mocinha e o cara bonito consequentemente.

- Foi decidido que a Clary será a Lolla. – A Lolla deu um gritinho de felicidade e comemorou com as amigas.

- Colin será o Marcus. – Disse a professora. Olhei para Colin como quem diz Eu sabia.

- Vanessa será a July. – Vanessa era uma amiga da Lolla. July é a personagem que é a namorada do Marcus antes que ele conheça Clary e se apaixone loucamente e incondicionalmente por ela.

A professora continuou falando sobre os outros personagens. Eu fiquei com a parte do figurino, porque eu me esforcei ao máximo para ser uma péssima atriz durante os testes. E consegui. O que significa que eu sou uma ótima atriz.  

O sinal bateu e eu e Colin fomos para o refeitório onde Mike, Thomas e Evan esperavam por nós. Antes de chegar à mesa perguntei para Colin:

- Você e Evan já se acertaram?

- Sim. – Ele sorriu. – Ele estava certo. Fui um idiota mesmo. – Ele pegou minha mão direita.

- Foi? – Ergui uma sobrancelha.

Ele só sorriu.

Chegamos à mesa e Thomas e Mike nos olharam com curiosidade.

- Vocês dois estão diferentes. – Mike disse com a testa franzida.

- Diferente? – Perguntei imitando sua expressão.

- Diferente? Mas eles estão absolutamente normais. – Evan disse se inclinando sobre a mesa.

- Conhecemos esses dois há muito tempo, cara. – Thomas disse sorrindo.

- Vocês estão ficando loucos. – Colin falou.

- Exatamente. – Eu disse desconfiada. Ignorei esse fato e perguntei: - Adivinha quem é o Marcus na peça?

- Grande novidade. – Disse Mike rindo.

- Aposto que a Lolla vai ser a linda e doce Clary. – Thomas falou piscando com meiguice. 

- Parabéns, Colin. – Disse Evan.

- Obrigada. – Colin falou rapidamente.

- Que tipo de árvore você vai ser esse ano, Jess? – Mike perguntou e começou a rir. Thomas o acompanhou.

- Aquela que tem vontade de te matar. – Falei rindo também.

- Jess, você vai me ajudar com as falas. – Colin disse.

- Claro. – Suspirei.

Desde que eu estudo aqui o ritual da peça existe. Não era uma peça normal. Porque todas as outras peças levavam várias semanas de preparação, mas já a da nossa escola era uma semana para produzir tudo. Tudo mesmo. Eles sempre davam os papéis na primeira sexta feira do mês, hoje no caso. E sexta feira que vem seria a apresentação. A semana na escola seria uma loucura. Mas eu já estava acostumada e era até divertido. Mas eu estava com um pouco de dó do Colin, pois o roteiro era grande. Espero que ele consiga decorar tudo.

- Vish, olha quem vem ali. – Disse Evan fazendo um movimento com a cabeça em direção a alguém.

- Jess, comporte-se. – Mike falou segurando o riso.

Lolla se aproximou de nós. Pensei que ela iria ficar perto de Colin, mas ela fez questão de ir para o lado de Evan que estava de frente para mim.

- Olá, galera. – Ela disse naturalmente, como se fizesse isso todos os dias. Ela puxou uma cadeira e pôs a cadeira encostada na de Evan.

- Lolla, não posso ficar perto de você. – Falei tentando me acalmar. – O que significa que você também não pode ficar perto de mim.

Evan arregalou os olhos e se remexeu inquieto na cadeira enquanto Lolla tinha um sorriso malicioso no rosto.

- Vim em paz. Só vim perguntar ao Colin se ele vai querer ajuda com as falas.

- Não, obrigada. – Disse Colin sorrindo.

- Você vai precisar de ajuda, tolinho. Acho melhor que eu a ajude.

Mike deu uma cotovelada em Thomas e eles trocaram olhares assustados, depois Mike fez sinal de “Lá vem a professora”.

- A Jess vai me ajudar. – Colin disse no mesmo instante que a professora de artes havia chego à mesa.

- Jess e Lolla, preciso que vocês me acompanhem. – A professora falou com uma cara esquisita. Quer dizer, mais esquisita do que de costume.

- Mas eu não fiz nada dessa vez, eu juro. Ela que se sentou aqui. – Eu falei tentando me livrar dessa.

- Não é nada disso. – Ela pegou no meu ombro. – Vamos.

Eu e Lolla trocamos olhares confusos e seguimos a professora até a sala do diretor.

- Queridas, sentem-se, por favor.

Sentamos-nos lado a lado e ficamos em silêncio.

- Ok. Direto ao ponto então. – Ele cruzou os braços. – Jess, fiquei sabendo que você não gosta da peça da escola.

- Eu gosto. – Falei rápido.

- Ele está falando da sua ânsia de não querer participar como algum personagem. – A professora falou carrancuda. 

- Verdade. – Falei e abaixei a cabeça.

- Ótimo. – O diretor riu. – E Lolla, você adora isso tudo, não é mesmo?

- Sim, diretor. Serei uma ótima Clary. – Ela disse orgulhosa de si mesmo.

- Acho que não. – O diretor disse rindo ainda mais.

- O quê? – Lolla se levantou rapidamente e encarou o diretor.

- Você não foi punida pelo o que você fez com a Jess. E eu disse a Jess que eu ainda ia pensar em mais algo para puni-la pelo que fez com você. Portanto, Jess, você é a nova Clary.

- Não. Não. Não. Por favor. Não. – Eu supliquei.

