Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 45
O rapto




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Lili estava sentada na sala chorando desesperadamente enquanto Carlito passava as informações ao policial que anotava tudo.

- Eu não sei o que aconteceu, não faz sentido nenhum pra mim! – ele falou tentando conter o choro.
- Vocês sabem de alguém que poderia ter feito isso?
- Nem fazemos idéia! Quer dizer, ela briga muito na escola, mas é difícil imaginar que algum aluno de lá tenha feito isso.
- Temos que ver todas as possibilidades.

Ela acabou perdendo a paciência com aquele falatório e pediu.

- Por favor, achem a minha filha! Ela deve estar em perigo agora!
- Nós vamos fazer o possível, senhora. Só precisamos saber por onde começar.
- E o rapaz que viu tudo, o Quim? – Carlito quis saber.
- Ele disse que o carro não tinha placa, então deve ter bandido no meio dessa história.
- Céus, eu só queria que magali voltasse para casa! Só isso!

Na casa do Titi, as coisas também não estavam nada boas.

- Meu filho jamais faria uma coisa dessas! – sua mãe exclamou indignada para o policial que tentava aclamar as coisas.
- Sinto muito, mas há uma testemunha afirmando que viu os dois indo em direção ao carro que levou sua filha. Ela foi levada a força e o rapaz foi junto com eles.
- Deve ser algum mentiroso, não pode ser!

Seu marido tentou acalmá-la e o policial perguntou.

- Tentaram entrar em contato com seu filho?
- Sinto muito, mas o celular dele não atende.
- Então isso só reforça nossas suspeitas.
- Isso não, ele deve ter sido chantageado, ameaçado, qualquer coisa! Aquela garota vive levando o coitadinho pro mal caminho, é tudo culpa dela! – Sua mãe voltou a falar após assoar o nariz.

O policial achou melhor não discutir. Aquela garota podia ser o que fosse, mas aquele rapaz era bem grandinho e perfeitamente capaz de agir por conta própria. Ele tinha pego o depoimento dos outros jovens que andavam com ela e eles esclareceram que a gangue tinha sido forçada a vender drogas para compensar o fato de um deles ter sido responsável pela prisão de três traficantes.

O problema era que por enquanto, eles ainda não sabiam de quem se tratava, embora houvesse suspeitas.

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Estava anoitecendo e três homens jogavam cartas no barraco tomando cerveja e ouvindo música alta. Titi estava entre eles tentando mostrar naturalidade.

- Então o chefe não vai chegar hoje. – Um deles falou colocando um cinco de copas na mesa.
- O troço tá feio por lá e ele não vai poder voltar enquanto não resolver tudo.
- Fala sério, eu tô doido pra me divertir com a magrelinha!
- Blé, pra mim tanto faz. Vou fazer só pra passar o tempo mesmo, mas eu prefiro mulheres mais cheinhas.

Eles deram uma risada e Titi se obrigou a rir também apesar de não estar achando graça nenhuma. Quanto mais o tempo passava, mais ele se perguntava se aquilo era mesmo certo. Tudo bem que ele queria se vingar da Magali, mas não daquele jeito.

Outro sujeito entrou na casa, mostrando estar bem preocupado.

- Seguinte, dentuço, parece que viram você levando a magrela pro nosso carro.

Titi se alarmou.

- De que jeito? Eu não vi ninguém seguindo a gente!
- Mas alguém seguiu e viu quando a gente botou a garota pra dentro do carro. Agora eles sabem que você tá no meio da jogada.
- Essa não, eu tenho que ir pra casa e...

Um deles se levantou e mostrou a arma na cintura.

- Ir pra casa? Tá doido, moleque? Aí você vai lá, dá com a língua entre os dentões e ferra com todo mundo?
- Sem essa! Você vai ficar aqui mesmo! – Outro falou, deixando o rapaz apavorado.
- Mas como vou fazer? Um dia eu vou ter que voltar pra casa!
- Quando o Ricardão chegar, ele decide o que fazer. Até lá você vai esperar bem aqui. E nem tente fazer gracinhas, senão vai amanhecer com a boca cheia de formiga!

Pela primeira vez ele se deu conta da confusão onde tinha se metido. Aqueles sujeitos eram bandidos, não tinham escrúpulos e nem o menor respeito pela vida humana. Quando interessava, eles matavam pessoas como fossem insetos e descartavam em qualquer lugar como lixo. Nenhum deles ia pensar duas vezes antes de lhe dar um tiro na cabeça.

Como não queria morrer, ele tratou de se acalmar e voltou a jogar cartas como se não tivesse acontecido nada apesar de por dentro ele tremer de medo e desejar loucamente voltar para casa.

