Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 35
Começam alguns problemas




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A presença daqueles homens fortes e armados a deixava muito nervosa. Ainda assim Magali tentou se manter tranqüila ou ia perder o respeito do que sobrava da sua gangue.

Um deles, que vestia calças folgadas, um boné com a aba virada para trás e uma camiseta surrada falou de forma ameaçadora.

- Seguinte, o chefe não gostou nem um pouco do pessoal dele parar na cadeia, tá ligada?
- Eu já falei que não tenho nada a ver com isso! O idiota do Tonhão agiu por conta própria.
- Não é você que manda nessa porra? Que merda de líder é você que todo mundo fica fazendo coisas pelas suas costas?

Ela engoliu em seco, tentando controlar seu temperamento. Por mais forte que ela fosse, não poderia fazer nada contra homens armados.

- É claro que eu boto ordem no barraco, acontece que meus pais ficaram de marcação e não deu pra eu ficar aqui o tempo inteiro! O idiota aprontou porque eu não tava perto!
- Então você não é de nada, é só uma patricinha metida a rebelde!

Ser chamada de patricinha fez com que seu sangue fervesse. Mais uma vez, a visão da arma na cintura do sujeito fez com que ela mordesse a língua.

- De qualquer forma, eu não mandei ninguém invadir a casa daquele pessoal! Não é culpa minha se seus capangas não deram conta dum idiota fantasiado!

O homem se aproximou e colocou o punho na frente do rosto dela.

- Olha lá como fala da gente, ô vagabunda. O chefe tá muito zangado e isso não pode ficar assim não, valeu?
- E o que a gente pode fazer? Invadir o presídio pra libertar os caras?

Ele se afastou um pouco, inclinou a cabeça para um lado e para outro fazendo o pescoço estalar e falou.

- O Tonhão era da sua gangue. Por causa da burrice dele, a gente perdeu três caras da nossa. Então vocês vão ter que arrumar um jeito de compensar isso.
- Compensar de que jeito? Você não quer que a gente faça parte da sua gangue, quer?
- Uns pirralhos como vocês? Esquece, nosso bando é só pra cachorro grande. – Ele fez um sinal para outro homem, que se aproximou com uma bolsa nas mãos.

Ao ver seu conteúdo, Magali logo percebeu do que se tratava.

- Isso aqui é mercadoria da boa. Vale mil pilas, mas se for esperta consegue mil e quinhentas.  
- Eu não posso pagar por isso!
- Claro que não! Isso é pra você vender na sua escola!
- Como é?

Os outros também ficaram bastante nervosos. Aquele tipo de coisa nunca tinha passado pela cabeça de ninguém.

- Os caras que foram presos por causa daquele idiota vendiam droga e tão fazendo falta agora. Então você tem que compensar isso pro nosso chefe. Vendam direito a mercadoria e não teremos problemas. Senão, você vai ter que nos pagar de outra forma, bonequinha!

Magali engoliu em seco.

- Pro chefe ficar satisfeito, vocês vão ter que vender essa sacola todinha aí e mais umas oito ou nove. Aí ele vai liberar vocês.

Antes de ir embora, ele ainda ameaçou.

- Bota seus amigos pra vender o bagulho e se um deles andar aprontando, vai ver só uma coisa! A gente tá de olho, ó!

Eles foram embora, deixando a bolsa com Magali.

- Eu não quero me meter nisso não! – Titi falou fazendo careta.
- Ah, é? Então pula fora! Só não reclama se amanhecer com a boca cheia de formiga.
- E por que a gente vai ter que resolver essa merda? Não foi culpa nossa! – Franja também reclamou.
- Vocês deixaram o Tonhão fazer besteira, agora vão ter que se virar.
- A gente não sabia e... – Cascão calou-se diante da iminência de levar um soco.
- Pensam que eu sou burra, é? Tá na cara que todo mundo sabia do lance do Tonhão e não fez nada e nem me falou nada, agora vão ter que rebolar pra salvar a própria pele.

