Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 34
Tomando consciência de si mesma




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- Vamos lá, Mônica! Você consegue! – ela tentou novamente e mais uma vez não aconteceu nada. – Caracoles! Por que não consigo tocar essa porcaria? Ai que ódio!

Ela levantou-se dali antes que acabasse partindo o piano ao meio. Depois da discussão com sua mãe alternativa, Mônica até conseguiu que seus pais a respeitassem mais um pouco e diminuíssem as cobranças. Ainda assim ela continuava com o compromisso de tocar e a moça começou a sentir uma ponta de arrependimento por ter dito que ia conseguir. E se não conseguisse?

- Como vou aprender uma coisa que nunca estudei na vida? Isso não faz sentido! – Era seu duplo quem tinha estudado tudo aquilo, não ela. Não havia nenhuma memória em sua cabeça.

O pior era que todos cobravam. Seus pais e até suas amigas queriam ouvi-la tocar. E quando Carmem saiu espalhando que ela tinha um piano em casa, a situação começou a ficar insuportável. Que coisa... ela tinha se livrado da Magali, que não lhe causava mais problemas, e agora era obrigada a lidar com a cobrança constante das amigas.

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- Hum... parece que as coisas estão se ajeitando. – Paradoxo falou coçando o queixo.
- Se ajeitando? Tá de brincadeira? Ela ainda não consegue tocar aquela coisa e acho que nem vai conseguir.
- Claro que vai! – Magali discordou. – a Mônica acaba sempre dando um jeito!
- Duvido que ela vai dar um jeito nessa! – Cebola falou de forma impertinente.
- Se você fosse apostar, perderia feio rapaz. Bem, acho que não temos mais porque alongar isso. Essa moça já está preparada para nossa conversa.
- Que conversa? Aff! Sumiu!
(Zé Luis) – Agora eu fiquei curioso! O que será que ele vai falar para ela?
(Astronauta) – Estava me perguntando isso o tempo inteiro. Acho que vamos saber em breve.

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Depois de um bom banho, D. Cebola estava até um pouco mais calma que de costume.

- Viu só, mãe? Eu falei que ia te fazer bem.
- O que vai me fazer bem é um pedaço de bolo de chocolate!
- Isso não. Na sobremesa eu te dou um PEDACINHO, mas aqueles pedações enormes nem pensar!
- Você é muito ruim mesmo, fica me maltratando desse jeito, que horror! Eu devia chamar a polícia.
- Então chama. Duvido que eles vão me prender só por te dar comida saudável.

Ela saiu dali resmungando e foi para a sala ver televisão. Mesmo não fazendo exercícios, Cebola notou que ela tinha emagrecido um pouco só pela mudança na alimentação. Por isso mesmo ele não ia desistir de jeito nenhum. Talvez fosse até melhor parar de comprar porcarias e doces. Enquanto ela ainda tinha preguiça de se levantar do sofá, não havia perigo. Mas com o tempo ela acabaria descobrindo que tinha condições de atacar a geladeira e todo progresso seria perdido.

Ele voltou para seu quarto e se colocou diante de um quadro onde havia fotos espetadas com percevejos. Ali estavam as fotos dos membros da gangue da Magali e a do Tonhão tinha um X vermelho, indicando que ele estava fora.

Pelo que ficou sabendo aqui e ali, aquele brutamontes tinha sido mandado para um colégio militar muito rígido, onde teria que marchar, seguir ordens e lavar privadas imundas. Bem feito para ele! Faltava agora decidir qual seria o próximo.

- Deixa eu ver... Titi gosta de arrombar carros. Então eu teria que ficar de olho e chamar a polícia quando fosse necessário. Hum... Magali pode acabar proibindo o pessoal dela de fazer essas coisas por um tempo. Deixa eu ver...

Sua atenção voltou-se novamente para Denise. Será que valia a pena? Ela só servia para ser cupincha da Magali e roubar coisas das lojas. Sobravam Titi, Franja e Cascão. Titi parecia ser o mais forte dos três, talvez fosse boa escolha. Ou então o Franja? Cascão era o que mais queria pular fora, o problema era que ele poderia ser perseguido depois. Tinha que ser alguém que não corria tanto esse risco e ele resolveu vigiar os outros dois rapazes. Uma hora ia acabar surgindo outra idéia brilhante para tirar mais um deles do jogo.

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Pelo menos daquela vez Mônica não iniciou um ataque de gritos histéricos quando Paradoxo apareceu na sua frente. Ela ficou até muito feliz e aliviada.

- Ainda bem que você apareceu, homem do jaleco branco! Eu tô passando o maior aperto!
- Está bem, menina. Antes de mais nada, pode me chamar de Paradoxo. Segundo, tem algumas coisas que eu preciso lhe dizer para que você se adapte melhor a sua nova vida.
- E você só vai dizer agora? Por que não disse antes? Nem queira saber o tanto que tô sofrendo aqui! – ela falou zangada.
- Acalme-se e vamos conversar em outro lugar mais calmo.
- Tá bom, mas na lua não heim!

