Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 52
Suas desculpas, minha dor!


Notas iniciais do capítulo

"Eu queria manter cada corte em carne viva, minha dor em eterna exposição. E sair nos jornais e na televisão para te enlouquecer ate você me pedir perdão."... (Leoni)



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Dois meses se passaram desde o incidente desagradável com Sal. Assim como prometeu, Vitor fez com que o irmão deixasse o Rio e voltasse para Brasília para meu alivio. A verdade é que não podia estar mais tranquila, a distancia daquele psicopata assegurava não só minha paz interna como o prosseguimento da minha vida. Obvio que a duvida sobre se a decisão que tomei foi realmente acertada existia, mas assuntos mais importantes me fizeram esquecer aquele que um dia me ameaçou. Estava concentrada demais no meu futuro, namoro e amizades para perder tempo com um problema já resolvido. Embora, admita ainda sentir um certo receio, mesmo que pequeno.

“Está tudo tão lindo!”

Exclamou Juliana.

“É, a gente fez um ótimo trabalho!”

Tive que concordar ao olhar em volta do quarto de decoração infantil. Pintado em tons lilás e creme, com um berço no centro, uma cômoda, guarda-roupas, era um perfeito lugar para um bebê dormir.

“E eu que pensei que a gente não daria conta.”

Fatinha guardou a ultima peça de roupa no guarda roupa.

“Sabe no que tava pensando? Você e o Bruno não disseram se já escolheram o nome da minha sobrinha.”

“Verdade! Já faz um tempo que vocês descobriram o sexo, mas não falaram em nomes.”

A Loira, bastante grávida de pouco mais de sete meses, passou a mão na barriga e sorriu. Me dei conta de quanto o tempo estava andando de pressa, parece que a conversa que tivemos sobre a reação de Bruno por saber que teria uma filha aconteceu há séculos. Fatinha estava tão feliz que em nada se assemelhava com a mulher insegura de meses atrás, apesar de saber que ela e o Bruno ainda não haviam se acertado, desconfio que isso seja só questão de tempo.

“Ah... a gente tava ocupado com a mudança para o apartamento.”

Disse simplesmente.

Preocupado com o bem estar da família que formaria, Bruno alugou um apartamento que, por sorte, ficava no mesmo bairro que o nosso, melhor, no antigo prédio de Dinho, dois andares abaixo. Com dois quartos, cozinha, sala, banheiro e área de serviço, era o lar perfeito para um casal que começa uma vida, embora, eles não sejam propriamente um casal. A Loira relutou no inicio, me confidenciou que não queria se comprometer, fingir ‘brincar de casinha’, segundo palavras suas, mas com um pouco de bom senso e concluindo que morar ali era o melhor para a bebê, ela aceitou.

Bruno foi quem ficou extasiado, embora, não tenha demonstrado. Para minha surpresa, além de ter amadurecido bastante, ele estabeleceu uma relação ate que amigável com Dinho, que por sua vez fazia o possível para ver sua melhor amiga feliz. Hoje, Juliana e eu fomos lá dá uma mãozinha na arrumação que agora estava completa.

“Hum... Ocupados? Sei.”

Debochou Ju fazendo Fatinha fechar a cara.

“AFF, limpa a sujeira dessa sua mente pervertida tá? Pra sua informação, ele me pediu para escolher o nome e eu, bem, eu não vi nenhum problema. Contando que não seja Marta, sem ofensas, tá tudo bem.”

“Aposto como ele tá todo bobo com a filha! Ate o nome ele quer escolher!”

Brinquei enquanto íamos ate a cozinha nos servir de comida. Havia uma torta sobre o balcão, e sem demora, pegamos fatias enormes para comer.

“A verdade é que nunca vi meu irmãozinho mais feliz. Sério, não dá para acreditar! Todo o tempo ele só fala da filha, do quanto está ansioso para o nascimento e tal. Quero só ver quando minha sobrinha tiver aqui, acho que ele vai pirar! Vai ser o maior pai babão da história!”

“Nem vem, tá? Não é assim como ‘Cê’ tá falando... Alem do que, boto minha mão no fogo como o Gil ia agir igual!”

