Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 13
Um dia de sábado




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- O que tá achando da escola?
- Eu gosto. Só não gosto da implicância da Magali e os amigos dela.
- É... não tem como gostar disso. Só não entendo por que você insiste em tentar conversar com ela.
- Sei lá, só acho que deve existir alguma bondade ai.
- Bondade na Magali? Isso non ecziste! Ela não é chamada de Magaléfica à toa!

Os dois deram uma risada.

- Digamos que eu acredito que haja bondade nas pessoas.
- Às vezes eu acredito, às vezes não... e no caso da Magali, eu não acredito de jeito nenhum!

Ela deu um sorriso meio sem jeito. Não dava para explicar a ele que a Magali do seu mundo era exatamente o oposto daquela delinqüente.

DC olhou para ela com aquele sorriso maroto e convidou.

- Aqui, você não quer ir ao cinema comigo não? Vai passar um filme da hora hoje!
- Eu não sei se meu pai vai deixar. Você sabe, ele é meio protetor... – ela mentiu. Bom, pelo menos em parte já que o seu pai original era mesmo protetor. O daquele mundo ela ainda não sabia.
- Ué, pede pra ele! Não Custa nada. Anda, vai ser legal! Eu prometo!

Por alguns instantes ela ficou em dúvida. Seria correto sair com o DC alternativo? O Cebola certamente não ia gostar nem um pouco. Se bem que não era um encontro romântico, era apenas um passeio entre amigos. Além do mais, o Cebola não ia saber.

- Então tá, eu vou pedir pra ele e depois eu te ligo.
- Beleza!

Ele acompanhou a moça até o estacionamento do shopping, onde estava sua lambreta e depois que ela foi embora, o rapaz esfregou as mãos já achando que ela já estava no papo. Bastava jogar charme, uma boa conversa e pronto! Ele mal podia esperar.

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Cascão e Magali se afastaram um pouco do Cebola, que já tinha fumaça saindo pelas orelhas e trincava os dentes com raiva.

- Grrr! Eu não acredito que ela vai fazer isso, que desaforo! Como ela tem coragem de ir pro cinema com aquele babaca? E eu? Ela não pensou em mim não?
- Tá achando ruim do que? Você também queria fazer a mesma coisa, esqueceu? – Cascão falou lembrando o amigo de que ele também queria sair com outras garotas.
- Não muda de assunto!

Magali se indignou.

- Como é? Você ia mesmo sair com outras garotas na frente da Mô? Então é bem feito ela sair com o DC daquele mundo! É pra você aprender a não ser um bobão!

Astronauta estava interessado em acompanhar os acontecimentos no outro mundo e mandou que todos ficassem quietos. Cebola obedece, mas ficou remoendo de raiva por dentro. Ele só melhorou um pouco ao ver o seu duplo andando na rua levando várias sacolas e percebeu que eles iam acompanhar um pouco da vida dele.

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Fazer compras não era exatamente fácil. Principalmente aos sábados, quando o supermercado ficava com a lotação máxima. Era preciso sair bem cedo e mesmo assim ele só conseguia voltar depois das dez e meia da manhã. Cebola equilibrava as sacolas com dificuldade enquanto apalpava os bolsos procurando pela chave de casa. As sacolas feriam um pouco seus braços por causa do peso e também da quantidade.

Ele olhou para os lados e viu, para seu alívio, que não havia nenhum sinal da Magali e sua gangue. Para sua sorte, ela gostava de dormir até tarde nos sábados, então não havia risco de encontrar com ela. Ainda assim era preciso ter cuidado. Na última vez que eles se encontraram, todas as sacolas foram derrubadas no chão, os itens mais interessantes como doces, chocolates, biscoitos e salgadinhos foram levados e o restante pisoteado. Isso sem contar a surra que ele levou, para variar.

E ele ainda levou uma bronca monumental da sua mãe, que não quis nem saber o que tinha lhe acontecido no meio do caminho.

Quando chegou em casa, ele abriu a porta ainda bastante desajeitado por causa das sacolas e entrou. A casa estava um pouco escura e com um cheiro não muito agradável apesar das suas tentativas de mantê-la limpa. Que cheiro era aquele que não ia embora nunca?

- Você demorou! – Uma voz chorosa falou em tom queixoso. – Você sabe que eu não gosto de ficar com fome! Eu estou com fome e você me deixa sem comida, seu ordinário! Desnaturado!

A mulher começou a falar descontroladamente e ele colocou algumas sacolas sobre o sofá, procurando por algo aflito para acabar com aquele falatório. Quando encontrou, ele colocou diante do rosto dela que ainda levou alguns segundos e vários chamados do Cebola até perceber o que estava a sua frente: uma barra de chocolate com castanha de caju.

Ela não perdeu tempo e arrancou o chocolate da mão dele, rasgou a embalagem às pressas e deu uma grande mordida. Sua fisionomia se distendeu automaticamente, mostrando grande alívio.