Ela foi até a mesa que ficava perto do trailer e despejou sobre ela o conteúdo da bolsa.


- A gente vai dividir tudo entre nós em partes iguais. Quem conseguir vender, me dá o dinheiro que eu guardo. E não tentem aprontar, senão tá todo mundo ferrado!

Ao ver que ela tinha dividido em quatro partes ao invés de cinco, Franja protestou.

- Ô, e a parte da Denise?
- Eu não confio naquela pamonha pra fazer um trabalho desses. Ela tem andado muito frouxa ultimamente e vai acabar ferrando tudo.
- Então por que ela ainda tá com a gente?
- Porque de vez em quando ela é útil pra roubar coisas das lojas. Essa vai ser a parte dela.

Vendo que ninguém entendeu, Magali explicou.

- A Denise é boa pra roubar troço caro. E eu sei onde vender tudo. Não vai dar pra comprar todo esse bagulho aqui, mas acho que vai dar pra ajudar a comprar um bocado e diminuir o trabalho da gente.

Os outros finalmente entenderam e apoiaram.

- O problema é que eles não vão ficar só nisso. – Franja observou guardando sua parte. – Eles vão dar mais coisas pra gente vender.
- A gente vai ter que pensar em alguma coisa. De repente, acaba nem sendo tão difícil assim. Vamos ver no que vai dar.

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- Aqui está, querida! Vê se aparece, viu? Minha festa vai ser tudo de bom! – Carmem falou entregando o convite para Mônica, que o recebeu de boa vontade. Depois de tanto stress, até que seria bom mesmo uma festa para relaxar. E festa a fantasia era melhor ainda, já que ela adorava se fantasiar de personagens diferentes.

Carmem foi distribuindo os convites entre os colegas e todos queriam receber um.

- Puxa, legal a Carmem dar uma festa.
- É... – Cebola falou sem nenhuma empolgação já que não tinha sido convidado. Ninguém ia querer um perdedor como ele estragando a festa.
- Se quiser, eu peço pra Carmem te dar um convite.
- Não, eu não quero. Tá tudo bem. Só tô achando estranho ela querer dar essa festa assim tão fora de hora.
- Dizem que é pra comemorar pela casa dela ter sido salva de ser assaltada.
- Ah, é? Faz sentido.

Quando a aula começou, Cebola acabou perdendo temporariamente o interesse pelo assunto e só voltou a pensar nisso quando deu um intervalo entre uma aula e outra. Ele deu uma olhada no seu tablet e viu as fofocas que circulavam no Facebook da escola.

- “Dizem que o herói mascarado vai aparecer!”
- “Ai, que tudo! Eu tô doida pra conhecer ele!”
- “Ah, deixa disso. Você sabe que é o DC! Nossa, ele fica lindo naquela roupa!”
- “Será que ele vai usar aquela fantasia?”
- “Claro que vai, né? Senão perde a graça!”

Ele guardou o tablet, sentindo o sangue ferver nas veias. Então era isso, aquele cretino do DC pretendia se fazer de herói e levar todos os créditos pelas coisas que ele tinha feito com tanto trabalho! Não era preciso ser um gênio para saber que DC ia usar sua fantasia naquela festa e assim todos iam acabar acreditando de vez que ele era o herói.

“Hunf! Eu não vou deixar isso de jeito nenhum! Esse cara é folgado demais!”

Por um instante, ele pensou em pedir a Mônica que conseguisse um convite com Carmem e depois mudou de idéia. Ele não pretendia revelar sua verdadeira identidade e sim desmascarar o DC. Era preciso pensar em alguma coisa.

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- Então você não esquece. Rouba o máximo de coisa cara que conseguir. – Magali falou para Denise aproveitando que a professora estava distraída.
- Tá bom. Acha que vai dar certo?
- Tem que dar ou a gente tá ferrado.

