A Filha Do Sol escrita por Let B Aguiar, Taty B


Capítulo 18
Tomamos café com passarinhos


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Chamo a atenção de vocês para esse capítulo, porque alguns acontecimentos dele terão um significado imenso ao decorrer da história. Tentem adivinhar o que é! Hahaha, boa leitura x



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Uma luz forte me incomodava. Eu estava deitada em algo muito confortável, provavelmente uma cama, e minha cabeça apoiava-se em alguma coisa bem menos fofa do que o colchão. Abri meus olhos e senti que fiquei cega no mesmo instante. Encontrava-me num lugar completamente branco, parecido com um quarto de hospital, porém a cama era triplamente maior. A luz solar passava pelas cortinas brancas e bordadas sem nenhum problema e eu podia sentir o cheiro de café recém-feito. Eu não sei dizer como entendia disso, mas pela intensidade do sol, deveria ser final da tarde. Deuses, estaria eu no céu? Ou no elísio, como diz a mitologia?
Minha cabeça recostava no peitoral de Ryler, que dormia como um bebê dessa vez, sem roncar. Senti algo se mexer ao meu lado e quando virei, Leo quase me abraçava. Ele estava com o cabelo molhado e o rosto limpo, sem nenhuma marca de fuligem. Ryler se mexeu e eu o examinei de novo. Ele, assim como Leo, estava limpo e parecia ter tomado um belo banho. Então, lembrei-me de tudo como num flashback. Nós tínhamos matado aquele crocodilo gigante que Voluptas havia colocado em nosso caminho. Ele tinha explodido e depois disso, eu só lembrava de ter caído no lago.
Como fomos parar ali? Que lugar era aquele? Imediatamente, um incômodo tomou conta de mim e acordei Leo e Ryler com cutucões. Leo foi o primeiro a acordar.
– Que porra de lugar é esse? – ele falou sonolento – Nós estamos no elísio?
– Não, é claro que não. Eu não faço a mínima ideia de que lugar é esse. Nós precisamos sair daqui o mais rápido possível!
Dei um tapa no rosto de Ryler, esperando que ele acordasse dessa vez. E não é que acabou funcionando?
– Pattie – ele acordou desorientado – que lugar é esse? Nós morremos? Esse cheiro é de café?
Revirei os olhos.
– Ryler, nós estamos num lugar desconhecido. – eu expliquei – Precisamos ir embora agora.
Ryler pareceu decepcionado, mas se levantou.
– Nós realmente precisamos ir embora? – Leo reclamou – Cara, essa cama é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Está sendo ótima pra minha coluna. Será que é ortopédica?
Olhei feio para Leo e ele se ergueu do colchão no mesmo instante. O quarto era gigante, e nós três andamos pelo lugar inteiro. Ao analisar melhor o ambiente, lembrei-me daquele quarto. Era óbvio! A cama gigante, as paredes brancas, a penteadeira no canto...
– Nós estamos no quarto de Psiquê e Eros. – eu concluí.
– Ah cara, não acredito nisso! A gente deitou onde... Ah! Que nojo! – Leo resmungou.
Ryler me fitou curioso.
– Como você sabe disso, Pattie?
– Em meus sonhos, eu vi Psiquê e Voluptas conversando aqui. Nós estamos na casa de Eros e Psiquê.
Eu me olhei no espelho onde Psiquê costumava se arrumar e encontrei uma Patricia completamente diferente. Meu rosto estava limpo, o cabelo lavado e cheiroso, e meus braços tinham alguns curativos. Eu vestia uma camiseta rosa, shorts e tênis.
– De onde vieram essas roupas? – Leo perguntou, se olhando no espelho também. Por incrível que pareça, estava com o cabelo penteado. Ele vestia uma camiseta branca e bermudas.
– Isso é muito estranho. – Ryler comentou se admirando. Ele estava deslumbrante, apesar de simples. O cabelo baixo estava seco e ele tinha alguns band-aids distribuídos pelos braços. Ryler vestia uma camiseta azul apertada, que deixava todos os seus músculos definidos a vista, e bermudas.
Nós continuamos ali, nos encarando no espelho, quando uma coisa passou pela minha cabeça.
– Nossas armas! – eu exclamei – Onde estão nossas armas?
– Sua espada com certeza não está aqui. – Leo relembrou – Lembra que você a colocou na boca do crocodilo pra eu jogar o fogo grego?
Assenti atordoada. Ryler procurou sua espada pelo quarto inteiro, porém não a achou.
– Vocês acham que aquele panaca do Voluptas pegou nossas armas?
– Acho pouco provável. – falei – Quando o crocodilo nos atacou, ele já tinha partido.
