Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 49
Um entre cinco


Notas iniciais do capítulo

O capítulo de hoje é longo, mas cheio de ação. Espero que gostem. Agora confesso que o povo tem andado meio sumido, não? Pouca gente tá comentando!



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Certo, aquilo tinha ido longe demais. Muito longe. A situação era tão grave que nem Mônica, com toda sua força, seria capaz de resolver aquilo e Cebola estava preocupado de verdade. E se alguma coisa de grave acontecesse com ela?

- Eu acho que está na hora de você interferir. – Astronauta falou ao Paradoxo que assistia tudo como se fosse um programa banal de domingo.
- Interferir? Logo agora que começou a ficar divertido? Não seja desmancha prazeres! – ele falou causando indignação geral.
- Divertido? DIVERTIDO? Você ficou louco por acaso? A Mônica tá pla moler e você vem falar em diversão? – Cebola gritou segurando-o pela gola do jaleco.
- Acalme-se rapaz!
- Eu não vou acalmar coisa nenhuma! Você começou toda essa bagunça, agola se vila pla alumar!

Cascão tirou Cebola de cima do Paradoxo, tentando acalmá-lo e Zé Luis falou.

- Não se esqueça de que aquela é a Mônica original. Se acontecer alguma coisa com ela, nosso universo poderá ser afetado!
- Quem disse que irá acontecer algo com ela? Por favor, acalmem-se todos! Garotinha, pare de chorar desse jeito! – ele falou a Magali que tinha terminado a terceira caixa de lenços descartáveis.
- Eu não posso evitar! Agora vai todo mundo morrer. Buáaaaaa!
- Véi, faz isso não! Meu duplo é bonitão demais pra morrer! – Cascão também falou temendo pela vida do seu outro eu.

Paradoxo balançou a cabeça e depois de alguma lábia, conseguiu acalmar a todos para que pudessem voltar a assistirem os acontecimentos.

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Aquela região do bairro das Pitangueiras costumava ser bem tranqüila. De vez em quando se passavam carros ou ônibus nas ruas de terra e quando anoitecia, tudo ficava deserto e silencioso. Só que aquele não era um dia comum.

Em frente a um dos barracos, havia uma movimentação anormal. Carros da polícia, helicópteros, atiradores de elite e uma pequena multidão de repórteres ávidos pela grande notícia da cidade. Eles se acotovelavam atrás do cordão de isolamento, transmitindo para o país inteiro a notícia de cinco jovens feitos reféns pelo perigoso traficante Ricardão. Foi como se todas as emissoras de rádio e TV tivessem rumado para aquele lugar ermo e distante.

Já tinha anoitecido, o que dava mais dramaticidade ao episodio. Holofotes instalados provisoriamente iluminavam o lugar, dando uma atmosfera de um filme policial. Também havia os curiosos do bairro, que não queriam perder a grande novidade que ocorria num lugar onde geralmente não acontecia nada de interessante.

O chefe da polícia tentava negociar com o traficante pelo megafone. Os pais dos jovens tinham chegado, mas foram proibidos de se aproximarem muito. Os traficantes estavam armados e eram perigosos.

A negociação estava muito difícil porque os traficantes não tinham a menor intenção de se entregarem. Suas condições eram bem claras: queriam fugir dali levando um ou dois reféns para garantir que não seriam seguidos por ninguém. O chefe da polícia não podia aceitar algo assim porque não havia a menor garantia de que a vida desses reféns estaria em segurança.

Toda hora eles ouviam gritos do Ricardão fazendo ameaças.

- Tô falando sério, se vocês não saírem daqui eu meto bala num deles! Quero um carro pra fugir agora mesmo!
- Só providenciaremos o veículo se você soltar os reféns! – o chefe falou.
- Tá achando que eu sou idiota por acaso? Quero o carro e vou levar dois deles comigo por garantia! Anda logo, vou dar meia hora!
- Por favor, seja razoável!

Ele soltou um palavrão e falou.

- Meia hora! Senão um deles vai aparecer morto na frente da casa!

O traficante saiu da janela, deixando o chefe da polícia falando sozinho. Pelo visto ele não pretendia ceder em nada.

Dentro do cativeiro, os jovens estavam amontoados sob ameaças constantes do bandido que estava muito nervoso e agitado. Qualquer coisa serviria de pretexto para que ele desse um tiro num deles.