Denise voltou suas atenções para seu caderno. Ela sabia muito bem da festa que Carmem estava dando em sua casa e sabia que ia ficar de fora. Enquanto as outras garotas podiam se maquiar, vestir roupas lindas e falar de namorados, ela era forçada a andar com aqueles delinqüentes e viver como uma ladra. Como dizer a Magali que não queria mais fazer aquele tipo de coisa? Não havia como. Ainda mais agora que toda a gangue estava com um sério problema com aqueles traficantes.

Quando deu o sinal para o recreio, Magali seguiu para a cantina enquanto Denise deu uma desculpa qualquer e foi para o banheiro. Ela não queria andar mais com eles e faria o possível para ficar longe o máximo que pudesse, ainda que fossem apenas alguns minutos.

Enquanto ia para o laboratório de informática, Cebola viu Denise na porta do banheiro com uma cara estranha e sozinha. Aquilo costumava ser bem raro já que ela só andava com Magali. Uma idéia lhe ocorreu quando ele lembrou o quanto ela era habilidosa para roubar coisas e resolveu arriscar.

- O que você quer? A Magali já não roubou seu dinheiro hoje?
- Eu quelo é falar com você mesmo.
- Sai pra lá que eu não vou sair com um Zé ruela que nem você!
- Blé, não é nada disso, tá doida? É o seguinte, você já deve saber da festa na casa da Carmem.
- E daí? – ela perguntou frustrada.
- Daí que eu vou queler um convite plaquela festa.
- Então pede pra ela.
- Acha mesmo que ela vai me dar alguma coisa?
- Então fica só na vontade mesmo.
- Ou você pode descolar um pla mim.

Denise ficou surpresa.

- Você quer que eu roube um convite? Parece que a Magali andou socando demais sua cabeça!
- Deixa disso, eu te pago uma boa glana por um convite.

O rosto da ruiva se iluminou.

- Paga quanto?
- Tlinta leais na sua mão.
- Blé, eu consigo mais do que isso em qualquer loja. Vou querer cinqüenta reais!
- Cinqüenta? Tá achando que eu planto dinheilo em casa, é?
- Azar o seu, fica sem ir a festa. – ela falou já indo embora e ele a deteve segurando pelo braço.
- Tá bom, tá bom! Cinqüenta leais por um convite. Mas eu só vou poder pagar amanhã.
- Tranqüilo. Eu roubo o convite hoje e te entrego amanhã.

A ruiva saiu dali, deixando-o bastante frustrado. Paciência, era um preço a se pagar para desmascarar o DC. Só lhe preocupava saber se ela ia acabar dando com a língua entre os dentes para Magali.

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- Onde você tava? – Magali perguntou quando Denise sentou-se na mesa do refeitório.
- Olha o que eu descolei! – ela falou mostrando um moderno iPhone.
- Ah, bom! – ela avaliou o aparelho e calculou que ele devia valer uns cinco papelotes. O grupo continuou almoçando e o restante do período de aula transcorreu sem nenhum incidente.

Na hora da saída, o grupo precisou se separar.

- Denise, vai pras lojas e faça seu trabalho. Titi vai comigo pra escola do bairro das pitangueiras e Franja vai com o Cascão pro bairro das laranjeiras.
- Por que a gente não pode vender aqui mesmo? – Cascão perguntou.
- Tá maluco, é? Nem pensar, é muito arriscado. Vamos vender nas outras escolas que é mais seguro. Agora vamos!

Quando viu o grupo se separar, Cebola aguardou até que Magali sumisse de vista e correu até Denise.

- Você conseguiu o convite?
- Foi muito fácil. E aí, cadê a grana?
- Eu não tenho aqui comigo. Vamos lá pla casa que eu te pago ainda hoje.

Como queria mesmo receber aquele dinheiro, Denise não fez objeção e seguiu Cebola até sua casa.

- Olha, selia bom se você não falasse nada disso pla Magali.
- Meu silêncio vai custar dinheiro.