– Voluptas é um idiota. – Leo irritou-se – Ele fez o crocodilo nos atacar de propósito! Tudo foi um plano daquele cachinhos dourados de uma figa. Ele não queria que chegássemos ao palácio dos pais dele.
– Mas por quê? – eu perguntei. – Por que ele não queria que nós chegássemos aqui? Nós vamos salvar o pai dele!
– Vai ver ele não gosta do pai. Eu mesmo não gostei dele. – Ryler resmungou – Ele falou muita besteira.
Então, lembrei do que Voluptas tinha dito sobre eu possuir um dono. Se eu e Ryler não ficaríamos juntos pra sempre, quem era minha alma gêmea? Eu podia escutar a voz de Voluptas reverberando em meus pensamentos, me deixando atordoada. Além disso, ele também tinha dito que Leo se sentia atraído por mim! Será que isso era verdade? Logo, senti meu rosto ficar vermelho de vergonha. Um silêncio reinou sobre nós, e pelo visto, os três tinham se lembrado das palavras de Voluptas ao mesmo tempo.
– Vamos descer. – eu quebrei o silêncio – Quem sabe não tem algo bom nos esperando lá embaixo?
Nós descemos a escada, desconfiados e prontos para atacar qualquer monstro caso algum aparecesse, mesmo desarmados. A cada passo que dávamos, a minha certeza de que estávamos na casa de Eros e Psiquê aumentava. Nós passamos pela sala e eu avistei a parede com o papel de parede dos beijos mais famosos de todos os tempos. A sala era um ambiente em que você iria querer ficar para sempre, de tão confortável e aconchegante que parecia ser. Passamos por alguns móveis antigos e românticos, até chegarmos à cozinha. O espaço era todo branco, de estilo medieval. Um vitrô mostrava a floresta e um gramado impecável. Mas o que realmente nos chamou atenção foi quem nos esperava na cozinha.
– Pensei que não iriam acordar, semideuses. – Psiquê nos saudou, segurando um bule na mão direita. Ela era perfeita, assim como em meus sonhos. Os cabelos castanhos estavam trançados e ela usava um vestido dourado longo. Os olhos continuavam do mesmo jeito de antes: tristes e opacos, apesar de seus lábios formarem um sorriso bondoso e feliz.
Eu pigarrei.
– Sua casa é linda, Psiquê.
Ela sorriu.
– Obrigada, querida. Ela é mais bonita quando meu marido está aqui. Mas falaremos disso depois. Primeiro, vamos comer. Sentem-se.
Nós nos sentamos numa mesa de quatro lugares que se encontrava no meio da cozinha. O espaço era simples e até parecia pertencer a mortais. Uma coisa em especial me chamou atenção: passarinhos. Numa gaiola dourada, três passarinhos amarelos piavam. Eles eram adoráveis, de verdade. Eu sempre quis ter passarinhos, mas minha mãe nunca deixou.
Psiquê reparou que eu observava os passarinhos e aproximou-se da gaiola.
– São adoráveis, não? – ela disse, dando o dedo indicador para os passarinhos bicarem – Percebi que gostou deles, então não vejo motivos para deixá-los presos.
Ela abriu a gaiola e as aves voaram pela cozinha. Uma pousou no parapeito da janela, outra no ombro de Psiquê e uma outra na mesa. A ave bicava a madeira da mesa, e eu dei um pedaço de pão em seu bico.
Psiquê despejou café em nossas xícaras e sentou-se. Pão e frutas apareceram em nossos pratos e os olhos de Ryler e Leo arregalaram-se.
– Não tenham vergonha, garotos. – Psiquê os encorajou, passando manteiga em uma torrada – Comam. Vocês certamente estão famintos.
Leo sorriu.
– Se a señora faz questão...
Os dois não hesitaram. Eu não comi tão depressa. As perguntas que eu tinha a fazer me atordoavam e tiravam minha fome.
– Eu estava esperando vocês há tempos, semideuses. – Psiquê retomou o assunto – Por que demoraram tanto para me encontrar?
– Ah, não sei. – Leo foi sarcástico – Talvez se o seu querido filho Voluptas não tivesse colocado um crocodilo gigante em nosso caminho, nós já teríamos nos encontrado.
Psiquê enrijeceu.
– Você deve estar enganado, querido. Voluptas nunca iria fazer uma coisa dessas. Ele está focado em procurar o meu marido... Por que iria fazer isso?
– Ele pode estar, mas de qualquer forma colocou o crocodilo em nosso caminho. – Leo revidou. Eu queria meter a mão na cara dele e fazê-lo calar a boca, porque Psiquê estava começando ficar irritada e nós não podíamos ser expulsos da casa de quem iria nos ajudar.