Desconversou Fatinha constrangida. Suponho que ela também admire esse lado do Moreno, mas não quer admitir.

“Essa eu pagava para ver: o Gil trocando fraldas! Eu ia morrer de rir!”

Desviei o rumo da conversa em ajuda a Fatinha.

“E o Dinho? Por acaso ele é algum ‘Doutor’ em crianças?”

Questionou Juliana fazendo bico.

“Não sei, mas tenho certeza de que ele vai ser um ótimo pai.”

E isso era a mais pura e completa verdade. Não me via sendo mãe, mas o via como um pai que brincaria com o filho, o levaria para passear, daria conselhos. Seria um amigo.

“Bem, o papo tá bom, mas eu preciso ir. Meu namorado me espera!”

“AFF, quanto mel Juliana! Deixa o garoto respirar!”

Implicou Fatinha me fazendo rir com seu mau humor.

“Eu também já vou. Nós vemos depois, Fatinha. Tchau!”

Após nos despedimos, Ju e eu seguimos para o elevador. Já na rua, ela seguiu para casa de Marcela, minha futura madrasta, e eu fui para minha própria casa. Começava a escurecer e queria tomar um banho, me arrumar para encontrar Dinho mais tarde.

“Vó, cheguei! Vou tomar um banho, tá...”

“Lia?”

Estaquei onde estava, com a mão ainda na maçaneta da porta ao escutar a voz feminina atrás de mim. Não podia ser dizia baixinho. Não poderia ser ela, ali, na minha casa, na minha vida.

“Raquel?”

O seu nome saiu em um fio de voz, ainda de costas. Fechei os olhos por um instante e respirei fundo.

“Filha, eu... Bem, faz tempo que não nos vemos. Senti saudades.”

Mentira! Você não sabe o que é isso. Simplesmente não se importa realmente com alguém para poder nutrir um sentimento como esse.

“O que tá fazendo aqui?”

Fechei a porta e olhei diretamente nos seus olhos com os meus inexpressivos. Era fácil fingir indiferença quando indiferença era tudo o que me remetia a ela.

“Eu queria te ver filha. Você, a Tatá... A Minha família.”

“Sério que vai começar com esse papo de ‘minha família’? Raquel, por que, pelo menos uma vez, você não fala a verdade? Faz quantos meses que você não dá sinal de vida mesmo? Me poupa!”

“Lia, por favor, eu não quero brigar.”

“Que pena, pois eu to bastante a fim. Principalmente se for com você! Muito fácil você aparecer aqui, falando de família como alguém que foi ali na esquina... Foi por causa do casamento, né? Quer atrapalhar a vida do meu pai de novo?”

Esbravejei sem me preocupar com a expressão de espanto da mulher a minha frente.

“Casamento? O Lorenzo vai casar?”

Muito pálida, ela sentou-se no sofá. Se fosse outra pessoa ali, eu tentaria remediar o que disse, mas era ela, a mulher que me abandonou tantas e tantas vezes, e por mais que quisesse, não conseguia sentir pena ou qualquer outro sentimento que não fosse raiva. Raquel não tinha o direito de sentir-se magoada, com ciúmes, o que quer que fosse! Ela teve a sua chance há muito tempo, ela poderia ter ficado conosco, mas escolheu ir embora. Mais de uma vez. Não tem o direito de achar que permaneceríamos os mesmos ou que não seguiríamos com nossas vidas a espera do seu retorno. O tempo corre, mãe, corre e você nunca se deu conta disso.

“Vai. E por isso acho melhor você terminar o que veio fazer aqui e ir embora, de novo. Afinal, é quase que rotina né? Alguns dias de convivência e um adeus seguido de meses de distância. Raquel, sinceramente, sua presença só trará problemas. Por que não nos poupa de maiores inconvenientes?”

Segui para a cozinha e abri a geladeira. Não queria nada, mas precisava de uma desculpa para me afastar dela.

“Lia, filha... Eu não quero causar nenhum problema. Eu só estou aqui porque queria ver você e sua irmã. Como você mesmo disse, faz tempo desde a ultima vez que nos vimos. Não sentiu saudades de mim?”