Droga, por que ele não fez como os outros? Denise, Cascão e Franja saíram da gangue para levarem uma vida decente. Ele devia ter feito o mesmo, não debandado para a criminalidade. Pelo visto, não havia nada de glamoroso em uma vida de crimes.  

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- Filhinha, por favor, se acalme! – Luisa pediu ao ver que Mônica andava de um lado para outro sem parar.
- Eu não consigo, mãe! A Magali tá correndo perigo e eu não posso fazer nada! Ai que droga!
- Ora, você não tem que fazer nada! Isso é trabalho da polícia, não seu!
- Mãe! Ela é da minha escola!
- Hunf! Uma valentona que te bateu! Como você pode ficar com pena dela? Não, querida, melhor ir para o seu quarto. A festa será dentro de uma semana e você precisa ficar linda para brilhar nesse dia!

Mônica subiu para o seu quarto bufando de irritação. Sua mãe nunca iria entendê-la. No seu quarto, ela ligou o computador para ver se conseguia falar com o Cebola pelo Skype.

- Oi, alguma novidade? – ele perguntou assim que atendeu a chamada.
- Não, nada. Ai, tô morrendo de preocupação, viu? Já anoiteceu e tudo pode ficar pior!
- Denise falou que a polícia também não conseguiu nada. E parece que o Titi desapareceu também, deve ter ficado lá com os bandidos.
- Não tô entendendo! Ele é cúmplice deles ou foi obrigado a fazer aquilo?
- Isso eu não sei. Só sei que coisa boa eles não vão fazer. Você sabia que eles estavam envolvidos com drogas?
- Sério?

Ele contou a história que Denise tinha contado e o porquê de a gangue ter sido forçada a vender aquelas drogas. Mônica ficou zangada.

- Isso não é justo! A Magali não teve culpa do que o Tonhão fez. Pensando bem... o eles foram presos por sua causa, não foi?
- Ei, peraí! Você tá colocando a culpa em mim?
- Claro que não, mas você com esses planos infalíveis deve ter começado tudo isso! Se você não tivesse enfrentado os bandidos, eles não teriam sido presos e a Magali não estaria nessa encrenca agora!
- Mônica, você tá falando sério? Poxa, eu não planejei nada disso, ouviu? Jamais ia querer que a Magali terminasse desse jeito, eu juro! Queria só tirar o Tonhão do caminho e nada mais! Confia em mim, eu tô falando a verdade!

Ela começou a chorar desolada. Era difícil imaginar o que o duplo da sua amiga estaria sofrendo naquele instante. E se ela fosse ferida ou morta? Que tipo de amiga era ela por ter deixado aquilo acontecer? Como encarar a Magali original sabendo que tinha deixado seu duplo morrer?

Cebola viu seu choro e procurou consolá-la. Claro, ela devia estar preocupada com Magali por causa da sua amiga do mundo original. E ele também tinha visto que Mônica era impulsiva e cabeça quente, logo costumava falar coisas sem pensar direito.

- Fica assim não, tá? A polícia vai conseguir achar ela a tempo.
- E se não conseguir? Estou com muito medo! Ela tá correndo perigo e eu não posso fazer nada, que droga! É horrível sentir assim!

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Na nave Hoshi, Magali chorava feito criança debruçada no ombro do Cascão, que tentava confortá-la.

- Ai, gente, que horror! Será que eles vão matar ela? Não, isso não pode ser!

Astronauta também estava preocupado com o rumo que os acontecimentos tinham tomado e falou a Paradoxo.

- Não há nada que possa ser feito? Apesar de ter cometido tantos erros, essa moça não merece passar por isso.
- Bem, a única coisa que podemos fazer é acompanhar os acontecimentos e deixar e eles corram por conta própria. Acalme-se, comandante. Tudo é passageiro.

Cebola se revoltou.

- Fácil falar, né? Não é você quem tá naquele barraco morrendo de medo!
- E com um monte de tarados prontos pra... pra... – Cascão calou-se ao ver que Magali começou a chorar mais ainda.
- Bem... aquela mocinha moldou o destino com as próprias mãos. Só nos resta esperar e ver se irá ocorrer algum evento capaz de mudar seu futuro.

Xabéu providenciou outra caixa de lenços descartáveis para Magali, que pelo visto não ia parar de chorar tão cedo. Que situação desesperadora!

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Era noite. Após fazer o jantar para sua mãe e comer qualquer coisa, Cebola voltou para o quarto ainda com o coração partido ao lembrar do rosto triste e choroso da Mônica. Certo, ele não conseguia vê-la chorar. Aqueles olhinhos tristes e lacrimejantes eram capazes de deixá-lo todo derretido e ele pensou que estava na hora de fazer alguma coisa. Se a polícia não tinha competência para resolver aquele caso, então cabia a ele tomar providências.

