Leon e Mandy não souberam se deveriam ficar felizes ou assustados quando o pai deles ligou para a casa dos avós naquela noite, avisando que tinha comprado passagens de avião para eles e Esther voltarem para casa dali a três dias. Eles queriam muito voltar, mas ficaram uma enorme impressão de que algo estava errado.

– Será que a mamãe e o papai brigaram? – Mandy perguntou ao irmão, insegura.

– Aposto que tem algo a ver com ela. – Ele disse, em um sussurro, e os dois olharam de relance para a porta fechada do quarto de Esther. Andavam com muito medo dela, por saberem que estavam convivendo com algum tipo de psicopata e não podiam fazer nada quanto aquilo.

Aqueles últimos dias foram desconfortáveis para os dois, embora Esther parecesse mais feliz do que estava desde o momento em que chegou. Quando os avós os levaram ao aeroporto para pegarem o voo para casa, o casal prometeu que ia ligar mais tarde e abraçou cada um dos três – tinham perdoado Leon por ter empurrado Esther, também.

Durante todo o tempo em que ficaram no avião, os dois irmãos desejaram chegar logo, para que pudessem ver os pais e enfim sentirem-se seguros, mesmo ainda com a presença de Esther.

Foi um golpe quando eles chegaram ao aeroporto e viram que apenas Rick estava lá.

– Olá, vocês três! – Ele fingia estar animado, mas dava para ver pelo seu olhar que realmente alguma coisa no mínimo frustrante tinha acontecido. – Senti saudades.

– Também sentimos! – Disse Mandy. Seu tom era o mesmo do pai.

– Pai, cadê a mãe? – Leon foi mais direto do que a irmã.

Rick tentou responder, mas Esther também tinha o que falar. Segurou a mão dele e começou:

– Papai, como eu estava com saudades! Mas a vovó e o vovô também são muito legais. – E desandou em uma falação que parecia quase ensaiada, mas que distraiu completamente Rick da pergunta de Leon.

Ele ajudou os três filhos a carregar as malas e colocá-las no carro, e então eles mesmos entraram. Tentou ouvir Esther na maior parte do caminho para casa, mas não estava em um humor adequado para aquilo, e parecia mais inquieto a cada palavra. Em determinado momento, para se ver livre do falatório, perguntou:

– E vocês, Leon e Mandy? Estão tão quietos. Como foi o tempo de vocês?

Esther ficou séria de repente. Encarou Rick de uma maneira quase ameaçadora, e se virou para olhar pela janela antes que ele pudesse notar. Mas Mandy e Leon viram.

– Onde está a nossa mãe? – O garoto perguntou, novamente. Também estava nervoso.

– Ela está em casa, Leon.

– E por que não foi até o aeroporto? – Perguntou Mandy.

– Ela não estava se sentindo muito bem e resolveu ficar em casa, só isso. – Rick respondeu, mas estava claro que não era só aquilo. Ninguém falou mais uma palavra até eles chegarem à casa dos Sullivan.

Assim que o carro estacionou em frente à casa, todavia, Leon e Mandy imediatamente desceram do carro e correram para dentro, gritando pela mãe, enquanto Esther ficou para ajudar Rick a pegar a bagagem deles.

– Esther. Você não quer ir lá ver sua mãe também? – Indagou ele. Tinha pensado muito no que tinha falado com Eliza, que definitivamente não gostava mais da garota, mas tivera esperanças que o jeito meigo de sempre dela fosse amolecer o coração da mãe.

– Não quero, papai. – Respondeu Esther. – Eu já disse. Ela não gosta de mim.

Rick ficou ainda mais frustrado com Eliza depois disso. Era diferente ela dizer para ele que não gostava de Esther e deixar isso transparecer para ela.

Dentro de casa, Eliza estava na sala, esperando pelos filhos. Quando os dois entraram, correu para abraçá-los, e eles ficaram assim por um longo momento.

– Mamãe! – Mandy exclamou. Sentia uma extrema vontade de contar sobre Esther, mas não podia. Sabia disso. Foi uma surpresa e um alívio que ela tenha respondido:

– Não precisa dizer, meu amor. Eu sei de tudo. Eu vou dar um jeito.