– Aquele crocodilo costumava ser o guardião de nossa residência, Leonardo. – Psiquê explicou. Nunca ouvi ninguém chamando Leo de Leonardo. Isso soou tão estranho, talvez porque eu nunca tinha parado para pensar que Leo era apenas um apelido – Considerem-se sortudos pela aparição de meu filho. Creio que ele lhes trouxe algo útil, sim? Voluptas só aparece quando é realmente necessário.
Leo calou a boca no mesmo instante. Pelo olhar de Psiquê e seu modo de falar, tive a impressão de que ela sabia o que Voluptas nos dissera. Coisas que você tem que se acostumar quando está lidando com deuses.
Psiquê apoiou as mãos na mesa.
– Infelizmente, vocês mataram o meu guardião. – ela prosseguiu – Peço desculpas pelo infortúnio que tiveram que passar. Eu não entendo por que Voluptas não os enviou direto para minha casa, e sinto muito por isso.
Leo revirou os olhos.
– Nós podíamos ter passado sem quase ter morrido?
– Sim, mas não foi o caso. Eu encontrei vocês um pouco depois de terem desmaiado e...
– Foi você quem nos tirou daquele lago? – Ryler finalmente deixou a comida de lado e perguntou algo.
– Obviamente, filho de Ares. Com a ajuda de meus criados. Alguns instantes depois de terem afundado no lago, eu cheguei. Aquela área faz parte de minhas terras e eu tenho conhecimento de tudo que tenta passar pelo meu guardião. Admito que apesar de terem se machucado, foram corajosos em desafiar o réptil. Vocês foram os primeiros a conseguir passar por ele, os outros semideuses que tentaram... bem, eles acabaram no fundo do lago, como vocês. Só que mortos, é claro.
Nós arregalamos os olhos. Eu não sabia o que dizer ou que reação esboçar. Psiquê aparentava ser uma mulher tão boa e caridosa, como poderia, ao mesmo tempo, ser tão fria assim? Fiquei com a pulga atrás da orelha e até cheguei a pensar que Psiquê não era Psiquê. Ela poderia ser Érida disfarçada. Porém, todas minhas desconfianças se foram quando ela sorriu novamente.
– Trazer vocês para cá não foi fácil. – Psiquê comentou – Você em especial, filho de Ares.
Ryler fez uma careta de quem não tinha gostado do que ouviu.
– Você que nos deu banho e cuidou de nossos machucados? – eu perguntei.
– Sim, Patricia. – Psiquê respondeu, mexendo seu suco – Os três estavam muito machucados e sujos, precisavam urgentemente de um banho, roupas novas e algumas horas de sono. Afinal, quem for salvar meu marido, tem que se encontrar em condições apresentáveis. Por falar nisso, as roupas vestiram bem? Desculpe por não serem peças jovens, aqui em casa nós não somos muito modernos.
Eu sorri.
– Obrigada, Psiquê. As roupas estão ótimas.
– É verdade, eu gostei dessa camiseta. – Leo falou – Posso ficar com ela? Ah, a cama também é muito confortável. O colchão é feito do que? É ortopédico?
Psiquê riu dos comentários de Leo.
– É claro que pode, Leo. A bermuda também é sua agora. Eu não sei do que o colchão é feito e ele não é ortopédico, mas os travesseiros são de penas de pégasos.
Não gostei da ideia de imaginar pégasos perdendo suas penas.
– Onde estão nossas armas? – Ryler questionou – Nós procuramos no quarto inteiro e não achamos.
Psiquê ficou ereta na cadeira e ergueu as sobrancelhas.
– Oh sim... suas armas. Sigam-me. – ela levantou da cadeira, andando em direção à sala. Até seu jeito de andar era incrivelmente sereno e gracioso. Eu me perguntei se tanta graciosidade era atribuída ao fato de ela ser casada com o deus do amor. Enquanto seguíamos Psiquê, Leo cochichou em meu ouvido.
– Cara, ela é linda, mas está me assustando um pouco. Eu não acredito que alguém me deu banho! Que vergonha.
Dei uma risada discreta e Ryler olhou feio para Leo. O olhar dele dizia “tire as patas de minha namorada, menino troll.” Completamente desnecessário.
Psiquê fez sinal para que sentássemos no sofá. Ela pegou algo embrulhado numa toalha e sentou-se em uma poltrona florida de frente para nós. A sala era muito aconchegante e o sofá extremamente fofo. Eu não cansava de admirar, discretamente, o papel de parede de beijos famosos na parede. Tudo naquela casa parecia ser feito com tanto amor, e eu desejei que minha casa fosse assim quando me casasse e construísse um lar.