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O cômodo era fracamente iluminado por uma lâmpada incandescente que piscava toda hora. O local era apertado, sem janelas e não devia ter mais que quatro metros quadrados. Só havia espaço ali para um colchonete velho e mofado e uma lata que eles tinham colocado ali para que ela não precisasse sair para ir ao banheiro. Não havia mais nada ali.

Magali estava encolhida em um canto, tremendo de medo e pensando que aquele era seu fim. Não havia como escapar. Aquele cômodo era feito com tábuas ao invés de alvenaria, mas mesmo assim não tinha como escapar dali e encarar aqueles homens armados estava fora de cogitação.

Por que Titi fez aquilo com ela? Será que tudo aquilo fora por causa da surra que ela lhe dera? Era bem provável. O que a deixava mais furiosa foi saber que tinha confiado nele, acreditado que ele foi o único que não lhe abandonou. Que engano... As pessoas eram falsas, mentirosas e podiam lhe apunhalar pelas costas a qualquer momento. Confiar nos outros era bobagem.

“Que frio... será que eles não vão me dar nada pra esquentar? E eu tô com fome também!” seu estômago roncava alto, já que ela não estava acostumada a ficar tanto tempo sem comer. A essa hora ela devia estar em casa jantando e ouvindo as queixas dos seus pais.

Sua fome era tanta que ela nem se importaria em ouvi-los reclamar por causa das suas roupas ou seus hábitos. Contanto que tivesse uma boa refeição à mesa, tudo bem.

“Eles já devem ter percebido que eu sumi... ou não? Ah, peraí, eu nunca cheguei tão tarde em casa! Será que eles deram minha falta?” ela começou a se perguntar se seus pais estariam preocupados com seu desaparecimento, se estariam ou não lhe procurando. E se não estivessem? Seu estômago chegou a doer mais ainda com aquele pensamento.

Claro, ela não era a boa filha que eles gostariam, então por que iriam se preocupar em procurá-la? Talvez estivessem até aliviados por ela ter sumido, assim nunca mais iam ter trabalho com ela novamente.

Sua garganta apertou e ela procurou deitar-se no colchonete. Seu corpo doía e nenhuma posição parecia boa. Seus pensamentos continuaram fluindo à sua revelia e Magali imaginava seus pais felizes e aliviados por ela ter sumido de casa. Sua imaginação corria solta e ela até passou a ver imagens se formando diante dos seus olhos. Será que ela estava delirando?

Ela via sua mãe esvaziando seu quarto, mostrando estar claramente feliz e aliviada. Ela embalava suas coisas em grandes sacos de lixo que seu pai levava para a calçada, onde seriam coletadas pelos lixeiros no dia seguinte.

- Nossa, esse quarto ficou muito mais limpo, não é querida?
- E como! Sem a Magali para bagunçar tudo, isso aqui vai ficar maravilhoso!
- O que vamos fazer com esse espaço extra?
- Hum... que tal um novo filho? – ela falou jogando no saco os seus CDs preferidos.
- Até que seria boa idéia, e dessa vez será um bom filho, muito diferente do que ela foi.

De repente, Mingau entra no quarto como que procurando sua dona. Seu pai o pega pela pele acima do pescoço e diz.

- Agora que ela não está mais aqui, eu vou dar um jeito de me livrar desse bicho. Vou entregar para o controle de zoonoses. Lá eles vão botar ele para dormir.
- Boa idéia! Nunca mais teremos pelos de gato sujando nossa casa!

O gato miava desesperado, como que pedindo socorro. Magali levantou-se rapidamente e começou a andar pelo quarto suando frio e chorando de desespero. Então era isso? Seus pais nunca iam procurá-la? Ela estava sozinha? E ninguém ia sentir sua falta? Não, claro que não. E se em casa era assim, no colégio não ia ser diferente. Era bem capaz de todos os alunos fazerem uma grande festa comemorando sua partida.

Ela voltou a se sentar novamente e seu queixo tremia. Era assim que sua vida ia acabar. Sozinha e violentada por um bando de animais sem que ninguém sentisse sua falta. Não havia mais esperança para ela.

No auge do seu desespero, ela chegou a olhar para os lados procurando algo que pudesse ser usado para tirar sua própria vida. Era melhor morrer ali do que nas mãos daqueles animais. Só que não havia nada, nem mesmo uma coberta que ela pudesse usar como corda. Nenhum objeto com que se cortar ou perfurar seu coração.

A porta se abriu e alguém empurrou algo para dentro rapidamente, fechando a porta depois. Ela foi olhar e viu que era um prato de plástico onde tinha pão com mortadela e queijo, certamente seu jantar daquela noite.

O desespero foi esquecido temporariamente quando ela começou a devorar sua fraca refeição. O gosto estava meio ruim. O pão era velho e a mortadela de péssima qualidade. Aquela noite ia ser longa, muito longa.


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