O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 32
Capítulo 31 - O Casamento


Notas iniciais do capítulo

Eu ia agendar pro Natal, mas não deu certo :/ Entonces fica pra véspera mesmo



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A viagem de volta foi consideravelmente tranquila, como esperado com a chegada da primavera. Leharuin perguntou se a mãe gostaria de voltar com ele, porém ela rejeitou a oferta e o ladrão entendeu a razão. Katriel estava acostumada demais a solidão e tinha medo de ser iludida outra vez. Leharuin prometeu que a visitaria, porém não no inverno. Disse que, na próxima vez, traria Clara. Caso houvesse algum contratempo, ele tentaria informá-la. Não queria que ela pensasse que ele era como seu pai...

Enzo não implicou com ele durante todo o trajeto, embora Leharuin sempre soltasse um comentário infeliz quando o garoto deixava a cabine do capitão. O pequeno pirata apenas o encarava e o ladrão deduziu que Sendulum havia feito alguma coisa. Provavelmente lhe dera uma espécie de bronca e por isso ele já não lhe atormentava. Com o tempo, irritar Enzo perdeu a graça e o próprio ladrão parou com os comentários. Outra mudança digna de nota era que agora apenas meia dúzia de borboletas acompanhavam o rapaz, as outras centenas se dispersaram e ele se sentia bem com isso.

Chegaram ao Porto de Telquines com uma semana de antecedência e Leharuin não poderia estar mais feliz. Os piratas ficaram no navio, bebendo e preparando-o para a nova viagem que em breve fariam. Provavelmente para saquear alguma cidade do reino de Carlihoe. Sendulum e Enzo o acompanharam, como de costume. Enzo porque, claramente, queria ver Analiese e Sendulum porque queria dar um olá para Seamus.

Quase seis meses ausente é o suficiente para muita coisa mudar, porém Analiese não mudou em nada. Leharuin ainda podia reconhecê-la perfeitamente apenas pela silhueta dela na rua do mercado. Foi com um grande susto que a pobre garota sentiu-se ser erguida no ar e rodopiada pelo ladrão, que a abraçou por trás. Leharuin transbordava de alegria, seria capaz até mesmo de abraçar Richard.

— Liese! Uma semana, consegui chegar uma semana antes do previsto! — No rosto da antiga princesa, havia um misto de diversos sentimentos: alívio, alegria, tristeza e preocupação. — O que houve?

— O quê? Ah, nada! Fiquei apenas surpresa! Digo, não é normal ser erguida do nada, não é? Você poderia me ajudar a carregar isso até a casa de Henry? Seamus e Lily também estão lá. — O ladrão sentia a felicidade murchar um pouco dentro dele. Olhou para as mochilas de couro que ela carregava, de fato pareciam pesadas. Não havia motivos para se preocupar. — Eu acabei comprando mais do que deveria. É que tudo ficou tão barato!

— Tudo fica mais caro no inverno. E então o preço se normaliza. — Sendulum informou e ela sorriu. Liese os guiou por uma série de becos, até que finalmente chegaram a uma casa de aparência simples, o que surpreendeu Leharuin. Casas eram caras, como Henry conseguiu dinheiro para comprar uma? Por mais simples que fosse?

— Eu encontrei alguém no Mercado do Porto! — O tom dela era feliz, mesmo que algo dentro dele o alertasse de que havia algo errado. Estava prestes a perguntar onde estava Clara quando foi surpreendido por Lily e Seamus. Por alguma razão, foi incapaz de esconder o sorriso. Lily estava sentada no sofá, mas pela forma como Seamus estava ajoelhado com a mão sobre a barriga dela não foi preciso que ninguém lhe contasse.

— Parece que alguém foi rápido. — comentou, certo de que aquilo envergonharia o irmão. Mesmo eu fiquei surpreso, meus amigos, talvez eu tenha superestimado a lerdeza do rapaz.

— Não seja idiota, titio. — Seamus murmurou, claramente bastante constrangido. Era algo particularmente engraçado de se observar, as orelhas do rapaz se tornarem cada vez mais vermelhas. No entanto, por mais divertido que fosse, havia uma pergunta que não saia de sua cabeça.