Psiquê desembrulhou os objetos da toalha e surpresa! Lá estavam nossas armas, completamente secas e em perfeito estado. Quase todas se encontravam ali, exceto por duas. E adivinha quais eram? Se você respondeu o meu arco e flecha e minha espada, parabéns! Você acertou em cheio.
– Como podem ver, consegui resgatar parte de suas armas. Eu fiz o procedimento correto para que não enferrujassem, não se preocupem.
Leo pegou o seu cinto mágico e jurei ter visto lágrimas se formando em seus olhos.
– Oh, meu cinto. – ele exclamou, admirando o cinto – Está um pouco molhado, mas não tem problema. Muito obrigada Psiquê. Leo sem seu cinto não é Leo.
Psiquê esboçou um sorriso e entregou a espada de Ryler para ele. O mesmo só colocou-a na bainha e agradeceu. Ela virou-se para mim com um olhar piedoso.
– Sinto muito, Patricia. Não consegui salvar seu arco e flecha e nem sua espada. Mas não fique triste, eu tenho uma solução para isso.
Psiquê levantou e pegou uma caixa dentro de um armário de vidro cheio de louças. Depois, foi atrás do móvel e tirou de lá um embrulho grande. Não consegui identificar o que era, pois a coisa estava bem embrulhada.
Quando voltou, Psiquê sorriu e me entregou o embrulho. Eu olhei com desconfiança e ela fez sinal para que eu continuasse. Ao desembrulhar o papel, uma alegria imensa tomou conta de mim.
– Uma semideusa não pode partir numa missão desarmada. – ela disse, analisando o objeto. – Esse arco e flecha pertencem ao meu marido. É um kit reserva, mas estou lhe dando. Aceite isso como um agradecimento por estar arriscando sua vida para salvar Eros, e uma substituição pelo o seu antigo kit de arco e flecha que está perdido no lago.
– Muito obrigada, Psiquê. É...lindo.
O arco era dourado e parecia até mesmo banhado a ouro. Tinha alguns detalhes em rosa e azul, assim como as flechas. Possuía o tamanho perfeito e era de uma perfeição surpreendente. As flechas tinham as pontas douradas e estavam tão afiadas quanto os dentes daquele crocodilo.
– Caso esteja interessada, a aljava é banhada a ouro. – Psiquê explicou – As pontas das flechas são de bronze celestial e ouro, e extremamente afiadas. Você pode disparar em qualquer coisa. Essas flechas não vão fazer ninguém se apaixonar, apenas vão causar uma injúria horrível ou a morte.
– Psiquê, muito obrigada mesmo. Eu me sinto lisonjeada em usar o arco e flecha de Eros.
Ela depositou a minha nova aljava no chão, depois me encarou séria e pigarreou. Os olhos dela diziam muitas coisas ao mesmo tempo: infelicidade, compaixão e raiva. Apesar de ser a mulher mais bonita que eu já conheci, ela me intimidava um pouco.
Psiquê me entregou a caixa que segurava. A caixa tinha um tamanho pequeno e também era dourada com detalhes em vermelho. Por ser tão leve, pensei que não havia nada dentro. Porém, como sempre, eu me enganei.
Senti certa apreensão antes de abrir aquela caixa. E se houvesse alguma coisa perigosa ou ruim dentro da mesma? Apesar de duvidar que Psiquê faria alguma coisa contra nós, eu tive receio. Mas a curiosidade foi maior que tudo e eu abri a caixa. Dentro dela havia uma assustadora, amedrontadora, aterrorizante... pulseira.
Olhei para Psiquê esperando explicações.
– Uma pulseira? – eu indaguei, tentando segurar a risada.
– Aparentemente, é uma pulseira de pérola qualquer, é verdade. – ela sorriu terna e tomou a pulseira de minha mão. – Aprenda uma coisa, Patricia: nada no mundo em que vivemos aparenta ser o que é.
Dizendo isso, ela deu um toque na pulseira e esta se transformou numa espada tão grande quanto a de Ryler. A espada era toda dourada, inclusive sua lâmina. Não havia nenhum sinal de prata ou couro ela. Era forjada com o mais puro ouro. A minha antiga espada não chegava nem aos pés dessa. Vi o queixo de Leo e Ryler cair quando fitaram a espada, e Psiquê colocou-a em seu colo.
– Vejo que ficaram surpresos com a minha espada.
Leo arregalou os olhos.
– Sua espada? Tá brincando! Essa é a espada mais bonita que eu já vi em toda minha vida.
Psiquê aceitou o elogio.
– É verdade, Leo. E ela foi feita especialmente para mim pelo seu pai, o adorável Hefesto.