Ele a olhou de cara fechada.

- E você vai falar pla Magali que andou negociando comigo pelas costas dela? Se liga!

Denise parou de andar e ameaçou dar meia volta.

- Faz isso e você não vai leceber porcalia nenhuma. Calamba, galota, você tem que ficar dando uma de esperta o tempo todo?
- O mundo é dos espertos, carequinha.
- Sei, você é tão esperta que vive apanhando da Magali. Que foi, falei mentila? Por acaso você não cansa disso não?
- Não vem falar de mim não, você apanha dela todo dia e muito mais do que eu!
- Só que eu tô ajeitando meu lado na surdina. Acha que eu sou bobo de ficar apanhando a vida inteila?

Eles chegaram a casa do Cebola e o rapaz entrou para pegar o dinheiro. Quando ele voltou, Denise quis saber.

- O que você tá armando?
- Como é?
- Você falou que tá ajeitando seu lado. Acha mesmo que vai ficar livre da Magali?
- Acho não, tenho certeza. Só que eu não vou te falar nada porque sei que você vai contar tudo pla ela.

Denise olhou para os lados, arrastou um pé no chão e falou hesitante.

- Eu prometo que não falo nada. Palavra de Denise.
- Você tá quelendo pular fola?
- Tô. A coisa tá ficando feia pro nosso lado e a bomba vai estourar a qualquer momento.

Os dois foram para o lado de dentro do quintal onde podiam conversar sossegados e Denise explicou todo o problema que eles estavam tendo com os traficantes. Cebola ouvia tudo muito preocupado. Aquele sim era um problema de grandes proporções.


- Agora você tá vendo o tamanho da encrenca. O pior é que eu nem fiz nada, foi tudo culpa do Tonhão!
- Fala sélio! Isso sim é um angu de caloço.
- Se você tem um plano pra ficar livre da Magali, então eu quero entrar. Cansei dessa vida!
- Ainda não sei...
- Eu posso ser útil. Se você quiser informação de qualquer coisa, eu arranjo fácil.

Cebola pensou um pouco se aquilo era ou não viável. Talvez fosse vantajoso ter alguém entre a gangue para ficar de olho em tudo. Usar seus nano robôs era difícil e dispendioso. E dava para ver o quanto ela estava mesmo exausta. Ainda assim ele não pretendia confiar nela assim logo de cara. Todo cuidado era pouco.


- Tá bom, eu te ajudo e você me ajuda. Só que você vai ter que confiar em mim e não falar nada lá pla valentona.
- Pode deixar. O que eu devo fazer?
- Eu pleciso que você me dê informações soble os outlos tlês.
- Tá falando do Franja, do Titi e do Cascão? Isso é fácil, só que agora não vai dar. Eu tenho negócios, você sabe.
- Tudo bem. Depois a gente marca uma hola pla conversar.

Denise foi embora sentindo-se mais esperançosa e Cebola entrou para cuidar dos seus afazeres. Um deles estava do seu lado e ele viu que Denise também queria sair. Se seu palpite não estivesse errado, ele também acreditava que Cascão pensava da mesma forma. Até que poderia ser boa idéia se os dois saíssem de uma vez. E mesmo sabendo que Titi e Denise não eram exatamente ligados, ele tinha a esperança de que com a saída dela, o dentuço acabaria saindo também, sobrando somente o Franja. Não tendo mais ninguém para intimidar, ele acabaria saindo automaticamente. Caso não fizesse isso, ele pensaria em um jeito de convencê-lo.

Só faltava pensar em alguma coisa para dar um jeito nos traficantes. Que droga, como ele ia imaginar que armar para cima do Tonhão ia acarretar aquele efeito colateral? Aquilo podia ser um problema... se eles ficassem muito intimidados com os traficantes, poderia ser mais difícil separá-los já que eles teriam medo de ficarem sozinhos.

- Hora de mais um plano. – ele falou consigo mesmo bem decidido e confiante.


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