O caminho para a barca era escuro e tortuoso, cercado de rochas e pedras pontiagudas. Livia passou por todo o local, como fazia diversas vezes, sempre que necessário, mesmo sentindo que aquela vez seria a última a atravessar a barca.
O lamento ao longe era um som prazeroso para seus ouvidos que se intensificou ao chegar à pequena barca, onde apenas um pequeno grupo de escolhidos poderia entrar. Demônios, como ela, sentiam prazer em escutar o lamento de traidores, condenados ao calor das águas infernais. Era por isso que a barca para os níveis superiores passava por aquele local.
Assim que entrou na barca ouviu o demônio ao seu lado falar:
- O Príncipe deseja vê-la, minha senhora?
- Apenas me leve até o outro lado, servo. – a voz da jovem era baixa e grave e o demônio calou-se.
Por todo caminho Livia notava as sombras, do que no passado eram demônios, lutando entre si e alguns ao notar a barca se movendo paravam e contemplavam, como se pedindo por perdão. A mulher os ignorou.
- Chegamos, senhora. Mais alguma coisa? – o barqueiro se curvou enquanto falava.
- Fique aqui. Eu pretendo voltar.
Livia caminhou lentamente até chegar a uma fortaleza. Seus muros eram de pedra e do outro lado nenhum som era ouvido. Não foi necessário que se identificasse, assim que a avistaram os guardas abriram os portões do local. A trilha até o pátio central era cercada pelos altos muros e nenhuma iluminação mostrava o caminho certo a seguir, mas ela não precisa de luzes para achar seu destino. No pátio encontrou dois homens mexendo em um cadáver no chão, ambos a fitaram ao vê-la entrar o recinto e quando ameaçaram esconder o corpo morto foram interrompidos por Livia:
- Não precisam fazer isso agora. Só não façam desse local um depósito de mortos.
Os demônios retiraram o corpo, que poderia passar por um humano, se não fossem seus olhos brancos.
Assim que os viu saindo, abriu as portas centrais da construção. O local, por dentro, era tão sombrio e quente como o lado de fora. Algumas das paredes estavam quebradas e chão rangia a cada passo da mulher. Livia desceu as escadas presentes no recinto para o subsolo e deparou-se com grades que impediam sua passagem.
Um velho curvado vinha na direção das portas com um molho de chaves e ao ver Livia sorriu maliciosamente:
- O mestre sabia que a senhorita estava aqui. Mas a idade me impediu de vir mais rápido.
- Certo... – disse indiferente.
- Eu sei que não se importa com isso, mas meu mestre confia em mim.
- Pra mim você será sempre um humano. Traidor, mas mesmo assim humano.
O velho abriu o portão e ao ver Livia passar sorriu:
- A senhorita é a única dessa raça que tem um cheiro tão agradável.
Com extrema rapidez Livia tirou uma pequena faca de sua capa e fincou na mão do homem, o prendendo na parede de pedras.
- Meça suas palavras, velho.
Livia retirou os cabelos negros que caiam em sua face e voltou a caminhar pelo longo corredor sujo. Ela sabia aonde ir e quando chegou ao fim do corredor abriu uma porta de madeira podre para entrar em um salão amplo.
Uma voz grave ecoou por todo o salão.
- Eu não precisava ser quem eu sou pra saber o que você fez com o velho.
Livia deu um sorriso amarelo.
- Eu te pedi pra vir aqui porque dentre todos os demônios em que confio, que são poucos, você é a mais capaz de fazer o que quero.
- E seria? – Livia odiava olhar para o vazio. Falar com um demônio sem corpo era algo que a deixava extremamente irritada.
As luzes avermelhadas que estavam no meio do salão ganharam intensidade quando o Príncipe do Submundo falou:
- Você sabe que aprisionei um dos filhos de Sparda. Está cumprindo como o desejado... – a voz esboçou uma risada maliciosa. – O outro... Bem, é ele que está se impondo ao meu plano.
- Dante...
- Eu quero que você use todo seu poder para prepará-lo. Você é inteligente e atraente, nem mesmo um filho de Sparda irá causar muita dor de cabeça.
- Prepará-lo para que? Por que você não me pede para simplesmente matá-lo?
- Eu não quero isso, não agora. Eu tenho outros planos pra você...
Livia olhou desconfiada para a luz que a cada palavra dita ganhava maior brilho e força.