Mônica o olhava disfarçadamente, esperando para ver se aparecia uma chance de imobilizá-lo. Se fosse somente pelo homem, ela daria um jeito, mas ele estava armado e disposto a atirar sem nenhuma hesitação. Como lutar com ele sem colocar a si mesma e os outros em perigo?

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- Acha que eles vão trazer o carro, chefe? – um deles perguntou já sentindo uma ponta de medo.
- Ai deles se o carro não aparecer! Eu mato sem dó!
- Eles não vão trazer carro nenhum! – o outro falou. – Acho melhor a gente se entregar.

Um soco foi desferido em seu rosto.

- Se entregar? Tá maluco? Eu não vou pra cadeia nem fodendo! Mato um monte, mas preso eu não vou!
- E como a gente vai sair daqui? Se a gente matar os moleques, aí é que eles vão acabar com a gente!

Ricardão andava de um lado para outro. O suor escorria em abundancia, as veias saltavam da sua testa e ele rangia os dentes de raiva. Embora não quisesse admitir, ele sabia que seu capanga estava certo. Os reféns eram mais úteis vivos do que mortos. Ainda assim ele pretendia matar pelo menos um deles caso suas exigências não fossem cumpridas. Assim todos iam ver com quem estavam lidando.

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- Vocês não vão mandar o carro para eles? O tempo está esgotando! – Souza falou para o chefe da polícia.
- Não podemos fazer isso. Eles pretendem fugir e levar dois dos reféns. Quem garante que sua filha não será um deles?

Ele engoliu em seco. Dar um carro para salvar sua filha não seria problema, mas se ela fosse levada junto com eles, todos seus esforços seriam em vão.

- Se você não mandar o carro, eles irão matar um. E se for o meu Cascãozinho? O que eu faço? – Lurdinha falou morrendo de aflição. Antenor já nem tinha nervos para continuar acompanhando o caso e teve que ser levado ao hospital para tomar calmantes.
- Eles sabem que precisam dos reféns para negociar. Se atirarem em um deles, vamos invadir a casa de uma vez!
- Vai arriscar a vida dos nossos filhos desse jeito? – a mãe do Titi bradou indignada e o chefe teve trabalho para acalmar aqueles pais aflitos. Era preciso continuar com as negociações e assim ganhar algum tempo.

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Luizão abriu um pouco a porta para conversar com os demais.

- E aí? Alguma coisa? Eles vão mandar o carro?
- Eu dei meia hora pra eles mandarem o carro. – Ricardão respondeu. – Agora volta pra cuidar dos moleques, não facilita pra ninguém.
- Qualé, chefe? Eles não têm pra onde fugir!

Mônica aproveitou da distração do bandido que discutia com o chefe e olhou para cima, vendo que o buraco que tinham feito no telhado ainda estava lá. Os traficantes não devem ter visto por causa de toda a agitação. Se ela pudesse dar um jeito naquele bandido, todos poderiam fugir pelo telhado e saltar o muro para o outro terreno.

Cebola pareceu ter captado seus pensamentos e lhe fez um sinal para que ficasse quieta. Ele não queria colocar a vida dela em perigo.

- Cara, eu não tô muito legal não! – Cascão murmurou esfregando o estômago que doía de ansiedade.
- Cala boca todo mundo aí! – o homem falou voltando para seu posto segurando a arma. – não quero ninguém conversando!
- Mas eu tô passando mal, acho que vou vomitar!
- Vomita na lata, seu fedorento!

O rapaz não se fez de rogado e logo despejou na lata a macarronada com queijo e almôndegas que sua mãe tinha feito no almoço. Um mal cheiro insuportável espalhou-se por todo recinto obrigando todos a tamparem os narizes.

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- Cadê a porra do carro? – Ricardão perguntou abrindo uma fresta na janela para falar com a polícia.
- Está a caminho. – o chefe respondeu tentando ganhar mais tempo.
- Não enrola, caralho! Eu não tô pra brincadeira não!
- Vocês sabem que não vão escapar da polícia. De qualquer forma serão presos, então entreguem-se ou será pior!
- Vai ameaçar a vadia da sua mãe que eu não tenho medo de você! Me traz logo o carro senão eu mato um agora mesmo!

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Magali tinha ânsias de vomito e Astronauta chegou a pensar em tirá-la da sala antes que sujasse todo o chão.

