Havia se passado mais de uma semana desde o ocorrido na invasão na SHIELD. Um silêncio incomum havia tomado conta daquele lugar em que Loki me mantinha presa, sem nenhum sinal de vida além das visitas que Misha me fazia. Isso estava mais do que estranho. Chegava a ser perturbador a ideia de que aquela maldita rena poderia estar planejando mais algum ataque que me envolvesse.

Minha perna, assim como o resto do corpo, já não apresentavam mais sinais de que eu havia passado por uma complicada situação de explodir parte de um avião de uma agência secreta. Afinal, ser a Fera tinha suas vantagens quando se analisava minha capacidade de cura mais rápida de que qualquer humano “comum”. Só que presa naquele quarto, eu só conseguia pensar nas desvantagens de ser uma fera... Tudo se resumia na dezena de problemas que começaram na minha vida quando assumi esse posto de heroína. Agora eu estava bem longe de ser uma.

Ouvi três batidas rápidas na porta, mas relativamente baixas, o que deduzi ser do tímido e nervoso Misha, que temia ser pego por algum guarda quando ia me visitar. Sorri sem muito humor para ele quando o vi entrar no quarto carregando um jornal na mão. Aquele cientista estava sendo meu melhor e único amigo naqueles dias e talvez fosse isso que me estivesse me mantendo sã: a simples ideia de que existiam pessoas boas até em situações ruins.

– Achei sinceramente que você não iria vir hoje. Algo interessante? – Perguntei enquanto me levantada da cama onda estava deitada, para apenas ficar sentada sobre a beirada da mesma. Misha não parecia estar muito feliz hoje, então provavelmente havia algo muito interessante para ele falar.

– Você lembra do seu amigo, ou nesse caso ex-amigo, Tony Stark?

– Como eu poderia não lembrar? – Meu tom era debochado ao responder a pergunta do moreno. Não apenas por ser famoso, mas já tive intimidade suficiente de Tony para o chamar de amigo e colega de equipe. Seria um tanto complicado esquecer de alguém com aquele ego. A vaga lembrança que tive de suas piadinhas me fez sorrir minimamente comigo mesma.

– Eu espero que você tenha sido uma ótima amiga então, porque o casamento dele é nesse final de semana... – Misha largou o jornal aberto sobre a mesa, deixando que eu lesse a manchete no alto da página: “O CASAMENTO DO ANO”. Abaixo havia uma reportagem que dizia nomes de diversos famosos que estariam presentes, mas não tive tempo para ler, já que a continuação da fala de Misha, me roubou a atenção e o fôlego. – Loki quer que você esteja presente nesse casamento.

–O que?! –Ofeguei, visivelmente transtornada com a ideia de ter que aparecer naquele casamento a mando de Loki. Provavelmente aquela mente sádica estava querendo vingança de alguém que estivesse ali ou queria apenas mostrar seu poder mandando destruir mais algum lugar. Não, eu não posso deixar ele fazer isso outra vez. – Misha, você precisa descobrir o que ele está planejando com tudo isso. Não posso fazer algo que venha do Loki em um lugar que vai estar repleto de pessoas inocentes!

– Eu sei, Abbe! Eu sei... Só não posso te dizer os planos dele, porque eu simplesmente não faço ideia de qual sejam. – Ele parecia exasperado ao falar aquilo. Tudo nos deixava nervosos ultimamente, eu sentia que estávamos perdendo o controle da situação antes dela começar. – Loki só me disse para dar esse aviso a você e que...

– E que...? – O forcei a continuar a falar quando sua voz falhou. Misha parecia estar relutante em me falar algo, parecendo temer a minha possível reação, mas aquilo me deixava impaciente. – Você sabe como eu odeio essas suas pausas dramáticas!

– E que você deve jantar com ele essa noite! Ele até vai mandar trazerem um vestido para você...

Por um instante eu poderia perguntar se Misha estava fazendo alguma piada para aliviar o clima tenso que aquele lugar tinha. Talvez minha expressão mostrasse a minha vontade de rir, pois o moreno me fitou um tanto confusa, como se eu estivesse maluca. Claro que eu sabia que Loki estava planejando algo, pelo fato de que eu não o via fazendo mais nada. Ele evitava, sabiamente, de fazer qualquer coisa que fosse importante no mesmo prédio em que eu estava. Eu poderia o ver, o ouvir e o impedir, quem sabe... Mas quando ele estava presente, apenas ficava sentado no trono que foi construído especialmente para ele, com um olhar fixo em um ponto qualquer. Isso era o que mais me assustava.

Como Misha havia dito, um vestido havia sido entregue na minha cela/quarto logo que ele saiu. Era verde esmeralda, com uma confecção simples que não fazia questão de marcar nenhuma curva do meu corpo ou exibir regiões inapropriadas. A saia rodada batia um pouco acima do joelho e as mangas terminavam um pouco depois do cotovelo, como uma roupa típica de primavera.