Não adiantou ela falar nada. Eles foram para a lua de qualquer jeito. Ignorando a cara feia que ela tinha feito, Paradoxo começou.

- Por que você está tendo tantas dificuldades, menina?
- Porque não tô conseguindo fazer as coisas que você disse que meu duplo fazia! É isso!
- Está tudo na sua memória!
- Não tá não! Eu tô cansada de quebrar a cabeça pensando em como resolver isso e até agora nada!
- Esse é o seu problema.
- Que problema?
- Você pensa demais.
- E não é pra pensar?

Paradoxo balançou a cabeça se divertindo com a confusão da garota e continuou tentando ser o mais claro possível.

- Parece que você não percebeu um detalhe. Você está numa dimensão alternativa e esse universo está se ajustando a sua presença. No momento, você e seu duplo são uma só. Ela está em você assim como você está nela.

Ele deixou que Mônica refletisse um pouco para assimilar a informação e continuou ao ver que ela parecia estar entendendo.

- Por isso mesmo, tudo o que ela viveu e aprendeu está na sua memória porque ela está dentro de você.
- Isso até faz sentido, mas...
- Mas?
- Será que eu consigo entender as coisas que ela aprendeu? Tudo parece tão difícil!
- Seu duplo aprendeu, não aprendeu?
- Aprendeu, só que ela é ela. Eu sou eu. A gente pode até ser a mesma coisa agora, mas cada uma é cada uma!
- Errado!
- Como é?
- Sabe qual é diferença entre você e seu duplo?
- Não...

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Na nave Hoshi, todos prestavam atenção a conversa e Cebola nem piscava direito. Será que aquele homem ia mesmo conseguir fazer Mônica acessar as lembranças do seu duplo?

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- A diferença entre vocês é unicamente a vida que cada um viveu. Eu explico: seu duplo nasceu de pais ricos, teve muitas oportunidades que você nunca teve. Eles se preocuparam em educá-la e desenvolver seu potencial.
- Meus pais também me educaram!
- Sim, mas não da mesma forma que os pais alternativos. Eles tinham dinheiro e condições para pagar ótimos cursos, colégios, professores particulares e seu duplo cresceu num ambiente onde as pessoas a estimulavam o tempo inteiro.
- É? Nossa...  
- Exato. Apesar de ter a mesma força física, seus pais procuraram direcionar sua energia extra para outros objetivos. Deu para entender?
- Deu, né... mas de que forma isso vai reativar minhas lembranças?
- Então você não entendeu completamente. O que eu quero dizer com isso tudo é que você e seu duplo são exatamente iguais geneticamente, gene por gene, sem a menor diferença. A única diferença entre as duas foi terem vivido vidas diferentes. É isso.

Mônica abriu a boca e fechou de novo, sem pronunciar uma única palavra. Até então ela não tinha se dado conta daquele detalhe. Então elas eram mesmo iguais? E a única coisa que as diferenciava era a vida que cada uma tinha vivido?

- Então você tá me dizendo que... que... se eu tivesse as mesmas oportunidades que ela, teria aprendido as mesmas coisas?
- Isso mesmo! Não há nada que uma possa fazer, que a outra não possa. Vocês são iguais, esqueceu?
- Puxa! Agora tá tudo fazendo sentido! Que coisa!
- Ainda bem. Acredito que com isso você não terá mais dificuldades daqui em diante. Pense que essas lembranças fazem parte de você agora. Enquanto você estiver nessa dimensão, elas serão suas e estarão dentro do seu cérebro. Só relaxe e deixe vir.

Ela deu um suspiro aliviado, já com mais esperança de que ia conseguir se adaptar aquela realidade e voltar para casa. Uma coisa, porém, lhe ocorreu.

- Aqui, por que você não me falou isso antes?
- Porque antes você não aceitava a si mesma.

Ouvir aquilo foi um choque, mas ela sabia que ele estava falando a verdade.

- Você se esforçava para ser outra pessoa, corresponder às expectativas dos outros e tentava a todo custo negar sua forma de ser.
- Eu só queria melhorar pelos meus amigos!
- Mesmo que isso custasse mudar quem você é por dentro?
- Se fosse preciso, sim. Sempre fui muito marrenta, mandona e teimosa e às vezes eles sofrem com isso. Não quero mais causar problemas pra eles por causa do meu gênio e nem ficar assustando ninguém. Eles são os melhores amigos do mundo e merecem que eu me esforce por eles!

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Xabéu deu um lenço para Magali enxugar as lágrimas.