- Você tá bem Magá? – Cascão perguntou amparando a amiga.
- Eu tô. Ai, que nojo! O que o seu duplo comeu, heim?
- Porco do jeito que é, deve ter comido um monte de lixo! Credo, ele é nojento demais!
- Pior é o fedor que deve estar lá dentro. Olha como tá todo mundo prendendo a respiração! – Cebola falou apontando para a tela e Paradoxo disse com um sorrisinho no rosto.
- Há males que vem para bem. Vocês verão.
- ???

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Ele nunca tinha sentido um cheiro tão ruim em toda sua vida. Aquela coisa nauseante entrava nas suas narinas e ia até seus pulmões, fazendo seu estômago embrulhar terrivelmente. O homem tentou agüentar firme no seu posto, mas a medida que o tempo passava, o vomito parecia se decompor e o cheiro só piorava.

Cebola observava as reações do bandido atentamente. Titi, Magali e certamente Mônica estavam acostumados com o cheiro ruim do Cascão, mas para aquele sujeito aquele odor era novidade. Será que dava para fazê-lo sair do quarto?

- Cara, ele tá passando mal! – o rapaz falou cobrindo o nariz com a gola da camisa.
- Azar o dele. Credo, seu amigo tá todo podre!

Ignorando a hostilidade do sujeito, Cebola aconselhou.

- Cascão, tira um pouco os tênis pra ficar confortável. O enjôo deve passar.

Os outros ficaram apavorados. Cascão tirando os sapatos? Dentro daquele quarto espremido e sem ventilação? Por acaso aquele maluco queria matar a todos? Apesar de toda aflição, ninguém falou nada imaginando se tratar de um plano do Cebola. Como não estava em condições de raciocinar, Cascão acabou obedecendo tirando o tênis e as meias.

O cheiro, que antes estava ruim, ficou totalmente tenebroso e ainda piorou o enjôo do rapaz que debruçou sobre a lata esperando pela próxima remessa.

- Puta que pariu! A gente vai morrer aqui dentro!

Aproveitando a deixa, Cebola esfregou o estômago e começou a puxar vômito também. Uma ligeira piscada para Mônica e Magali fez com que as garotas entendessem seu plano e entrassem no jogo.

- Cacete, não faz isso não! – o homem falou apavorado imaginando que em breve o cômodo ia ser inundado por vômito nojento.

Cascão despejou mais um pouco de conteúdo na lata e até Magali acabou vomitando um pouco de tanto nojo de tudo aquilo. O bandido não teve mais dúvidas e saiu correndo daquele quarto, fechando a porta atrás de si.

- O que você tá fazendo aqui? – Ricardão perguntou ao ver o homem respirando desesperadamente tentando tomar um pouco de ar.
- Tá todo mundo passando mal lá dentro, cara! Aquilo ali tá uma nojeira do caramba!
- Volta pra lá agora mesmo!
- Nem morto!

Os dois começaram a discutir e Luizão pediu para que outro fosse em seu lugar. Um deles abriu a porta levemente e logo fechou quando viu que a coisa estava feia lá dentro.

- Cara, eu não entro ali nem a pau!
- Nem eu, sai fora!

Dentro do quarto, Cebola levantou-se rapidamente.

- Mônica, eu vou te ajudar a passar pelo buraco da telha. Aí você puxa a gente pra fora.
- Tá bom.

Ao ver uma chance de fuga iminente, Titi não quis perder tempo.

- Sai pra lá, eu vou primeiro!
- Cara, deixa a Mônica ir que ela tem força pra puxar a gente!
- Não quero nem saber! Me ajuda a subir ou eu dou um berro! Aí ninguém foge!
- Seu safado sem vergonha! Você não vale nada mesmo! – Magali falou cerrando os punhos com vontade de dar outra surra naquele imbecil.
- Tô nem aí! Me tira daqui logo ou eu grito! Tô falando sério, quero sair daqui de qualquer jeito!

Ele estava começando a ficar alterado e Cebola não viu outra opção a não ser ajudá-lo a sair dali.

- Depois você ajuda a Mônica a sair, ouviu?

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Alguns policiais montavam vigília nos fundos, esperando uma chance para entrar no barraco. Um deles fez sinal ao outro, mostrando que tinha alguém saindo pelo telhado. O rapaz saiu dali e saltou agilmente no chão, saindo em disparada e não dando a eles tempo de chamá-lo.

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- Droga, ele fugiu! – Cebola falou zangado.
- Você achou mesmo que ele ia ajudar em alguma coisa? – Magali falou. – Anda, vamos fazer a Mônica subir logo!

Os dois ajudaram Mônica a sair pelo buraco e depois Magali fez com que Cascão se levantasse.