- Era essa a reação que eu esperava. – Ele bateu palmas. – Agora vão que o sinal já bateu.

- Diretor, por favor. Você não pode fazer isso comigo. – Eu gritava desesperada.

- Jess, eu estou pegando leve. – Ele sorriu ainda mais. – Agora vá.

Sai da sala de boca aberta literalmente. Os garotos estavam me esperando do lado de fora. Eu os ignorei e fui para minha aula.

- Jess. Você está bem? – Perguntou alguém.

- Acho que ela está em estado de choque.

- Talvez devêssemos perguntar o que aconteceu a Lolla.

- Boa ideia. – Ouvi eles se afastarem e fui caminhando para a minha aula de português.

Sentei na última cadeira da primeira fileira e visualizei o script. Eram milhares de letras. Eu não iria conseguir decorar todas essas palavras.

 Logo Colin, Mike e Thomas chegaram. Eles se sentaram perto de mim.

- Que péssimo, Jess. – Mike disse.

- Nem me diga. Eu vou morrer. – Falei pondo o rosto entre as mãos.

- Mil e uma falas. – Thomas disse rindo. Eu o encarei. Olhei para Colin e ele sorriu sem graça.

- Podemos dar um jeito nisso. Só precisamos conversar com a professora.

- É. – Acalmei um pouco, pois eu sabia que a professora iria ouvir o Colin.   

- Será que o grupinho gostaria de compartilhar a conversa com a turma? – Perguntou a professora, como sempre.

- Não, obrigada. – Mike disse e virou para “prestar atenção” na aula.

Passei a aula toda pensando em possíveis doenças que eu poderia adquirir. De preferência doenças que acabasse com minha voz. Não tive muito êxito, até porque não conheço muitas doenças. Eu tentava bolar um plano, mas meu cérebro tinha pifado.  

A aula passou rápido, visto que me perdi em pensamentos. Lolla veio me entregar o script com uma cara de quem iria vomitar. Ela não disse nada, apenas entregou e saiu.

Eu e Colin fomos falar com a professora que disse que iria pensar em algo. Ótimo. Um problema a menos. Mas olhando para todas aquelas páginas eu já estava com preguiça de pensar em decorar milhões de falas.

- Vai dar tudo certo. – Colin havia dito.

É só uma peça, eu disse a mim mesma. Apenas controle-se e vai da tudo certo.

A professora fez questão de conversar a sós com Colin, o que me deixou preocupada. Mas Colin sabia se virar sozinho.

Fui em direção a saída, mas assim que cheguei lá me contive. Evan estava na calçada  conversando com uma mulher. Ele não parecia muito feliz com a conversa. Mas ela insistia em lançar sorrisos encantadores para ele. Ele me viu e me lançou um olhar preocupado enquanto dizia algo para a mulher. Depois sorriu. Ela percebeu que ele não estava olhando para ela e segui seu olhar e olhou para mim de modo que pude perceber que ela estava me avaliando. Ela sorriu e disse algo para Evan e veio em minha direção.

- Você é a Jess, suponho. – A linda mulher disse.

- Depende. – Falei estreitando os olhos.

- Jess, essa é Bianca. – Ele sorriu. – Ela é uma amiga da minha madrasta.

- Prazer em conhecê-la, Bianca. – Falei desconfiada.

- O prazer é todo meu. – Ela olhou para Evan com uma expressão preocupada. – Olha, não quero ofendê-la, mas nada do que eu pensei vai ficar bom nela.

- Você vai dar um jeito. – Evan disse reprimindo um sorriso.

- Com licença. – Falei ainda mais desconfiada. – Do que é que vocês estão falando?

- Ah, é porque minha madrasta fez questão de mandar fazer um vestido para você usar no dia da reuniãozinha. – Evan falou devagar, como se estivesse escolhendo, cuidadosamente, cada palavra.

- AH. – Foi tudo o que eu consegui dizer.

- Não se preocupe tanto. – Ela sorriu de um modo amistoso para mim. – Vou fazer o vestido mais lindo que você já viu. – Ela olhou no relógio. – Ops, tenho uma cliente nesse horário. Quando que eu posso passar na sua casa para tirar suas medidas?

- Ahn, hoje à noite?

- Perfeito. – Ela me deu um beijo no rosto e um abraço no Evan e foi embora.

- Esqueci-me de falar meu endereço. – E ela se esqueceu de pedir.

- Tudo bem. Eu vou com ela.

- Ótimo. – Falei.

- Sei que não tem nada a ver com a história aqui, mas devo dizer que essa noite sonhei com você. E foi um sonho estranho. – Ele sorriu de lado.

- Uau, você sonhando comigo. – E eu sonhando com o Colin, pensei. Não podia ser mais estranho.

- Pois é, você tinha me ligado e dito uma coisa. – Ele pensou por um instante.

NÃO FOI UM SONHO, uma voz dentro de mim gritava.

- Ah. – Falei simplesmente.

- Queria conversar com você. Sério dessa vez.

- É, acho que precisamos ter uma conversa séria. – Minha voz saiu meio engasgada. Espero que ele não tenha notado.

- Que tal se almoçássemos juntos? – Ele ergueu uma sobrancelha.

- Tudo bem. – Falei reprimindo um grito.

- Então vamos. – Ele deu uma risada. – Já sei aonde vamos.

Sorri ao perceber onde ele queria me levar.

Ele pegou minha mão e fomos caminhando devagar até o restaurante onde eu o beijei pela primeira vez.