Ao ver que ela ia ficar distraída por um tempo, ele pegou as sacolas e foi para a cozinha a fim de guardar as compras e preparar o almoço. Naquela casa, era Cebola quem preparava as refeições, fazia a limpeza, as compras e até lavava algumas roupas apesar de eles entregarem esse serviço a uma lavadeira e passadeira. Sua mãe não fazia praticamente nada a não ser comer, dormir, fumar e reclamar, sempre reclamar de tudo.
 
Beirando os cento e vinte quilos, D. Cebola não conseguia fazer quase nada e simples caminhadas eram sempre um sacrifício para ela, que procurava se movimentar o mínimo possível para evitar a fadiga.

Primeiro ele foi guardar os congelados. Vários tipos de lasanhas como calabresa, quatro queijos e frango. Também tinha Fettucine ao molho bolonhesa, escondidinho de batata com carne e vários outros pratos feitos para serem fritos, preparados no forno ou microondas. Cerca de noventa por cento das refeições feitas naquela casa eram constituídas de comida pronta e congelada. Pouca coisa era feita ao natural.

Cebola cozinhava medianamente bem, mas sua mãe preferia a comida pronta por ser mais rápida e também porque tinha se viciado no sabor. Por mais que ele tentasse, ela não comia saladas ou comida integral porque achava o gosto ruim. Nem mesmo produtos de baixa caloria. Quando ele tentava enganá-la lhe dando algo light, ela sempre percebia a diferença e falava por horas seguidas o quanto ele não valia nada e era o pior filho do mundo por lhe dar aquelas porcarias.  

- Você já tá fazendo a comida? Tô morrendo de fome aqui!
- Ainda não são nem onze horas, mãe!
- Seu preguiçoso! Você nunca faz nada pra mim, nunca me ajuda em nada, que ordinário! O que eu fiz pra parir uma peste como essa, meu Deus, o que eu fiz? Isso só pode ser castigo e...

Ele deu um longo suspiro e correu para colocar algo no microondas.

“Droga, por que ela tem que ser assim? Eu faço tudo nessa casa e ela nem me dá um muito obrigado? Se pudesse eu fugia pra bem longe! Um dia vou embora e não volto nunca mais! Aí ela vai ter que se virar sozinha!”

D. Cebola falou por quase meia hora seguida e só se calou quando ele colocou a refeição em seu colo, tudo em uma bandeja. Estrogonofe de frango, arroz a grega, batata frita e um grande copo de refrigerante para acompanhar. Tudo em porções tamanho-família porque quando achava que ele colocava menos, ela o xingava de pão duro e o acusava de tentar matá-la de fome.

- Você não colocou gelo no refrigerante! Quer que eu tome esse troço quente?

Sem falar nada, ele pegou o copo, foi até a cozinha e adicionou algumas pedras de gelo. De que adiantava argumentar que o refrigerante já estava bem gelado? Na maioria das vezes discutir com ela era sempre pior. Quando voltou com a bebida, ela ainda reclamou pela demora e voltou a comer avidamente. Em pouco tempo o prato estava limpo e ela ainda pediu mais alguma coisa para comer.

- Me faz aquele sanduíche de presunto com queijo e ovo que eu gosto! E me traz mais refrigerante.
- Tá bom, mãe.

Mais uma vez ele voltou a cozinha e preparou o sanduíche para ela, que foi acompanhado com outro grande copo de coca-cola. D. Cebola só tomava coca, pepsi e de vez em quando Fanta. E tinha que ser comum. Ela não aceitava nenhuma outra bebida e tinha horror a produtos light.

- Eu vou querer sorvete, e tem que ser completo!

Completo, no vocabulário dela, significava grandes bolas de sorvete acompanhadas com muita calda, chocolate granulado, talvez alguns confeitos, biscoitos de waffer e se possível, chantilly. Como ela conseguia acomodar tudo aquilo dentro do estômago?  Será que a gula da Magali tinha passado toda para ela?

Ao terminar de comer, ela se acomodou no sofá de três lugares, ocupando todo o espaço e começou a roncar sonoramente. Era seu momento de alívio. Sua mãe sempre dormia depois do almoço e só acordava por volta das quatro da tarde para comer e depois passava o resto da tarde e parte da noite vendo suas novelas e comendo mais uma vez.

O rapaz fez uma refeição rápida para si mesmo e comeu sem nenhum apetite. Depois de colocar tudo em ordem, ele foi para o quarto e deu um longo suspiro ao passar pelo quarto de Maria Cebolinha. Ele tinha sido deixado tal como ele era, com o berço, tapete, brinquedos, cortinas, etc. Até aquele cheirinho de bebê ainda pairava no ar.

Ele engoliu em seco e foi para seu quarto cuidar dos afazeres. Não havia mais nada para fazer e nenhum lugar interessante para ir.

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Cebola acompanhava tudo com o coração apertado. O que tinha acontecido com o duplo da sua mãe para ela ter ficado daquele jeito? Ele mal pode reconhecê-la. Outra pergunta também lhe incomodou.

- Peraí, cadê a Maria Cebolinha? Por que o quarto dela ainda tá parecendo quarto de bebê?

Astronauta abaixou os olhos, já imaginando qual seria a resposta. Aquele quarto vazio de criança não era bom sinal. Onde estava aquele maluco do Paradoxo que não aparecia? Ele certamente saberia responder essa pergunta.


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