Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 38
Noite escura


Notas iniciais do capítulo

"Combati o silêncio falando por cima dele. E amenizei a sua ausência só com meus braços... E mais você vai me querer, e menos me verá. E menos você vai me querer, e mais eu estarei com você. Eu juro... De noites escuras que não há tempo, não há espaço e ninguém nunca entenderá. Você pode ficar, porque faz mal. Mal de morte sem você."... (Tiziano Ferro)



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“Trouxe o jantar!”

Ignorei a confusão estampada no jovem rosto e adentrei o apartamento. Ela estava só. Minha querida cúmplice, Constância, tinha me alertado sobre isso. A irmã e a avó viajaram ate o sul para visitar uma tia, e o pai ‘linha dura’ foi a uma conferencia médica em outra cidade. Essa noite era somente nossa.

Não fui lá com nenhuma intenção maliciosa, mas eu fui. E minha pervertida mente – mas muito respeitadora – adorava fantasiar com ela. Nós dois, uma cama, lençóis de seda e algumas coisas mais. Mas essa não era a minha intenção. Mesmo que minha consciência gritasse para seduzi-la, para fazê-la minha para sempre e sempre. Essa noite não.

“Quanto tempo vai durar isso, hein? Toda hora você tá do meu lado, em todos os lugares... As pessoas acham que temos alguma coisa, sabia?”

Seu rosto estava vermelho. Não sei se era raiva pela minha presença ou apenas vergonha pelos comentários – sobre os quais já sabia – de que nós dois estamos... Envolvidos. Linda. Essa era a palavra que a descrevia nesse momento. Não, em qualquer ocasião ela sempre estaria linda.

“Não posso fazer nada quanto ao falatório. Nós temos um acordo lembra? Você tem escolha, só precisa dizer.”

“Claro, ou você do meu lado ou a policia! Me sinto uma prisioneira!”

“Não sabia que minha presença era, assim, tão insuportável.”

Não demonstrei emoção, mas ela ficou constrangida. Lia sabia que se eu estava tão perto era para o seu bem. Era isso ou submetê-la ao perigo representado pelo maníaco do Sal. E ele era um risco eminente. Não disse nada para não preocupa-la, mas ele andava rondando o prédio onde morava com a família. A faculdade também, mas eu já andei tomando algumas atitudes quanto a isso. Agora, é só questão de tempo para colocá-lo aonde ele deveria estar desde o inicio: Na cadeia.

“Não é isso... Só que, esquece! O que você trouxe?”

Ela sorriu e foi para a cozinha. Segui-a, depositando a bolsa com a comida no balcão.

“Não sei o que você preferia, por isso trouxe chinesa e pizza. E para passar um tempo, DVDs de filmes.”

“Interessante... Parece que planejou tudo direitinho. Comida, filme... Quem sabe ate vinho? Foi a Tatá, né? Aquela PIRRALHA vai se ver só comigo!”

“Vinho?... Eu bem que sabia que faltava alguma coisa! E, por favor, não faça nada com a Tatá... ela me avisou sobre a viagem. Sua irmã pensou que você fosse querer companhia.”

“A companhia do meu pai me basta!”

“Quando ele está em casa, creio que sim. Mas ele não pode fazer muita coisa longe...”.

Lia olhou-me intrigada. Eu apenas sorri de canto de boca.

“Anda me investigando, Adriano?”

“O que eu posso fazer? Sua vida é fascinante!”

Ela toda era.

“Vamos comer ou não?”

Em silêncio, arrumamos a mesa. Pratos e talheres postos, depositamos a comida em travessas e nos sentamos. Lia escolheu chinesa, e eu fiquei com a pizza. O clima era de descontração, algo estranho, dado que somos Lia de Dinho naquele lugar.

“Novidades?”

“Não muitas... Lá no Hostel, a Fatinha anda de ‘ovo virado’. O Bruno tá acampando no quarto dela... Também tenho trabalhado muito, mas não posso reclamar. A fotografia se mostrou uma paixão intensa.”

“Lembro-me da época que o mundo era a sua paixão...”.

E você o meu amor. Permaneci quieto. Ela estava fazendo de novo. Desde que a beijei – há duas semanas – que Lia evita qualquer aproximação. Não sei se o faz consciente, mas a qualquer sinal de um consenso – entre nós – surgia uma frase, uma recordação para lembrar-me do que eu fiz, há um ano.

“Por que você faz isso?”

“Faço o que?”

Peguei o copo de água e bebi o líquido. Mirei-lhe o rosto direcionado para a refeição.

“Me afasta.”

