O dia amanhecera há pouco tempo em Londres,o sol de verão era fraco aquela hora e mal iluminava as ruas que logo estariam super-lotadas.Em um prédio cinzento,num apartamento diminuto no 4º andar,mora Linne Henderson.Com seus cabelos negros,olhos muito verdes e baixa estatura,não parecia oferecer nenhum perigo.A menina observava o trânsito quase que ausente na rua.Aguardava seu pai,que devia aparecer em alguns minutos.Ele levantava todos os dias com bom-humor,fazia o café (que na opnião de Caroline,era o melhor de todos) e lia o jornal,comentando vez ou outra alguma noticia com a filha.

Linne sorveu o resto da xícara de chá e a colocou sobre a mesa,ao lado de um envelope feito de um pergaminho grosso.O endereço do destinatário fora escrito com uma letra fina e curvilínea ,com tinta verde.Não havia selo.

-Linne.  – De alguma forma, Charles Henderson entrara na cozinha sem fazer barulho algum. – Já está acordada...? – O homem então percebeu o envelope.Seu rosto ficou pálido.Encarou a filha,que completaria 11 anos em uma semana.Seus olhos eram duros. – Eu posso explicar,minha filha... – Charles caminhou até ela,mas Linne se afastou

-Explique então. – Seu tom de voz era frio demais para sua idade,o que magoou seu pai.

Ele se sentou na cadeira de espaldar reto,passou a mão nos cabelos grisalhos e olhou nos olhos da filha.Respirou fundo e começou a contar a historia que ele guardava a quase 12 anos.

- Eu tinha 23 anos quando a conheci.Sua mãe,quero dizer.Eu trabalhava numa radio.O salário não era alto mas era o suficiente.Eu a vi pela primeira vez na rua,estava completamente perdida.Ela era muito bonita.Me ofereci para ajuda-la,e acabamos num café,onde ela me contou que seu nome era Lilian Potter.Tinha 18 anos,acabara de completar a escola,e estava a procura de um emprego.Tinha brigado feio com seus pais,vivia numa pensão puída e mal tinha o que comer.A partir daí,começamos a nos falar...duas semanas depois estavamos num quarto de hotel,deitados um do lado do outro.Ela ficou grávida.Pedi ela em casamento.Eu quase desmaiei quando a vi hesitar.

“Charles. –Ela disse – Eu preciso te contar uma coisa”

“Fale,Lilly”

Foi então que ela puxou de dentro do casaco uma ripa de madeira.Era escura,tinha uns 25 cm.Ela girou e sacudiu-a.Meu chapéu levitou.Eu ri,achei que era algum truque barato,entende?Logo depois,ela fez com que um jornal pegasse fogo,para depois apaga-lo com mais um aceno da varinha.Eu tinha milhares de perguntas.Afinal,eu tinha acabado de pedir em casamento uma...

-Uma...? – Os olhos de Caroline estavam ávidos

-Uma – Os olhos castanhos de Charles ficaram graves – Bruxa.

Ele esperou ansioso a reação da sua filha.Mas ela apenas acenou com a cabeça,deu as costas para o pai,encaminhando-se para seu quarto e falou por sobre o ombro:

-Amanhã podemos sair pra comprar o material?Quero  te-los o mais rápido possível.As aulas começam em duas semanas.– Fechou a porta suavemente então,deixando um homem de 36 anos sorrindo abobalhado para uma carta.

Em seu quarto,Caroline Potter Henderson andava de um lado para o outro,a cabeça a mil.Com uma súbita inspiração,olhou para seu travesseiro.Fechou os olhos e imaginou-o levitando,vindo até ela.Quando sentiu um aperto no estomago,espiou entre as pálpebras,para perceber que estava de cabeça para baixo,os pés no teto.Agora tudo fazia sentido.Lembrou-se de quando Theodore Clearwater tinha rabiscado todo o seu trabalho de artes,deixando-a furiosa.O cano do corredor estourara e derramara uma água cheia de fuligem em Theo,molhando-o todo.Ou ainda,quando visitara sua tia,Elizabeth,e ela quisera obriga-la a comer um tipo de salgado,que juntava batatas e um creme estranho.Ela não queria comer,de jeito nenhum.De repente,um cheiro desagradável invadiu as narinas das duas.Vinham do salgado.Eles tinham estragado,apesar de terem sido feitos a meia hora antes.

Todos os acontecimentos inexplicáveis da sua vida começaram a ganhar uma explicação.

Linne passou o resto do dia no seu quarto,movendo as coisas e se movendo.O lugar ficou uma bagunça,mas ela não ligava.Foi se deitar completamente exausta,ansiosa pelo dia seguinte.

-Linne. – A voz grossa de seu pai a acordou,e,sem nenhuma vontade,Linne abriu seus olhos.As lembranças do dia anterior a atingiram numa avalanche,fazendo-a pular da cama. – Acalme-se.Vista-se e vamos até um lugar bem interessante.

A menina se vestiu mais do que rápido,engoliu umas poucas bolachas e olhou ansiosa para seu pai,que sorria de orelha a orelha.

-Vamos,minha menina.

Em pouco tempo estavam no metro,e depois,numa rua apinhada de gente.Linne via livrarias,lojas de discos,roupas e até um cinema,mas nenhum desses lugares parecia ter o que constava na lista da jovem bruxa.

-Aqui,Linne. – Charles a conduziu até um bar sujo,com um letreiro que indicava o nome do lugar: “caldeirão furado”.

Quando entraram dois meninos esbarraram em Linne.Ela olhou-os e levou um susto.Os dois tinham olhos azuis.Os dois tinham cabelos negros.Os dois eram iguais a ela,com exceção dos olhos.Apesar de aparentarem ser um ano ou dois mais velhos do que Linne.

-Ah!Graças a Merlim! – Uma voz feminina veio de dentro do bar.Logo,uma mulher alta,de cabelos também negros e pele clara apareceu na porta – Tiago!Achei eles! – Se voltou para os gêmeos – Fred e Cedrico,nunca mais desapar... – A asiática finalmente percebera Linne.Ficou parada,observando-a.Os gêmeos também.Nesse momento,um homem de cabelos ruivos e olhos azuis apareceu,se juntando a família.

-Finalmente!Quase nos... – Tiago Potter também perdera a fala.

Os seus olhos...o seu nariz...os cabelos...tudo...tão igual ao seu pai...mas ali...num cantinho...ele via...era ela...Tiago não sabia como...mas Lilly estava ali...depois de mais de 10 anos ela retornara para ele...

Quase em transe,ele estendeu a mão e tocou o rosto da sobrinha.Seus olhos começaram a arder.Como era possível?

-Lilly. – Sem falar mais nada,Tiago a abraçou com força.Algumas lagrimas caíram,por mais que ele tentasse conte-las – Quem é você garotinha? – Perguntou ele,os olhos cheios de ternura.

-Caroline. – Respondeu a menina – Caroline Lillian H. Potter. – Por alguma razão,o “Henderson” lhe pareceu inadequado para seu sobrenome.Contradizendo as regras de séculos,ela colocava o sobrenome da mãe depois do sobrenome do pai.Ela não era uma trouxa.Não mais.Aquele nome,Potter,lhe parecia importante,lhe parecia bruxo.Ela não sabia por que achava aquilo.Só sentia.

Foi demais para Tiago Potter.Ele chorou.Aquele homem chorava a magoa,a duvida,a saudade,a dor e a perda.Sua amada Lilly...aquela menina,seja quem for,era Lilly.Em sua essência.Era ela.