“Quer me fazer rir, Raquel? – Fechei a geladeira com mais força que a necessária – Não acredito que você tenha tanta cara de pau para me perguntar isso!”

“Lia, não fale assim! Eu sou sua mãe.”

“E é uma piada melhor que a outra! Mãe? Quando? Por quanto tempo? Acha que aparecer a cada seis, oito meses é ser mãe? Acredita mesmo que mandar um cartão postal de Deus sabe onde com vinte palavras é ser mãe? Não, Raquel! Entenda, de uma vez por todas, você não é minha mãe!”

“Sou sim! Embora não aceite, fui eu quem te gerei e te amamentei. Que cuidei de você, que te segurei quando você ainda nem sabia caminhar. Eu sou sua mãe, Lia Martins.”

Ela não gritava como eu. Ela se mantinha calma e isso era o que mais me irritava. A sua capacidade de sempre encontrar uma desculpa, um motivo para ser como era e que justificava todas as suas ações. Tão diferente de mim, que em apenas alguns minutos na sua presença já perdia o controle e começava a gritar. Não era justo que ela conseguisse parecer mais sensata do que eu. Não era justo quando eu era a pessoa com a razão e todas as feridas.

“Por que você sempre age assim quando eu chego de viagem, Lia? Por que toda essa hostilidade? Você tem dezoito anos, idade suficiente para ser mais madura, mas continua agindo como uma criança mimada. Por que Lia?”

“Não sei, me diga você! Pra alguém que pouco me vê, você parece ter um grande conhecimento sobre mim! Me diz Raquel: Por que eu te rejeito quando você volta?”

Raquel ponderou o que deveria dizer. Vi na sua postura ereta e semblante imperioso que não sabia o que falar. Ela simplesmente não sabia e aquilo machucou.

“Eu, eu... Acho que é porque eu não sou muito presente na sua vida. Mas você precisa entender, eu trabalho para o bem das pessoas mais necessitadas. É egoísmo seu não ver que existem pessoas no mundo que tem muito menos que você e que precisam de auxilio. Eu salvo vidas, Lia.”

Sorri caustica pelas palavras de Raquel. Era tão comum dela usar a sua ‘boa ação’ para com o mundo como desculpa, fazer eu me sentir culpada por pedir mais dela quando existiam pessoas mais necessitadas que eu. Essa era Raquel. Nunca disposta a admitir a sua negligencia e usando o ‘bem maior’ como escudo de defesa.

Sabe por que eu te rejeito, Raquel? Porque você vai embora. Todas às vezes, sempre. E por que eu sei que cada volta traz junto uma partida. E dizer adeus tantas vezes cansa, dói. Por que toda vez que você vai embora eu fico aqui, sem noticias, sem saber se você tá bem ou não. Se você soubesse das noites que fiquei em claro pensando, pedindo para que nada de ruim te acontecesse... Faz ideia do que é viver assim? A tortura que é não poder fazer nada? Você não precisava estar perto, mas não deveria estar tão longe. E você nem faz questão disso, não se importa apenas. Aparece e desaparece quando bem quer e entende, causando uma nova ferida quando a anterior nem cicatrizou. É por isso, mãe.

“Eu vou fingir que não escutei o que você disse... Se você não sabe a resposta, não sou eu quem vai te dizer.”

Ela nunca vai saber como me sinto. Nunca.

“Eu estou tentando Lia, eu juro que to, mas você não deixa.”

Quis gritar, berrar, jogar algo na parede ou chão só para poder extravasar minha raiva. Queria cuspir todo o ressentimento que existia dentro de mim para que a dor fosse embora também, mas não sabia como. Tudo que estivesse relacionado a ela sempre seria pesado demais, doloroso demais para eu carregar.

Seria tão mais fácil se você fosse embora para sempre, mãe. Eu não ia mais te esperar nem ter tanto ódio e medo, eu iria viver, mas você está aqui agora para lembrar que meu tormento nunca vai acabar.

“O problema não sou eu! Nunca fui eu, e só quando você entender isso, talvez, possamos chegar a uma solução. Mas tudo o que eu aceito de você, agora, é distância! To cansada das suas mil desculpas, das justificativas. To de saco cheio de você!”