– Hefesto? Adorável? – Ryler foi irônico, mas percebendo sua indelicadeza, tentou se retificar – Hefesto forjou essa espada para você?
– Sim, meu jovem. O próprio Hefesto. Mas para fazer o que eu estou prestes a fazer, vocês, e principalmente você, Patricia, precisam saber a história dessa espada.
– Um segundo. – Leo pediu – Meu pai é demais. Cara! Isso só pode ser ouro! Ela é toda de ouro, certo?
– O seu conhecimento é apurado assim como o de seu pai, Leo. – Psiquê falou – Ela é toda de ouro e sua lâmina é feita de ouro com bronze celestial. Obviamente, é uma espada mágica.
– Você já a usou? – eu perguntei. Estava louca por respostas.
– Oh, sim. Essa espada foi minha companheira por muito tempo. – Psiquê examinava o objeto – Foi graças a ela que consegui casar-me com Eros.
Nós três olhamos para a deusa sem entender nada. Psiquê deu mais um de seus sorrisos meigos e começou a explicar tudo sobre a espada e sua história.
– Antes de conhecer Eros, eu era uma mera mortal. Porém, os mortais de meu reino começaram a me venerar como uma deusa por causa de minha beleza. Apesar disso, eu era a única solteira entre minhas irmãs. Toda essa veneração deixou Afrodite ofendida e furiosa, então ela mandou Eros pregar uma peça em mim. Ele deveria fazer com que eu me apaixonasse por um homem horroroso e me casasse com ele, mas errou a flechada. Eros acertou a si mesmo e apaixonou-se por mim e então nos casamos. Porém, eu não podia saber a verdadeira aparência de meu marido, devido ao fato de ele ser um deus. Minha curiosidade fez com que eu descobrisse a identidade de meu companheiro, e Afrodite, é claro, não iria deixar isso barato. Seu desejo de vingança aumentou, e eu só poderia voltar a ter Eros se completasse com sucesso todos os desafios que a deusa havia designado a mim. Afrodite nunca gostou de mim e ainda não gosta, e um dos motivos é porque o seu marido, Hefesto, também me achava mais bela que ela. Para a deusa do amor e da beleza, isso foi a pior ofensa. Afrodite ficou furiosa. E Hefesto, encantado por mim, forjou-me essa espada para usá-la nas missões e até mesmo me proteger de Afrodite. A espada é mágica e o seu objeto usado como disfarce muda de acordo com a alma gêmea de sua dona. O meu objeto, no caso, é uma pulseira de pérola. Hefesto, de tão afeiçoado a essa espada e a minha história, nomeou-a de Kallistei. Kallistei em grego significa “Para a mais bela”. Ele a forjou de modo que toda vez que eu me olhasse na lâmina pudesse ver meu reflexo e nunca me esquecer do quanto era bonita. De qualquer jeito, Kallistei me ajudou em todas as missões. Pode não parecer, mas eu já parti em missões tão perigosas quanto as suas. E tudo isso devido à Afrodite e seu ego machucado. No final, eu não realizei todas as missões com sucesso, de tola que era. Eros teve que implorar a Zeus uma segunda chance para mim. Obedecendo a ordem de Zeus, Afrodite foi obrigada a abençoar e conceder meu amor e de Eros. Sendo assim, eu me tornei imortal e posso até mesmo frequentar o Olimpo, se quiser. Afrodite sofreu em deixar o tão amado filho dela casar-se com uma mortal qualquer, mas a vontade de Zeus é maior do que a de qualquer outro Olimpiano. Hoje, eu e Eros temos trigêmeos: Eros Jr, Volúpia e Voluptas.
Nós três ficamos em silêncio por alguns segundos, digerindo toda essa informação. Até Leo se pronunciar.
– Uau. Você, definitivamente, não parece ser tão corajosa assim. Sem ofensas, é claro.
Psiquê sorriu discretamente para Leo e continuou me olhando, esperando que eu dissesse algo.
– Hãm...por que, exatamente, você nos contou essa história?
– Pensei que seria interessante você conhecer a história de sua nova espada.
Quando Psiquê disse isso, senti que meus olhos se arregalaram e meu estômago deu cambalhotas.
– Você está me dando sua espada?
– É sempre bom que um herói tenha mais de uma arma. – Psiquê retomou – Eu sei que você tinha outra espada, e que não se sente uma guerreira completa com um arco e flecha, apesar de ser filha de Apolo. Então, nada mais justo do que ter uma substituta.
Eu fiquei sem palavras. Não podia aceitar Kallistei como um presente. Ela tinha uma história! Aquela espada não foi feita para mim.