— Onde está Clara? — Todos trocaram olhares e aquele sentimento de que algo estava errado se solidificou. Ninguém parecia querer falar e os olhares recaíram sobre Liese.

— Leharuin... o pai dela nos expulsou há algumas semanas. E ela está doente... — O ladrão não pode deixar de se sentir aliviado. Ela estava doente, mas ao menos estava viva. Podia lidar com aquele homem, ele só precisaria raptar Clara e então ela melhoraria e tudo ficaria bem. — Semana passada ela foi para uma casa de curandeira... voltou hoje. Seamus tem vigiado-a e eu a visito escondido sempre que o pai dela não está.

— Só precisamos tirar ela de lá. — Nada iria arrancar aquele pensamento de sua cabeça. Iria até lá agora, nem que precisasse matar o pai dela para isso.

— Leharuin... — Liese suplicou, porém ele não lhe deu ouvidos. Era um fora da lei estava acostumado a invadir casas e roubar coisas. Só que dessa vez iria roubar uma pessoa. Uma pessoa que lhe pertencia, assim como ele pertencia a ela.

— Seamus, o pai dela está em casa? — Quando o ruivo maneou a cabeça em sinal negativo, o ladrão saiu em disparada pela porta. Liese, Seamus e Sendulum foram atrás dele. Enzo continuou na casa, ao lado de Lily.

— Lily, o que houve? Pensei ter... Enzo? — A figura de Henry surgiu da escada. Pelos olhos cansados, o pequeno pirata pode ver que o rapaz estivera dormindo. Eruwin surgiu logo atrás, com um sorriso bobo nos lábios.

— Ele voltou, Henry. Está indo ver Clara. — A jovem olhava para a própria barriga, com a mão, tentava fazer carinho no bebê que ainda não podia tocar.

— Merda... — Correu atrás dos outros e Eruwin, sem muita opção, resolveu seguir o exemplo.

Somente Lillith e Vinccenzo permaneceram na casa silenciosa. O garoto tinha uma expressão tão abalada que uma ideia insana se formou na mente fantasiosa da jovem.

— Enzo, você se apaixonou por Clara? — Palavras que saíram sem avisar, por culpa de uma mente que pensava alto demais. Quando seus olhos azuis se encontraram, Lily pode ver que algo morria dentro do garoto.

— Não, não por ela. — E abandonou o aposento, a princípio com a ideia de vaguear pelas ruas. Mas seus passos acabaram o levando para o navio que estava destinado a ser seu.

Liese e os outros só conseguiram alcançar o ladrão quando este já estava arrombando a porta da casa.

— Eu tinha a chave! Se tivesse esperado! — gritou Analiese, estava exausta e quase sem fôlego. Agora entendia porque os guardas jamais conseguiram prender Leharuin. Era impossível acompanhá-lo.

Entraram na casa, que tinha uma aparência abandonada. Toda a vida que ela possuía no outono passado se esvaiu. Os olhos dourados buscaram a porta que ele sabia que levaria para onde ele queria.

Por mais que soubesse que Clara estava doente, nada o havia preparado para aquela imagem. Quando abriu a porta, deu um passo para trás. Toda a aparência saudável desaparecera. Estava tão magra que ele temia que a mais simples respiração pudesse levá-la embora. Havia olheiras profundas em seus olhos... ela sequer aparentava a idade que tinha. Não era mais uma jovem de dezoito anos.

O ladrão comprimiu os lábios e se aproximou da cama e Clara, como se pudesse sentir sua presença, abriu os olhos. Mesmo um gesto tão simples parecia exigir um esforço sobre-humano por parte da garota.

Você voltou antes da minha viagem.— Seus lábios se moveram, nenhum som se fazendo presente e logo depois ela sorriu. Leharuin por outro lado, se ajoelhou e levou a mão até o rosto da amada. Estava fria e pálida. Era como se já estivesse morta.

— Não, você não vai viajar, está me ouvindo? Nós temos que casar, lembra? E sem contar que a palavra viúvo não me cai bem. — Ele retirou os fios de cabelo que estavam sobre o rosto dela. — Lembra-se aquele livro que você leu pra mim? Onde o amor curava tudo? Você irá melhorar e nós iremos nos casar como eu lhe prometi. Nosso amor é forte, deixe que ele cure você.