- Você também é a melhor amiga do mundo! Buáaaaaa!
- Tem um cisco no meu olho, véi! – Cascão falou também esfregando os olhos para evitar que as lágrimas caíssem. Ter água escorrendo pelo seu rosto não lhe agradava nem um pouco.
- Hunf! – Cebola falou virando o rosto para o lado. Do que eles estavam falando? Mônica tinha sim muitos defeitos e não fazia mais que sua obrigação se livrar deles.

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- Muito nobre da sua parte, não nego e entendo suas intenções. Só que você tem que entender o seguinte: quem vive sua vida é você e mais ninguém. Por isso, nada mais justo do que tomar esse tipo de decisão visando o seu próprio bem estar.
- Isso é egoísmo!
- Não, não é. Egoísmo é usar os outros para satisfazer seus interesses sem se importar com os sentimentos das pessoas. Melhorar e mudar visando primeiramente o próprio bem não é egoísmo. Como falei, é você quem vive sua vida. Quaisquer decisões que você tomar nessa área irão te afetar diretamente e será você quem vai arcar com as conseqüências. Mesmo que isso afete outras pessoas, você será sempre a primeira a ser afetada.
- Que complicado... então eu não posso mais querer mudar pelos outros?
- Antes de mais nada, mude por você mesma. Cada pessoa deve achar que você precisa ser de um jeito, mudar isso ou aquilo. O problema é que elas não sabem suas reais necessidades. Só você sabe isso. É como dizem por aí: cada um sabe onde o calo aperta.  
- Isso é verdade... quem vive minha vida sou eu!
- Vejo que entendeu.
- Só que eu ainda tenho tantos defeitos...
- Todos têm. Isso faz parte de ser humano. Mas antes de você mudar qualquer coisa, pense se é o que você quer ou se está apenas atendendo as vontades e caprichos dos outros.

Paradoxo levou os dois de volta para o quarto da Mônica e falou antes de se despedir.

- Menina, se você não aceitar a si mesma, então ninguém fará isso. Tome muito cuidado antes de querer mudar pelos outros, porque no final pode restar apenas alguém que não tem nada a ver com você. Lembre-se: quem quer agradar a todo mundo, acaba não agradando a ninguém. Boa sorte.

Ele desapareceu deixando Mônica sozinha e pensando em tudo o que tinha acontecido. Mais que depressa, ela pegou seu diário e começou a escrever tudo o que ele tinha falado enquanto ainda estava fresco em sua memória.


- Ele tem razão, viu... se eu não gostar de mim, quem vai gostar? Quer saber? Eu é que não vou mais ficar mudando pra agradar ninguém, cansei! Eu sou assim e pronto. Quem não gosta, come menos!

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Na casa da Carmem, DC esperava na sala quando ela apareceu com vários envelopes nas mãos.

- Já estão todos prontos. Olha como ficaram lindos!

DC pegou um deles e olhou sem o mesmo ânimo da loira. Não importava a aparência dos convites e sim seu conteúdo.

- E seus pais deixaram numa boa, tem problema não?
- Claro que não! Eles sempre fazem o que eu peço. Ai, essa festa a fantasia vai ser um luxo que só vendo! O salão vai ser todo decorado, vai ter recepcionistas na porta de entrada e...

Ele procurou ouvir pacientemente a tagerelice dela, que descrevia toda empolgada os detalhes da festa que ia ser dada dentro de uma semana para comemorar o não assalto da sua casa. Sua mãe tinha ficado tão aliviada por não ter perdido suas jóias que não fez nenhum tipo de objeção. E Carmem também queria homenagear DC durante a festa, como seu herói e, quem sabe? Finalmente seu namorado.

- Beleza, agora só falta distribuir esses convites pro pessoal.
- Só não sei se quero convidar os pés de chinelo. – ela falou fazendo careta.
- Se a gente ficar escolhendo demais, a festa vai ficar vazia e aí não tem graça. Fica tranqüila, o pessoal é pobre, mas é limpinho.
- Tudo por você, gatinho!

Como precisava dos favores dela, DC se deixou ficar e acabou lhe dando alguns beijos. Até que não era tão ruim assim, afinal era uma das garotas mais bonitas do colégio. Talvez, se Mônica começasse a apresentar muitas dificuldades, Carmem poderia ser uma segunda opção. Apesar de ser chata e fresca, era capaz de fazer tudo por ele e isso a tornava fácil de manipular.

Ele saiu da casa feliz por ter conseguido colocar parte do seu plano em ação. Naquela festa ele ia se consagrar como o herói mascarado e se tornar o rapaz mais descolado e popular da escola. Claro, havia o verdadeiro herói e DC imaginava que ele ia aparecer na festa.

“Eu vou ter que dar um jeito de colocar esse cara fora de jogo. Tenho que convencer todo mundo que ele é o impostor. Hahaha, vai ser demais!”


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