– Psiquê, me desculpe, mas eu não posso aceitar. Eu agradeço a sua boa vontade, mas isso é um abuso. Essa espada te salvou e foi forjada especialmente para você. Eu não iria me sentir bem se algo acontecesse a ela, pois agora eu sei que ela tem um valor sentimental. Não é uma arma qualquer.
– Eu sei disso, Patricia. – Psiquê foi compreensiva – Mas uma hora esse desapego teria que acontecer. Eu não posso guardar uma espada dessa durante tanto tempo. Ela é tão valiosa e sua história é tão incrível que merece ser usada por outra heroína a sua altura. Eu não estou lhe dando Kallistei como um presente ou uma forma de agradecimento. Estou lhe dando porque você a merece e é extremamente digna de ser a sua nova dona. Estou completamente ciente de minha decisão, e é claro que meu coração se aperta um pouco por passar para frente minha amiga de tantos anos, mas eu sei que ela estará em mãos puras e boas. E obviamente, essa espada agora pertence a mais bela.
As palavras fugiram de minha boca mais uma vez. Eu não podia acreditar que Psiquê estava dando Kallistei para mim. Aquela espada era uma relíquia e o valor sentimental daquele objeto era imenso. A minha consciência estava pesada por ter que aceitar esse “presente”. E o pior é que bem no fundo, eu queria a espada. Ela tinha me atraído de um jeito como nenhuma outra arma fez, nem mesmo o arco e flecha.
Psiquê pegou a espada e a estendeu para mim.
– Eu passo Kallistei a sua nova dona, que irá honra-la e usá-la devidamente bem. Agora, essa espada pertence a mais bela, a filha de Apolo mais valente e honesta.
Ela me deu a espada e no instante em que a toquei, e espada se transformou num isqueiro. Mesmo tão atordoada com as palavras de Psiquê, lembrei-me do que ela disse sobre a forma que a espada assumia. O que um isqueiro tinha a ver com minha futura alma gêmea? O objeto era dourado e qualquer mortal fumante que o visse, provavelmente me pediria para acender seu cigarro e então: ta-da! Uma espada gigante de bronze celestial e ouro apareceria.
Psiquê observou o isqueiro como se fosse uma incógnita a ser resolvida. Então, olhou de mim para Ryler, e de Ryler para Leo. Sua testa estava franzida e ela decidiu perguntar:
– Quem de vocês dois é o namorado de Patricia?
Ryler assumiu uma postura mais rígida ao meu lado, como se fosse o lobo alfa e estivesse marcando território.
– Eu. Eu sou o namorado da Pattie.
Psiquê cerrou os olhos, pensativa, e deu um sorriso sugestivo.
– Interessante. – ela concluiu – Você tem sorte de ter Patricia ao seu lado, filho de Ares. E você, Pattie, tem sorte de ter alguém tão bonito e corajoso ao seu. Digamos que vocês são um casal... interessante.
Eu não entendi por que Psiquê falou tal coisa, mas aceitei sua opinião. Ao contrário de Ryler, que lançou um olhar feio para ela. Naquele momento, eu gostaria de saber o que se passava na cabeça de uma deusa.
– Muito obrigada, Psiquê. – eu mudei de assunto – Não tenho palavras para agradecer tudo o que você fez para nós. Darei o meu máximo para salvar Eros, e vou honrar esta espada. Eu não vou decepciona-la.
Psiquê pegou minha mão. Observei seus olhos e pude ver lágrimas se formando neles.
– Oh, querida. – ela soou carinhosa – Não agradeça. Apenas salve o meu marido, isso é tudo que lhe peço. O que mais quero nesse momento é Eros de volta. Eu me sinto incompleta sem ele ao meu lado, um vazio imenso toma conta de meu peito. Todos os dias eu tento procurar por algum sinal dele, mas tudo o que consigo é mais decepção por sempre falhar. A angústia e a infelicidade estão tomando conta de mim, e prometi para Eros que nunca seria infeliz. Tudo o que fiz por vocês três foi em forma de agradecimento. Sou eu quem tem que agradecer. Por favor, salvem meu marido. Não só por mim, mas por todos os casais que estão se separando, por todas as pessoas que estão discutindo, e por Afrodite. Só peço para que não deixem o mundo virar um lugar triste e infeliz. O que Eros mais teme é um mundo sem paixão e amor.
