Orange Cup escrita por Yuna Aikawa


Capítulo 1
Tédio




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/33420/chapter/1

            Era uma manhã qualquer quando me encontrei com Anne no Orange, um café local. Orange Cup, o melhor lugar do mundo  se você quer tomar um delicioso chá de gengibre, era nosso ponto de encontro há 3 anos, quando nos conhecemos ali mesmo – hoje é apenas mais uma loja abandonada e invadida pela grama alta.

            Eu? Tenho 27 anos agora, mas a conheci com dezesseis. Você deve estar se perguntando “ta, esse cara está enrolando, mas por que diabos a Death Kiss se matou?”. Devo dizer que enrolar é uma arte, eufemisma as informações e deixa tudo mais lento, ou seja, não tenho a menor pressa em te dizer nada, sugiro até que pegue uma xícara de chá para ler este vômito de palavras.

            Bem, vamos começar com: eu fui preso. Calma, eu não matei ninguém, infelizmente, estava apenas surtando numa praça pública, xingando Deus e o mundo a troco de absolutamente nada. O que houve? Ah, eu havia bebido um pouco demais e já estava de saco cheio de ver vagabundos dormindo nos bancos, fazendo-nos temer ser assaltados ou até mesmo estrupados por eles.

            Não, não fui preso por isso. Anne morava por ali e foi me buscar, como uma mãe que recolhe seu garotinho do bar. Tomei um longo banho enquanto Kiss fazia um chá de limão para mim – faltava poucas horas para o nascer do sol. Assistimos a enorme bola de fogo surgir no horizonte na varanda do apartamento, tomando chá, sem trocar nenhuma palavra além do clássico “eu te amo”.

            Óbvio que eu nem abri a boca, a declaração teve uma voz feminina e uma resposta nada suave. Fiquei em dúvida entre dizer “eu amo chás” ou “poxa, obrigado” ou, a opção escolhida, “achei que eu havia bebido, não você”, estúpido não?

            Saímos da posição mais confortável do mundo, de dentro da barriga de nossas mamães, posição de sanguessugas, para enfrentar o mundo: corrupção, vestibulares, egoísmo, pobreza, doenças e, no caso de Anne, cortes. Não, não “cortes” no sentido figurado, eu confesso que a cortei com cacos da xícara de chá enquanto tranzávamos na varanda. Acreditam que eu fui preso por isso?

            A polícia achou que eu estava a matando, mas pude gozar duas vezes antes de ser preso. Já tínhamos 18 anos quando isso aconteceu, mas os policiais não quiseram ouvir os choros da garota.

            Anne se jogou da varanda no seu aniversário de dezenove anos e, desde então, eu mofava de tédio na cadeia, sem visitas ou chás.

            Hoje, depois de oito anos preso e sendo estrupado por guardas e colegas de celas, eu descobri sobre o Orange Cup e Anne, coisas que só me aborrecem. Devo me entregar à sociedade e, depois de uma enorme caneca de chá, matar-me ou sigo em frente arrastando o tédio com a barriga?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!