Agora. — As palavras silenciosas que ele parecia entender tão bem desta vez não lhe faziam sentido. — Quero me casar com você agora, Leharuin.

— O quê? — Uma parte dele não queria aceitar. Ela precisava melhorar e então o casamento seria o momento mais feliz de suas vidas. Ao menos até que tivessem o primeiro filho.

Por favor... vai me fazer mais forte. — Ele não suportava ver aquela expressão torturada. Correu para fora do quarto, precisava achar Sendulum, precisava pedir a ele.

— Leharuin? — O ladrão mal conseguiu ouvir a voz de Analiese. Em sua cabeça se forçava uma tempestade ainda maior que aquela que ele enfrentara meses atrás.

— Ela quer se casar agora. Sendulum, você poderia...? — Deixou que a frase morresse no ar. O capitão apenas deu um aceno positivo.

— Henry, Analiese, Seamus e Eruwin serão os padrinhos, correto? — indagou e o ladrão apenas deu um aceno, sem prestar muita atenção. Aquelas palavras não lhe faziam sentido. Clara não vai morrer, Moros não irá roubá-la de você, ela não vai morrer... — Certo, então. Você tem algum anel?

— Um... o quê? — Não queria saber de anel! Queria apenas que Clara melhorasse e se ela julgava que o casamento teria algum poder para fazer isso acontecer, então apenas precisava que Sendulum dissesse aquelas palavras estúpidas de uma vez. Pensamentos que ele jamais acreditou que teria invadiam sua mente. Moros, por favor, não a tire de mim...

— Aqui. — Analiese murmurou enquanto retirava o colar que ficava escondido sob suas vestes. Era uma espécie de relicário de ouro. De dentro dele, ela retirou um anel de prata. Segundos depois revelou um outro anel, dessa vez de ouro. — Era da minha mãe, o prateado. Quando ela morreu, meu pai parou de usar o dele e eu... peguei emprestado sem a intenção de devolver. Eles se completam, vê? Podem se tornar um único anel.

— Liese... — Havia algo em sua garganta que deixou sua voz estranha. Era o anúncio das lágrimas que estavam por vir. Mas nosso ladrão nunca chorou e obviamente ele não poderia saber disso.

— Sua noiva o espera. — Leharuin não conseguia encontrar palavras, era como se sua personalidade houvesse sido roubada. Ele foi o primeiro a entrar no quarto e Liese a última, fechando a porta atrás de si.

Clara estava sentada agora, o cobertor ainda lhe cobria as pernas e ela sorria docemente. Aquilo pareceu tranquilizar o coração do rapaz. Ela vai melhorar, está se esforçando. Ela ficará boa logo.

Leharuin sentou-se ao lado dela, na cama. O capitão sabia que a jovem não poderia ficar de joelhos e portanto nada falou. Remexeu em suas vestes até achar seu pêndulo dourado e um pequeno frasco de vidro com um líquido transparente dentro. Deixou que a substância caísse sobre seu dedo indicador e com ele fez o símbolo do pêndulo na testa de Leharuin, repetindo o processo com Clara.

— Nessa tarde, celebraremos a união de Leharuin e Clara. Sob a graça de Moros, eu inicio esse casamento. — Uma breve ponderação sobre o que falar surgiu na mente do pirata. Algo dentro dele lhe dizia que era melhor ser direto. Fitou Clara por alguns segundos, ela ainda sorria. Aquele sorriso, no entanto, não poderia ser um bom sinal. O capitão sabia o que estava por vir. — Leharuin, você aceita Clara como sua companheira escolhida e abençoada pelo destino?

— Aceito. — Por baixo das cobertas, ele sentiu a mão de Clara agarrar a sua.

— Clara, você aceita Leharuin como seu companheiro escolhido e abençoado pelo destino? — Ninguém esperava nada além do silêncio, evidentemente. Todos a encaravam, à espera de sua característica movimentação dos lábios. Aquela que apenas Leharuin e Liese haviam se acostumado, mas que naquela ocasião, todos entenderiam.