Escutar o sofrimento na voz de Psiquê fez meu coração se partir em mil pedaços. Agora, mais do que nunca, eu estava ciente que essa missão era um dever e eu era obrigada a completá-la, mesmo com obstáculos. Por algum motivo, eu me afeiçoei a Psiquê e sentia que se a decepcionasse, tudo seria em vão. Eu precisava completar essa missão com sucesso, senão, iria decepcionar não só meus colegas e Psiquê, mas a mim mesma. Ver a angustia de outra pessoa me fez querer ainda mais finalizar essa missão suicida e trazer Eros para casa. Eu tinha três alternativas: salvar Eros, salvar Eros ou salvar Eros. E eu cumpriria as três com êxito. Estava decidida a salvar Eros a qualquer custo. Se fosse necessário dar minha vida pela dele, eu daria. Como Psiquê disse, eu, de jeito nenhum, podia ser a responsável por tornar o mundo um caos. A responsabilidade pesou em meus ombros, mas não recuei.
– Psiquê, você tem minha palavra: nós vamos salvar Eros. – eu a confortei, apertando sua mão trêmula. Algumas lágrimas escorriam pelo rosto tristonho e desesperado de Psiquê – Não importa o que eu tenha que fazer, eu vou trazer seu marido de volta. Não irei te decepcionar.
Psiquê assentiu e deu um sorriso fraco, limpando suas lágrimas. Eu podia ver em seus olhos azuis esverdeados o sufoco de não ter a pessoa amada ao seu lado e nem saber onde ele está. Coloquei-me em seu lugar e imaginei o quanto Psiquê deveria estar sofrendo.
– Patricia, você é garota mais corajosa e bondosa que eu já conheci em toda minha vida. – a voz de Psiquê falhou – Sinto que agradecer não é o bastante pelo o que você está fazendo por meu marido e por mim. Sabe, o que eu estou fazendo não é típico dos deuses, mas me sinto obrigada a agradecer.
Sorri com as palavras de Psiquê. Era uma sensação boa saber que seu esforço é reconhecido.
– Bem, eu confio em vocês e não há mais motivo para lágrimas, certo? – Psiquê parecia um pouco envergonhada e nervosa enquanto se recompunha – Vocês ainda não me disseram por que me procuraram. Obviamente, há um motivo específico.
Leo pigarreou, como se pedisse permissão para interromper meu diálogo comovente com Psiquê, e falou:
– É verdade. Nós viemos aqui porque pensamos que você saberia onde Hermes está. Apenas ele pode nos ajudar.
– A profecia diz que Eros está na “Terra da Luz”. Então, deduzimos que seja Paris. – Ryler completou – Mesmo quando tínhamos a biga, seria impossível chegar até a Europa. Hermes seria o único capaz de nos ajudar a chegar até lá. Afinal, ele é o deus dos viajantes e pode mandar a gente para qualquer lugar do mundo.
Psiquê ponderou sobre o que os garotos lhe disseram.
– Vocês estão certos. Hermes é o único que pode lhes ajudar. – ela concordou – Eros, assim como Hermes, também é um viajante, pois está sempre disparando as flechas do amor. Nós temos um contato com Hermes em razão disso, então eu posso ajuda-los, sim.
Nós três sorrimos. Isso era ótimo! Psiquê sabia como encontrar Hermes. Nós demos dois passos no desenvolvimento da nossa missão, mas voltamos um.
– No entanto, Hermes não é um deus fácil de lidar, muito menos de se achar. – Psiquê continuou – Hermes é um deus astuto e sabe como enganar e brincar com os semideuses que recorrem a ele. É certeza que ele os mandará para Paris, assim como é certeza que pedirá algo em troca. Um favor. É típico de Hermes e de todos os deuses pedirem algo em troca de ajuda. Os deuses não são bons. Eles são interesseiros e nunca fazem alguma coisa por livre e espontânea vontade. Sempre há interesse em seus pedidos. Arrisco a dizer que os deuses são até traiçoeiros.
– Não diga! – Leo zombou – Eu já salvei o mundo, sei muito bem como é fazer favores para os deuses. Nós, semideuses, sempre pagamos o pato na história toda. Os deuses nunca podem sujar suas mãos com seus próprios problemas, eles apenas ajudam suas marionetes a resolvê-los. Detalhe: só ajudam quando estão de bom humor ou querem algo em troca.
Eu pensei que Zeus pulverizaria a casa de Eros e Psiquê depois do comentário de Leo, mas nada aconteceu.
– Vocês três precisam tomar cuidado nessa missão. – ela alertou – Circe é uma feiticeira muito poderosa e inteligente, além de ser imortal. Suas servas, assim como a própria, são espertíssimas. Recomendo que tomem cuidado especialmente com Érida, que é a fiel serva de Circe. Não sei se conhecem a história de Circe, mas ela costuma encantar as pessoas com o seu charme. Vocês precisam ficar alertas ao charme e não deixar que ela os convença de fazer algo.
– Eu pensei que o charme era uma coisa só das filhas de Afrodite, e que isso fosse bom. – Ryler disse.