Lia me olhou. Sua expressão alternando entre ora entediada, ora raivosa.

“Você está aqui, não? Como pode dizer isso?”

“Existem várias formas de se afastar uma pessoa, além da física. Falo do lado emocional. Toda vez que as coisas caminham bem entre a gente, você volta a falar do que passou. Insistentemente. Por quê?”

“Eu tenho motivos não acha?”

Seu semblante revelava mais do que estava disposta a mostrar. Lia estava confusa.

“Tem.”

Silêncio se seguiu.

“Como andam as coisas entre a Fatinha e o Bruno? Soube que ela anda pegando pesado com ele...”.

“Ela tem motivos não acha?”

Ela ignorou a ironia das minhas palavras.

“O Bruno não é má pessoa... Ele só é meio complicado.”

O Babaca ela defende. Já eu sou sempre culpado. Sentia ciúmes da relação que ela tinha com o Bruno. Embora, tenhamos nos tornado ‘amigos’, ela e eu não agimos assim. As brigas continuaram, e acredito que, agora, apenas me tolere.

“Lamento que o que houve tenha estragado o lance de vocês...”.

Lamentava coisa nenhuma! Mas seria indelicado dizê-lo na sua cara.

“Não houve nada... Nada demais entre a gente pra se lamentar alguma coisa.”

“Sei...”

Uma corrente elétrica pairava entre nós dois. Lia brincava com a comida, enquanto eu vagava o olhar pelo apartamento. Fui trazido à realidade pelo toque do meu celular.

“Alô?”

“Oi, Adriano? É a Luana... queria saber se não tá a fim de sair.”

“Desculpe, mas já tenho planos para hoje... Pode ser outro dia, sim?”

“Ah... que pena! Vou à inauguração de uma boate, pensei que talvez estivesse interessado.”

“Acho que uma outra noite... Quem sabe?”

“Tudo bem. Tchau!”

“Tchau!”

Lia ouvia a conversa atentamente. Voltei a minha atenção novamente ao copo de água, enquanto ela me olhava fixamente.

“Quem era?”

Ela não queria perguntar. Vi a raiva por ter sido obrigada a isso, chispando dos seus olhos.

“Luana.”

“O que ela queria?”

O seu tom de voz se elevou um pouco ao fazer mais uma pergunta que não queria ter feito.

“Me convidou para sair. Mas eu recusei.”

“Por quê?”

“Porque estou aqui.”

Ela pareceu ficar feliz com minha resposta. Mas ela era a Lia, e a Lia sempre tinha que dizer algo.

“Não se prenda por minha causa.”

“Mesmo que não estivesse aqui, jantando com você, não iria. Não tenho vontade de sair.”

“Você nunca disse como se conheceram... Não sabia que eram tão amigos.”

“Amigos? Sim, somos... Conhecemos-nos quando viajei para São Paulo. Estava em um bar e ela apareceu, conversamos um pouco e descobrimos afinidades.”

Lia não ficou satisfeita com a minha resposta. Algo a avisava que existia mais além de amizade entre mim e a morena. Via a dúvida refletida nos seus olhos.

“Pergunte.”

“O que?”

Ela foi pega de surpresa. Ainda me considerava um mentiroso, não esperava por esse ‘sincerissídio’ meu.

“Sobre o que aconteceu entre mim e ela.”

“Não é da minha conta! Não sei por que tá dizendo essas coisas.”

“Nós dormimos juntos.”

O meu tom de voz soou mais frio do que o planejado. A Loira piscou duas vezes. O que aconteceu em São Paulo, naquela noite chuvosa, ficou em São Paulo. Não imaginei que encontraria Luana outra vez, mas isso aconteceu. A noite que passamos juntos não foi proposital, mas não me arrependo disso. Talvez um pouco, mas naquele momento o que vivemos não pareceu errado. Éramos duas almas perdidas buscando consolo uma na outra. A minha vida seguiu depois disso.

“Ah... Ela é bonita.”

A palavra bonita dita da forma como ela disse mais seria uma ofensa do que elogio.

“Sim.”

Minhas respostas eram quase monossíbálicas. Foi um erro dizer o que disse, mas pequenas mentiras minam qualquer relação. E o que temos é frágil demais para ser erguido sobre elas.

“Como a Valentina.”

Aquele era o ponto onde ela queria chegar. Estava comparando duas situações diferentes querendo com isso afirmar que eu não mudei. Que continuo o mesmo moleque de antes. Mas eu mudei Lia, se não para melhor, mas pelo menos, estou mais maduro. A minha relação com a Valentina tinha sido só sexo. A Luana foi só uma noite. Não peço que entenda... Acho que também não entendo.