Fui para meu quarto e tranquei a porta. Cheguei à conclusão de que minha vó nem a Tatá estavam em casa, mas não estava interessada nisso. Só queira ficar o mais longe possível de Raquel e do seu teatro de ‘mãe arrependida’.

“Lia! Lia, abre essa porta! Para de agir como uma menina de dez anos.”

Gritou do outro lado a mulher. Olhei em volta sem enxergar nada na minha frente, queria que ela fosse embora. Será que era tão difícil isso? Certamente não seria a primeira vez e muito menos a ultima.

“SAI DAQUI! Eu não quero te ver, falar com você ou qualquer outra coisa! Já te disse: DESAPARECE!”

“Filha, por favor... Eu amo você.”

Prendi a respiração pelo o que pareceu ser muito tempo. Parada, no centro do quarto, não conseguia acreditar no que ela disse. “Eu amo você”, mas ela não me amava. Não me amava. Se me amasse não teria me abandonado, não teria me deixado aqui.

“Lia...”

Foi tudo o que escutei ate, cegamente, pegar minha guitarra e arremessá-la contra a parede.

“LIA!”

O som oco do instrumento se partindo não foi suficiente para me fazer parar. Logo, outros objetos seguiram o mesmo destino. Um porta-retratos com uma foto de família, o abajur, uma caixa de madeira pintada por Tatá, os travesseiros da cama, os lençóis. Qualquer coisa que estivesse ao alcance era alvo da minha fúria.

“EU ODEIO VOCÊ!”

Gritava descontrolada ainda destruindo o quarto como se assim pudesse destruir a sua imagem da minha mente. A lembrança do dia em que ela foi embora sem nem olhar para trás, sem o mínimo remorso. A desolação do meu pai, a descrença da minha vó, a tristeza de Tatá... Todas essas imagens permaneceram na minha memória, zombando de mim. E eu não pude fazer nada.

Eu só tinha dez anos, mãe!

Lágrimas rolavam quentes deixando um rastro por meu rosto.

Eu era só uma menina! Como pode ter me largado aqui?

“ODEIO VOCÊ!”

Por que fez isso comigo?

“ODEIO VOCÊ!”

Por que... Eu te amava tanto. Tanto.

“EU ODEIO...”

Mas eu me odiava mais. Me odiava mais do que era capaz de odia-la, porque nunca consegui escapar da sua influencia, nunca fui capaz de parar de desejar que ela voltasse e que tudo fosse diferente. Ainda existia muito daquela menina que viu a mãe indo embora dentro de mim.

“Eu...”

Caí sem forças no chão, o mesmo lugar onde meu coração também estava. Meu quarto estava completamente destruído, mas era a mim quem eu queria destruir. Só para que assim também fosse destruído o amor que eu guardei durantes anos para uma pessoa que não merecia, que não me merecia.

“Lia...”

A porta foi aberta com força e braços me envolveram.

“Não!”

Gritei me debatendo. Não queria que ela me visse assim, que soubesse que ainda exercia poder sobre mim. Não queria que ela cuidasse de mim, não depois de tanto tempo.

“Meu amor, me escuta! Olha para mim...”.

“Dinho?”

Apesar da visão embaçada pelas lágrimas, distingui o jovem de cabelos cacheados olhando ansioso para mim.

“Não.”

Ele não deveria estar ali, ele não podia me ver assim.

“Lia, por favor...”.

Seu abraço se intensificou e odiei ser como era. Odiei ser tão fraca e não forte como ele. E odiei amá-lo tanto, pois também havia amado Raquel e ela foi embora. Mas ele não era ela, porem não fazia diferença. Eu sabia que era só questão de tempo, sabia que ele também iria partir. E quando isso acontecesse não seria o quarto, minha casa ou algo material a serem destruídos: Seria minha alma.

E eu o odiei por isso.


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Notas finais do capítulo

Capítulo by: Érica!

E quando não é um problema (Sal) é outro: Raquel! Tá mais do que claro que a presença da mãe faz a Lia aflorar seu lado mais destrutivo, o problema é ate que ponto toda essa mágoa e ressentimento vão levá-la. Gostou? Comente! Beijos!



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