Fiquei uma, duas, três horas encarando aquela peça. Minha mente processava tudo tão rapidamente que me causava náuseas e ter que estar na presença de Loki na hora do jantar, também me revirava o estômago. Me levantei, resolvendo finalmente trocar as minhas roupas pelo vestido. Se era para ser como ele queria, então eu tiraria proveito disso tudo. Talvez minha mão acidentalmente voasse para aquela cara que sempre carregava um sorriso irritante e ao mesmo tempo sedutor... Aquela última parte era praticamente impossível de não notar, infelizmente.

Não, eu não me sentia bem usando aquela roupa. Parecia estar me arrumando para um grande espetáculo que eu nem sequer sabia qual era o título ou a história. Só sabia que a personagem principal seria eu com a terrível direção de um maquiavélico Loki. Eu não podia ver se o vestido me caía bem, pois naquele quarto não haviam espelhos, mas eu sentia que ele estava suficientemente bom.

Ouvi batidas mais bruscas na porta, o que obviamente não vinha de Misha, mas me deixava impressionada por saber que aqueles brutamontes que se intitulavam guardas, sabiam ter algum gesto de educação. Um de cabelos enrolados e com um nariz torto colocou a cabeça para dentro do meu quarto, com um ar de desdém que me fez rir internamente.

–Loki ordena que a senhora compareça ao...

– Jantar. Eu já sei... Não foi tão difícil adivinhar. –O interrompi com um gesto da mão, indicando o vestido que eu estava usando para tal ocasião “especial”. Ele não disse mais nada e apenas ficou ali parado na porta, me esperando para o acompanhar até o salão principal. Passei por ele sem o olhar e com o queixo erguido, já que eu passava longe da ideia de andar com a cabeça baixa perto de quem não merecia meu respeito por ter escolhido o lado de Loki para lutar. Eu e Misha não havíamos escolhido esse lado, nós fomos obrigados por simplesmente amar nossos familiares e amigos e querer protegê-los... Proteger ajudando o mal, quanta hipocrisia!

Fui desviada da minha batalha interna quando chegamos no salão, onde uma comprida mesa havia sido posta no meio. Haviam diversos pratos e bandejas de prata espalhadas pela mesma, contendo variados tipos de comida. Aquilo me fez perceber o quão faminta eu estava, pois não me lembrava da última vez que tinha comido um decente refeição. A vista era extremamente convidativa, mas não desviei a atenção daquela criatura de cabelos compridos quando o avistei sentado em uma das pontas da mesa.

– É bom ver que prezas pelo horário... Não tenho apreço por atrasos. –Ele falou com um tom cordial, como se fossemos amigos que estavam se encontrando para jantar. Ri de maneira nasal quando Loki gesticulou na direção da cadeira da outra ponta, para que eu me sentasse ali, mas me mantive firme no lugar.

–Se está achando que vai me fazer sentar naquele lugar como um treinamento para ser sua futura rainha...

–Eu acredito que você está preferindo ficar o mais longe possível de mim, não estou certo? –Falou com a mão ainda parada como antes, indicando a cadeira livre. Um sorriso tipicamente malicioso surgiu nos lábios de Loki enquanto ele me olhava, parecia estar se divertindo às minhas custas. – Ou talvez eu goste de manter suas mãos longe do meu pescoço. Sou um homem bem prevenido.

–Não se chama de homem alguém tão covarde como você, mas eu serei legal essa noite e deixarei você se iludir com a ideia de que é um... –Retruquei com um sorriso falsamente meigo antes de me dirigir até a cadeira que ele insistia em que eu me sentasse. Havia um prato limpo, talheres e copos de prata postos em minha frente, o que me fez rir debochada. – Isso é uma ocasião especial ou você apenas quer mostrar sua prataria? Desculpe, mas eu não estou impressionada.

–Isso até poderia ferir meus sentimentos se eu não soubesse que motivada pela raiva, os humanos falam qualquer coisa. –Loki apoiou os cotovelos sobre a mesa, deixando as mãos unidas em frente à boca, as afastando apenas para me responder com calma. – Eu estou apenas mostrando que posso ser um bom anfitrião.

– Desde quando isso se tornou uma festa?

– Você já foi a alguma festa minha? Então não sabe como seria uma para dizer que essa não é a minha maneira de comemorar. –Seu tom era de quem estava segurando-se para não contar algo, parecia até com Misha quando apareceu na minha cela naquele dia mais cedo. Pff, que cabeça a minha em comparar os dois!

–Comemorar que você arranjou mais uma menina para fazer de refém e me ameaçar? Wow, eu estou realmente contente por você, Loki! –Minha voz esbanjava sarcasmo, assim como o meu sorriso, o que fez o Deus se irritar e desmanchar a expressão ansiosa, dando lugar a uma impaciente.