“Por que não fala o que quer dizer? Por que fica jogando com as palavras quando tudo o que quer é gritar o quanto eu sou idiota, mentiroso e outros adjetivos ‘carinhosos’ que passam pela sua cabeça agora?”

Eu mudei. O tempo pesava sobre os ombros e me fazia querer ser direto. Chega de meias palavras.

“Não tente me ler Dinho! Não tem o direito de dizer essas coisas, mas já que faz tanta questão! Engraçado, né? Você voltou cheio de ‘amor para dar’ espalhando pros quatro ventos que me amava e na primeira oportunidade vai pra cama com uma desconhecida! Assim como fez com aquela argentina paraguaia... Você continua o mesmo! MENTIROSO!”

Ela levantou-se e foi ate a sala. Andava de um lado para o outro em busca de controle.

“Mentirosos não falam a verdade, eu disse o que aconteceu.”

Falei calmamente indo para a sala.

“Eu quero ficar sozinha!”

Traduzindo: Vá embora!

Lia olhava intensamente para mim. Sorri triste pelo o que ela fez... Acontece que já esperava por isso. Desde meu retorno de São Paulo tenho pensado em nós dois, nas minhas atitudes, nas escolhas que tenho feito. Cheguei à conclusão de que não depende mais de mim, nunca dependeu, na verdade. É ela. Sempre foi. Como no inicio, eu sempre fui o primeiro a dar, pedir. O primeiro a lutar, beijar. Aquele que se jogava de cabeça correndo todos os riscos. É fácil dizer que se ama, mas nem todos querem sentir a dor. A dor com a qual eu convivo.

“De novo e de novo! Um dia Lia, eu vou embora... Mas não vou voltar. E nesse dia, talvez você me peça pra ficar, mas vai ser tarde demais. Eu não vou ouvir.”

“Vai sonhado com isso, Adriano! Eu NUNCA vou me arrepender disso, sabe por quê? Por que eu to é me livrando de uma boa enrascada, isso sim! Você fez o mesmo, ficou com aquela, aquela... Aquela garota! Pra quê? Achou que ia me atingir? Que ficar com a ex do Vitor ia te tornar melhor que ele?”

Ela não lutou por mim ou nós dois.

“É isso que pensa de mim? Que voltei pra te submeter a um castigo ou algo do tipo? Será que me odeia tanto assim?... Sabe Lia, eu sempre serei o vilão dessa história. O errado, o idiota, o traidor. Sabe por quê? Por que sou eu quem luta aqui. Sou eu quem tenta, todo esse tempo, provar que vale a pena, que valemos a pena. Que o que nós sentimos, melhor, o que EU sinto é bom e sincero. Mas você não quer me ouvir, né? Nunca quer entender, ou apenas, escutar. Tá sempre me pedindo pra ir embora, pra sumir da sua vida. E quando eu dou sinais de que isso vai acontecer, mais uma vez me culpa!”

“Você não deveria ter vindo ate aqui...”.

“Eu não deveria é ter voltado! Mas pode ficar despreocupada, você venceu Lia... Venceu! Eu vou embora. Eu já tinha decidido ir, mas a gravidez da Fatinha me fez adiar esses planos, mas tão logo o bebê nasça, você estará livre de mim.”

Esse era o meu maior medo. Que o dia em que tivesse que partir chegasse, e o que tínhamos morresse. O pior, é que sinto – de uma forma inexplicável – que esse momento está próximo. O dia que eu não vou poder mais olhar para aquele rosto, nem dizer lhe o quanto a amo.

Antes que ela me enxotasse do apartamento, o interfone tocou. Lia foi atender me fuzilando com o olhar antes de ir para a cozinha. A única coisa que me impedia de sair daquele lugar era a decisão de fazer diferente. Eu fugi uma vez, mas dessa vez não. Eu não sou covarde, não mais.

Passaram-se alguns minutos e estranhando a sua demora, fui ver o que tava acontecendo.

Ela estava encostada na parede muito pálida. Parecia presa em algum sonho ruim, sem nem notar quando me aproximei.

“Lia, o que aconteceu?”

Ela não respondeu.

Tirei-lhe o telefone das mãos e liguei para a portaria. Severino atendeu.

“Alô?”

“Severino? É o Dinho... Pode me explicar o que aconteceu? Você ligou para o apartamento da Lia?”

“Sim... É que aquele rapaz, irmão do namorado da dona Lia, tava aqui perguntando por ela. Ele quis saber se ela estava sozinha...”.