- Ele tá muito mal, melhor ir primeiro!

Cascão foi tirado dali rapidamente e Magali se preparou para ser a próxima.

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Todos ficaram alvoroçados quando viram um rapaz sair correndo, vindo dos fundos da casa. Ele balançava os braços e gritava por socorro.

- Me ajudem, socorro!

Dentro da casa, um capanga olhava pela janela e viu que um dos reféns tinha fugido.

- Peraí! Aquele lá não é o dentuço? Ele fugiu!
- Como é? Aquele desgraçado me paga agora mesmo! – Ricardão gritou raivoso e sacou o revólver, dando vários tiros em direção ao Titi até ver o rapaz cair fulminado no chão.

A gritaria foi geral, as câmeras gravaram tudo, muitas fotos foram tiradas e o chefe da polícia acionou o rádio, ordenando a invasão da casa. Aqueles criminosos tinham ido longe demais.

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- O que foi isso? – Mônica falou ao ouvir o som dos tiros.
(Cebola) - Essa não! Eles estão atirando!
(Mônica) – Então vem logo gente!

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- Seu desgraçado filho da puta! Por que fez isso! – um dos capangas gritou com o chefe. – Agora vão matar a gente!
- Vão matar nada, a gente vai resistir!
- Eu não quero morrer! – outro gritou apavorado e a situação na sala ficou caótica com os homens discutindo feito loucos.

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Cebola praticamente jogou Magali para cima e falou afobado.

- Sai daqui rápido!
- Não! Sem você não!

Os policiais que estavam do lado de fora foram até os jovens, pegando Cascão e Magali e tirando Mônica de cima do telhado.

- Vocês têm que sair daqui!
- O Cebola ainda tá lá dentro! – ela disse apavorada e outros policiais entraram pela abertura do telhado enquanto outro grupo invadia a casa pela porta da frente.

Os três jovens foram tirados dali rapidamente, com Mônica ainda chorando e gritando o nome do Cebola. Os homens deram cobertura, protegendo-os com seus corpos e eles firam tirados dali rapidamente.

Dentro da casa, vários tiros foram dados e Mônica gritava com todo desespero, imaginando o que estaria acontecendo com Cebola. O barulho ali estava infernal, uma mistura de gritos, sirenes, falatório da multidão, o som dos helicópteros e também havia as luzes, os flashes das câmeras e toda uma agitação que lhe sufocava. Ela não conseguia pensar em mais nada e só não voltou correndo de volta para o barraco porque vários policiais a seguraram.

Algum tempo depois se fez o silêncio e os policiais foram saindo segurando suas armas.

- Os bandidos não representam mais perigo. – um deles falou ao chefe. – Mandem os paramédicos que há um rapaz ferido lá dentro.

Dois homens vestidos de branco saíram da ambulância levando uma maca e logo saíram de lá levando um rapaz que tinha uma grande mancha de sangue no ombro. Mônica foi correndo até ele.

- Cebola! Ah, não! O que houve?
- Ele não pode falar agora, mocinha! Temos que levá-lo ao hospital!
- Mas...

Eles correram para a ambulância, seguidos pelo tio do Cebola que faltava pouco se descabelar de aflição ao ver o sobrinho naquelas condições.

- Mônica! Minha filha! – ela virou-se e viu seus pais vindo em sua direção, lhe abraçando ao mesmo tempo entre lágrimas e beijos.
- Mãe... pai...
- Graças a Deus você está bem!
- Que susto você nos deu!
- Cadê a Magali e o Cascão? – ela perguntou quando conseguiu se desvencilhar um pouco dos abraços.

Os outros dois tinham encontrado seus respectivos pais. Cascão foi levado em outra ambulância, junto com Lurdinha que chorava de alívio por seu filho não ter morrido. Os pais de Magali abraçavam a filha também aos prantos.

- Céus, ainda bem que acabou!
- Eles te machucaram? Como você está? Te deram comida direito? – Lili foi perguntando tudo quase ao mesmo tempo, não dando a filha tempo para respostas.
- Vamos embora, nossa filha precisa descansar! – Carlito chamou, levando as duas dali debaixo de cada braço.

Mônica sorriu ao ver a família saindo dali unida e imaginou que as coisas iam finalmente melhorar. No entanto, seu sorriso se desfez quando viu corpos saindo da propriedade e contou cinco mortos. Sua garganta apertou ao ver a mãe de Titi chorando sobre um dos corpos. Nem tudo naquela noite tinha terminado bem.


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