– Oh, sim. Usado corretamente por uma pessoa sem más intenções e que faz o bem, o charme é algo extremamente útil. Porém, quando se trata de uma feiticeira imortal, filha de Hécate, o charme é a arma mais perigosa e letal de todas.
Nós três assentimos em silêncio, tentando absorver todas as dicas que Psiquê nos deu. Dicas, que no futuro, seriam muito úteis.
– Eu tenho uma pergunta. – Ryler passava a mão pela barba fina – Como nós vamos chegar até Hermes? Você tem algo que irá permitir isso?
– Eu estava esperando que algum de vocês me questionasse sobre isso. – Psiquê disse, satisfeita – Terão a resposta amanhã de manhã, ao partirem. Por hoje, vocês já receberam informações demais.
– Como assim “amanhã de manhã”? – indaguei.
– Oh sim, vocês irão passar a noite aqui. Não podem partir nesse estado.
Nenhum de nós protestou, e na verdade, tenho certeza que nós três comemoramos internamente por poder dormir naquela cama maravilhosa de novo.
– Caso estejam interessados, dentro do banheiro do quarto em que vocês dormiram mais cedo há toalhas e escovas de dente. Eu providenciei algumas roupas para vocês. Elas se encontram no armário. Agora, vou deixa-los sozinhos; creio que tem muitos assuntos para conversar.
Dizendo isso, Psiquê levantou-se graciosamente e subiu as escadas em direção ao seu quarto.
– Cara, acho que meu cérebro vai explodir de tanta informação. – Leo reclamou.
– O meu também. – bufei.
Ryler se mexeu ao meu lado.
– Pattie, posso ver a Kallistei? – Ryler perguntou educadamente.
Entreguei o isqueiro para ele, que tentou abrir o mesmo. Nós esperávamos que o isqueiro se transformasse numa espada gigante, mas Ryler só conseguiu uma queimadura feia na mão. Sua sorte foi que fechou o isqueiro a tempo do fogo não lhe atingir.
Ryler me encarou, assustado.
– Por que não se transformou? – ele ralhou– Ela deveria ter se transformado na espada e não ter me queimado! Isqueiro idiota!
Leo riu e pegou o isqueiro da mão de Ryler.
– Capitão América, olhe e aprenda como é que se faz. – Leo provocou. Ele abriu o isqueiro e o objeto imediatamente se transformou na espada. Leo riu debochadamente para Ryler, e o mesmo cerrou os olhos. Eu não entendia porque a espada não funcionou ao toque de Ryler e ao de Leo, sim.
– Então, quer dizer que a espada só se transforma com quem é filho de Hefesto? – Ryler continuava rabugento – Com um filho de Ares, ela continua um isqueiro e te queima. Que ridículo! Isso não é justo, o isqueiro deveria se transformar na mão de qualquer um.
De repente, uma raiva tremenda de Ryler cresceu dentro de mim e, infelizmente, eu não consegui ficar quieta.
– Ryler, cale a boca! – eu exclamei – Você está parecendo uma criancinha que não consegue mexer no seu brinquedo novo. Qual o problema do isqueiro não ter se transformado com você? Talvez seja verdade que só se transforma numa espada nas mãos de quem é a dona ou de quem é uma criança de Hefesto.
– Por que você falou assim comigo, Patricia? – Ryler se exaltou – Eu tenho o direito de reclamar do que eu quiser!
– Você tem o direito de reclamar do que quiser sim, mas não da minha espada. A culpa não é minha se nem a espada foi com a sua cara. Talvez se você fosse um pouco menos arrogante e irritadinho, não teria quase se queimado. Espero que isso sirva de lição para você parar de ficar bancando o fodão! – eu falei mais alto que ele. Na verdade, eu quase gritei. Leo encarava toda a cena com os olhos arregalados.
Ryler se levantou do sofá.
– Você tem noção do que acabou de falar? Espero que sim, porque isso não foi legal. Qual é o seu problema, Patricia? Quer saber... Eu vou dormir. Fica ai com a sua espada idiota, quem sabe você não se queima também.
– Pode ir, bebezão.
Essa foi a gota d’água. Ryler cerrou os olhos e os pulsos para mim e saiu pisando forte até o quarto. Qual é! Eu estava exausta, tanta informação me deixou com a cabeça explodindo, e eu ainda tinha que aguentar essa criança fazendo birra? Ah, por favor! Paciência tem limite e a minha já havia acabado por aquele dia. Quando eu pensei que nada conseguiria melhorar minha noite, lembrei que Leo estava ao meu lado.


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Notas finais do capítulo

E aí, leitores? O que acharam desse capítulo! Mais uma vez obrigada por estarem acompanhando a fic e até a próxima! xX Taty



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