“O que você disse a ele?”

“Nada! Ele parecia estranho... Achei melhor dizer que ela tava com o Dr. Lorenzo em casa. Ele não acreditou muito, mas foi embora. Mas andei estranhado isso, sabe? Ele sempre aparece por aqui perguntando por ela... Decidi avisar o que aconteceu. Tá tudo bem?”

Não! Olhei para a Lia ainda no mesmo lugar. Respirei fundo.

“Não... tá tudo bem sim. Mas me faz um favor?”

“Claro, o que o senhor mandar!”

“Se esse cara aparecer de novo liga para o meu celular, não importa a hora. E se ele tentar subir, não deixa.”

“Mas por quê?”

“Não faz pergunta, Severino! Só faz o que eu te falei! Entendeu?”

Minhas palavras soaram ríspidas, mas não podia ser diferente naquele momento.

“Sim... Boa noite!”

Após desligar, peguei Lia pela mão e guie-a ate o sofá. Entreguei-lhe um copo com Run que achei na cozinha.

“Droga, isso é amargo!”

“É para fazer passar o choque... Lia, essa situação não pode continuar. Eu vou falar com a policia, queira você ou não.”

“E vai dizer o que?”

Ela tinha razão. Eu não tinha provas... Ainda!

“Mas você não pode ficar sozinha aqui. Eu pedi pro Severino impedir que o Sal suba, mas isso não é o suficiente. Hoje eu vou dormir no apartamento...”.

Ela me olhou espantada, pronta para negar.

“Nem adianta reclamar! Você não vai ficar sozinha e ponto! Se está preocupada com o que pode acontecer, esqueça... Eu durmo na sala. Não tenho a mínima vontade de continuar o que vim fazer aqui.”

Fui grosso de propósito. Queria tirá-la da apatia causada pela ‘sombra’ do Sal, e como sempre estava disposta a brigar comigo, decidi atacar primeiro.

“E o que você veio fazer aqui?!”

“Não importa... Não importa mais. Já tá tarde, é melhor você ir dormir.”

Dei-lhe as costas a espera que fizesse o que havia mandado. Se o papel de inimigo era o que me cabia representar na sua vida que, assim, seja!

“Dinho...”

“Boa noite Lia.”

Meu tom cortante a fez ficar quieta e seguir para o quarto. Fui novamente à cozinha, após limpar tudo e livrar-me da comida, peguei a garrafa de bebida e um copo. Apagando as luzes, sentei-me sozinho no sofá servindo o Run. Nunca bebi tanto como nos últimos meses, mas o álcool era um ótimo anestésico. E não sentir era o que mais precisava agora. Talvez acabe por me tornar um alcoólatra, mas que diferença faz?

Mirei a escuridão quebrada apenas pela luz da lua entrando pela janela.

Um copo vazio, dois, três e mais alguns. Tombei a cabeça contra o encosto do sofá e fechando os olhos, vi pequenos momentos morrerem. Instantes que pertenceram a nós dois. E eu morria junto.

“Dinho?... O que você tá fazendo no escuro?”

Não respondi. Era só um sonho.

“Dinho?”

Sua respiração perto do meu rosto me fez crer que aquela era uma alucinação bem real. Abri os olhos aos poucos, adaptando-me a luz do ambiente. As luzes foram acesas e a causa do meu tormento debruçava-se sobre mim.

“Desculpa,Lia... Desculpa, mas eu te amo. Desculpa, se isso te assusta, mas não posso esconder o que sinto. Desculpa, se isso não é o que você quer. Se não sente o mesmo... Desculpa se não me desculpar.”

O álcool me fez expor minhas tristezas. Mas era apenas um sonho. Sonhos são para serem sonhados. E aquele era mais um como os tantos outros que tinha nas noites vazias e frias.

Algo molhado caiu sobre a pele. Não chovia, porém sonhos são estranhos.

Fui guiado ate algum lugar que não pude identificar. Alguém me abraçava tão forte, que a falta de ar parecia real. Tentei fugir, não queria estar tão perto, me arriscar de novo. Dói, dói demais. Fui deitado de encontro a algo macio, fechei os olhos e dormi. Mas eu já estava dormindo... Era apenas um sonho.



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Notas finais do capítulo

Capítulo by: Érica!

:( Lia, 'cê' não toma jeito mesmo, hein? Agora é defenitivo: Fim de LiDinho! E Adriano, meu lindo, pode deixar que eu te consolo! Vai ver foi só isso mesmo, no final, LiDinho foi apenas um sonho! Gostou? Odiou? Comente! Beijos!



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