– Parece que o egocentrismo é sua maior característica, minha cara Abbe. Nem todos os meus planos estão voltados para você... –Falou com o olhar fixo em mim, nem ao mesmo o desviando quando uma mulher de avental de cozinha entrou por uma porta do salão, carregando uma jarra nas mãos. Ela serviu meu copo e o de Loki com vinho vermelho antes de se retirar com o olhar baixo e triste, me fazendo pensar que eu e Misha não éramos os /únicos/ que estavam por obrigação ali.

–Então porque ainda estou aqui? Porque não me mata ou me deixa ir?

–Porque você é a parte divertida de tudo... E eu preciso confessar que suas habilidades, mesmo sendo uma humana, me deixam impressionado. –Ele pegou a taça de vinho e bebeu um curto gole, parecendo estar querendo degustar o gosto da bebida de forma demorada. Não toquei em minha bebida, mesmo agora sabendo que ela não tinha veneno, mas minha atenção estava voltada para Loki e antes mesmo que pudesse me conter, acabei soltando uma pergunta que me ocorreu no momento.

–Foi para isso que me salvou aquela vez em Asgard? Que se atirou na minha frente? Apenas por... Diversão? –Arqueei as sobrancelhas, o fitando enquanto aguardava a resposta. Então, pela primeira vez desde que essa jornada com Loki começou, eu vi naquele rosto um sorriso sincero aparecer, ao mesmo tempo em que tinha o olhar sobre o meu.

–Não, eu já tinha planos para ganhar sua confiança, mas... Confesso que eu a quis proteger com a ideia de um agradecimento. –Ele não parecia muito confortável em dizer aquilo, mas tomava coragem para prosseguir. – Você era minha única... Amiga.

Era engraçado a forma como Loki parecia não estar familiarizado com aquela palavra, mas eu não pude deixar de sentir pena por aquela criatura. Me lembrei de como Loki não tinha ninguém. De sua história que Thor havia me contado, me fazendo pensar que o Deus da Trapaça era apenas necessitado de atenção que nunca recebeu do pai como o irmão recebia. Como tudo parecia sempre pertencer à Thor e não a ele.

–Eu queria e muito gostar dessas palavras, Loki... Mas não posso gostar da ideia de ser a amiga de alguém que me usa com o propósito de se divertir destruindo o meu planeta e as pessoas que eu amo. –Suspirei pesadamente, sentindo o peso de seu olhar sobre eu diminuir quando ele passou a fitar o próprio prato vazio. Parecia que o moreno estava revendo o que havia acabado de dizer, e então tão rápido como surgiu, aquela expressão mais humana de Loki desapareceu, o fazendo voltar a sorrir de forma fria.

–Usei as palavras no passado, pois agora eu percebo que o propósito de diversão sempre foi maior do que a consideração de amizade. Eu não preciso da sua amizade, eu preciso governar essa planeta! –Seu punho foi de encontro a mesa, dando um som alto e seco contra a madeira quando ele a socou sem força. O olhar de Loki estava de novo sobre meu rosto, mas não me deixei intimar em momento algum. – Você vai ao casamento do Stark e voltará de lá viva, apenas para entregar o meu recado aos seus adoráveis Vingadores, principalmente a seu Capitão, que pelo o que eu soube, está com o coração partido por sua causa. Bom trabalho.

Sabia que ele me mandaria fazer aquilo, mas não sabia quando seria o momento. Um recado para dar? Eu temia que aquele recado envolvesse o corpo de alguém inocente estirado no chão, numa tentativa de mostrar quem estava no controle de tudo e de todos. Levantei da cadeira com calma, deixando um Loki confuso me acompanhar com os olhos o tempo todo. Obviamente eu não teria estômago para comer e aturar as provocações dele sobre Steve e pensar nele me machucava mais do que eu sentia que era capaz de aguentar. Eu estava aguentando por ele, para poder um dia sair dali e dizer a verdade, não esperando seu perdão, mas apenas o confortar já me bastava.

–Não quero saber qual recado é esse, pelo menos não hoje. Mas eu quero que você deixe Misha ir comigo... Quero garantir que ele estará bem enquanto eu estiver fora. –Falei caminhando até estar ao lado de onde Loki estava sentado, o que o forçou a se levantar para se defender caso eu tentasse algo imprudente. Não era essa a minha única intenção ao levar Misha comigo, mas eu precisava começar a agir do lado de fora e aquela era a oportunidade perfeita para isso. Loki me estudou por mais um momento, mas minha face estava séria, não havia algo que me entregasse, por isso ele assentiu com a cabeça.

–Saiba que eu ainda sei onde a filha daquele cientista está e posso voltar atrás com a escolha de deixar ela viva. Então não pense que pode me trapacear sem que eu veja e descubra. –Ele falou quando eu estava me virando para sair do salão, de costas para ele. Parei na metade do caminho, abrindo um debochado sorriso mesmo sem ele ver antes de respondê-lo com petulância.

–Não se preocupe, eu não vou deixar você ver.