No entanto, aquele simples gesto não veio.

Os olhos escuros haviam sido escondidos pelas pálpebras que lhe eram tão pesadas e o vestígio de um sorriso ainda permeava seus lábios. Porém nenhuma palavra podia ser encontrada.  Apenas um silêncio não natural.

— Clara? — O rapaz chamou docemente, ainda podia sentir a mão dela segurando a sua. Com a falta de resposta, seu desespero cresceu. A ideia de que, sendo ela surda, não poderia ser ouvido não lhe passou pela sua cabeça. Nesses momentos, nós sempre pensamos no pior, ainda que nos recusemos a acreditar. Ele apertou sua mão tão fria e beijou sua testa agora úmida — Clara?

Nenhum dos presentes ousava se mexer. Qualquer movimento poderia despertar Leharuin para a dura realidade.

E por mais quietos que eles permanecessem, nada iria impedir que o ladrão descobrisse a verdade.

Porque finais felizes são apenas permitidos em contos de fadas.

Mesmo que essa história tenha, em seu início, se assemelhado muito a um, eu vos peço perdão. Deixei que meus desejos infantis guiassem essas palavras. Eu sempre serei uma eterna criança que jamais desejou ter conhecimento de tais desgraças.

Aceito seu ódio, aceito até mesmo que desfaçam nossa amizade, porém... eu vos imploro.

Não me abandonem aqui com todo esse sofrimento. Não me abandonem antes que eu consiga finalmente me apresentar.

O choro de Leharuin jamais poderia ser descrito por palavras tão frágeis. Mesmo que eu me esforce e tente colocar vocês, meus amigos, naquela cena, sei que nenhum de nós poderá consolá-lo. Nossa presença é invisível, tal como nossos abraços e lágrimas. Nem se eu falasse que nosso querido ladrão naquele momento chorava com um animal ferido, nem se eu lhes dissesse que ele poderia se afogar em seu choro inconsolável... nada disso chegaria perto da cena que eu vi.

As palavras me limitam e ainda assim são tudo o que me resta.

Quando o ladrão começou a chorar, Liese não conseguiu suportar. Saiu do quarto e se ajoelhou em um canto da sala. Nunca sequer sonhara que a tristeza poderia ter aquele som. A reação de Henry, foi diferente. De algum modo, ele se envergonhou. Deixou que Eruwin se escondesse em seu braço por um tempo, mas logo resolveu fazer companhia para Analiese. Seamus olhou para Sendulum e ambos fizeram uma oração silenciosa pela falecida. Qualquer um poderia reconhecer naquele momento que não haveria consolo para Leharuin. E por isso ele foi deixado sozinho.

Leharuin abraçava o corpo sem vida daquela que lhe apresentou as palavras com uma força quase doentia. Seu corpo movimentava-se para frente e para trás, sem nenhuma razão específica. Ele se esquecera como falar, esquecera-se do que é sentir outra coisa além da dor insuportável em seu coração.

Ele poderia ter pensado em Henry.

Poderia ter pensado em Katriel.

Mas os pensamentos não chegavam. Tudo o que ele tinha era a mais pura forma da tristeza. E tal sentimento, eu lhes garanto, é quase impossível de se sentir. Pois Leharuin não chorava apenas por Clara. Ele chorava por todos aqueles que o injusto destino lhe arrancou.

Ele chorava por sua mãe, por seus pais adotivos, pela pequena doce Beth, por todo o sofrimento humano que presenciara. Ele chorava até mesmo por Cecille. O ladrão, mais do que tudo, chorava por ele mesmo.

Vocês podem torcer o nariz e pensar: que motivo mais egoísta! No entanto... não há dor maior do que aquela que aflige nossos corações.

E se eu ainda possuísse olhos para chorar, estaria em prantos nesse momento.

Porque, no fim de tudo, apenas eu, Cecille e Thierry podemos entender a importância das lágrimas.


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Notas finais do capítulo

Queria dizer muitas coisas, mas por motivos que explicarei no próximo capítulo (ou por mp/review) não irei poder x-x Estou atrasada, basicamente ç_ç Até! Desculpem qualquer erro ;-;