E então Rick e Esther entraram pela porta da frente, o homem com uma expressão agora sombria.

– Crianças, podem levar as malas para os quartos de vocês? Eliza, eu quero falar com você. – Disse. Ele e Eliza não se falavam desde quando brigaram, três dias antes, por causa de Esther. A mulher não sabia o que esperar daquilo, mas o seguiu até a cozinha enquanto os três foram com suas coisas para o primeiro andar.

– O que foi? – Ela quis saber, cruzando os braços.

– A Esther acha que você odeia ela. – Rick praticamente cuspiu as palavras, olhando com desprezo para a esposa.

– Aquela menina é uma dissimulada! Rick, por que você não vê que...

– Pois eu acho que você anda agindo como uma dissimulada! Está querendo o que, destruir a nossa família?!

Teria doído menos nela se ele lhe tivesse socado. Os olhos da mulher se encheram de lágrimas, e ela balançou a cabeça lentamente. Afastou uma mecha dos cabelos louros do rosto, suspirou e então anunciou:

– Quer saber? Para mim, basta. – E em seguida aumentou a voz para ser ouvida pelos outros: - Mandy! Leon! Não desfaçam suas malas. Estamos de saída novamente.

– Para onde você pensa que vai com os meus filhos? – Rick colocou uma mão no ombro de Eliza e tentou virá-la para ele, mas ela a empurrou.

– Para longe de Esther. Longe de você e dessa loucura toda.

Ele tentou argumentar, porém era tarde demais. Eliza correu para o primeiro andar, ainda gritando pelos filhos, e Rick ficou arrasado ao vê-los rapidamente saindo de seus quartos com as malas novamente, sem fazer perguntas.

– Esperem lá embaixo. – Ela instruiu, e foi ao próprio quarto, onde jogou alguns pertences em uma bolsa. A porta de Esther estava fechada, mas ela devia estar ouvindo toda aquela confusão, Rick constatou. Olhou desesperadamente para Mandy e Leon.

– Por favor. Fiquem.

– Não vamos ficar aqui com a Esther. – Disse Leon. Agora que estavam de partida e a mãe deles sabia de tudo, tinha conseguido a coragem para dizer aquilo.

– Venha embora com a gente, papai! – Mandy pediu. Rick continuou onde estava, e logo Eliza desceu e foi em direção a porta.

– Vamos, os dois.

E em uma questão de segundos, eles tinham ido embora para algum hotel qualquer no carro da família.

O homem ficou observando a porta, desolado, por alguns momentos. Então, se resolveu por falar com Esther – era a única coisa que lhe restava fazer.

Chegando ao quarto dela, conferiu que a porta estava trancada.

– Esther. Abra. – Pediu. Dava para sentir sua mágoa em sua voz.

– Eu já vou sair. – Foi surpreendente que o tom dela permanecesse inalterado.

– Precisamos conversar.

– Eu já vou sair! – Ela repetiu, agora um pouco impaciente. Rick esperou por um tempo, e então falou:

– Olhe. Vou fazer o jantar, está bem? Quando formos jantar conversamos. – E foi para a cozinha, completamente abalado.

Não fazia ideia do que mais estaria esperando por ele naquela refeição.

*********

Chegara o momento, afinal.

A minha bíblia não era a única coisa que eu escondia em meu quarto. Eu tinha, nos últimos dias que passei em casa antes de ir para Washington, levado aos poucos algumas coisas de Eliza para lá. E estava na hora de usar tudo aquilo – estava na hora que eu tanto esperava, sempre.

Eu não precisava mais da Esther. Eu seria a Leena agora.

Abri a porta do meu armário para que pudesse ver o espelho fixado na parte de dentro. Não bastava que eu fosse Leena por dentro – eu teria de parecer ela.

Tirei as fitas de meu pescoço e pulsos, revelando minhas cicatrizes. Eu iria colocá-las novamente depois, todavia. Eu não podia ficar bonita com elas à mostra. Então, retirei meu vestido, e coloquei um roxo que pertencia a Eliza na minha frente. Ele precisaria de vários ajustes para caber em mim, mas ficaria perfeito.

Só que ia me atrasar um pouco para o jantar.