Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 35
No chão


Notas iniciais do capítulo

"Os ataques da inveja são os únicos em que o agressor, se pudesse, preferiria fazer o papel de vitima."... (Niceto Zamora)



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“Oi Lia.”... “Tchau Lia.”... “Bom dia Lia.”... “Boa noite Lia.”

Não era um extenso diálogo de uma conversa, bem, as frases nem foram ditas na mesma situação... Mas e daí?

E daí que é apenas isso que restou entre ele e eu: A civilidade da boa convivência. Não que isso faça alguma diferença na minha vida, claro que não... Mas é que, não entendo como chegamos a esse ponto, sabe? Na verdade eu entendo, só que prefiro ignorar o fato.

E o que você achou que aconteceria depois de tudo o que fez, Lia? Que o Dinho iria correr e pular no seu colo?

Gritou minha inconveniente consciência.

Não... Droga, não!

Foi ele quem voltou, né? É ele que quer uma chance ou, pelo menos, queria... E eu? Eu o mandei embora.

Qual o direito que eu tenho em exigir alguma coisa dele? Que direito eu tenho de me sentir magoada com o pouco caso com que tem me tratado? A resposta é nenhum. Não quando tudo o que tenho feito é pensar mal dele e das suas atitudes.

É só que... Não gosto de como nossa relação terminou. Com esse distanciamento, as poucas palavras, os assuntos inacabados. Não gosto de tê-lo tão perto e mais longe do que já esteve. Ate mais distante do que na época em que ganhou o mundo.

Quando a Ju e o Gil me falaram o quanto eu tenho agido errado com ele, com meus amigos... Quando soube que ele tinha visto o beijo que dei no Bruno... Bem, não que eu deva nada a ele, mas não queria que fosse assim. Tão perto e ainda assim...

O toque do celular me trouxe de volta a realidade. No visor, estava indicada mais uma das inúmeras ligações do meu ex-namorado, Vitor. Desde que terminamos que ele não larga do meu pé, sempre com o papo de que devíamos ter outra chance, que não podemos acabar assim, sem mais nem menos, e todas desculpas de um longo repertório que intitulei de ‘Motivos para amar o Vitor’. Mas ele estava enganado, nós nunca começamos para poder acabar.

A minha relação com o ‘príncipe’ Vitor – Como Dinho o chamava – era superficial demais, nunca teve a profundidade de sentimentos que existiu entre mim o Adriano. Não me orgulho disso, de tê-lo usado, mas ele bem que aproveitou também. Só que eu vi que o nosso namoro não teria futuro, estava parado no mesmo lugar desde o inicio.

“Lia preciso falar com você, me encontra na oficina. É importante!... Vitor!”

Dizia a mensagem que chegou minutos depois da ligação que ignorei. Já tava me enchendo o saco esse ‘lenga-lenga’ do Vitinho, mas como não tinha nada mais interessante para fazer do que ficar olhando para as paredes do meu quarto, resolvi ir ao encontro dele. Peguei a bolsa e saí do quarto.

A minha vó e a Tatá foram no parque. O meu pai foi na casa da Marcela, ou seja, estava sozinha. Ao passar pela portaria, estranhei a ausência do Severino, mas não dei muita importância para isso. O que meu chamou mesmo a atenção foi um casal do outro lado da rua, conversando animadamente como velhos conhecidos: Dinho e Luana.

Senti algo quente subir pela garganta. Não gostei da forma como ele sorriu para ela, muito menos de como ela sorriu de volta. Não que eu esteja com ciúmes, para ser sincera, EU TO MORRENDO DE CIÚMES! Não sei explicar o porquê, mas algo me diz que eles não deveriam estar tão próximos. Eles não se conheciam, né? Ou será que sim? A intimidade demonstrada só podia significar uma coisa: Estranhos eles não eram. E o que haveria, além disso?

Vi-os seguirem para o Misturama e meu coração ficou pesado. Dinho agia tão diferente com ela, diferente de como agia comigo, para ser mais exata. E aquilo doeu. Saber que qualquer pessoa é mais digna de atenção do que eu doeu e não pude evitar sentir isso.

Desisti de ir à oficina do Axel. O Vitor que vá se lamentar em outra ‘freguesia’, pois para mim já bastavam as minhas próprias lamentações. Virei-me para voltar para casa quando senti meu braço ser pego.

“Mas que droga é essa?!”

Gritei me deparando com a expressão zombeteira de Sal.

“Só podia ser um babaca mesmo! Me solta Sal: AGORA!”

“Que isso cunhadinha? Isso lá é jeito de se falar com o irmão do seu namorado?”

“EX! Eu e o Vitor terminamos! Sendo assim, não tenho mais porque te aturar. Agora, solta o meu braço...”

“Ou o quê?”

Salvador sorriu sarcastico. Os seus dedos apertaram a carne do meu braço e senti dor pelo o que ele fazia. Nunca me intimidei pelas atitudes do Sal, mas hoje algo havia mudado. Ele parecia mais... Mais insano.

“Sal, para de brincadeira. Eu quero ir para casa.”

Abrandei meu tom de voz na tentativa de convêece-lo, mas meu esforço não surtiu efeito.

“Sabe qual é o seu problema, Lia? É que você sempre acha que se trata de uma brincadeira. Nunca me leva a sério, né? Fica aí, cheia de pose acreditando que tem algum poder sobre as outras pessoas, que é intocável, mas você não é. E tá na hora de aprender isso.”

Sal falava perigosamente baixo. Um arrepio gelado atingiu minha espinha fazendo-me retesar o corpo.

“O que ‘cê’ acha que vai conseguir com isso?”

“Nada! Mas quem disse que eu quero alguma coisa? – Ele riu estranho – Se bem, que você não é de se jogar fora. Essa sua pele branquinha, essas pernas, essa boca. Você é bem gostosa... Tenho certeza que nós dois vamos nos divertir muito. Relaxa, Roqueira! Você não tá mais com o meu maninho... Por que não aproveitar? Curtir comigo?”

“Nem sonhado!”

Consegui libertar-me do meu algoz e corri para perto da oficina de motos. Porém, antes que conseguisse estar segura, ele me alcançou.

“Você não devia ter feito isso!”

Gritou Sal enquanto me agarrava ainda mais forte.

Olhei em volta em busca de ajuda, mas não havia ninguém por perto. As lojas estavam fechadas, por causa do feriado de algo que não me lembro agora, e a música que vinha do Misturama era alta demais para permitir que um pedido de socorro fosse ouvido. Comecei a ficar em pânico, mas respirando profundamente consgui me controlar

“Pensa bem no que você tá fazendo, Sal...”

“Pode ter certeza que eu sei o que eu tô fazendo, Marrentinha! Na verdade, eu ainda nem comecei a fazer tudo o que eu quero.”

Ao dizer isso, Sal abaixou a cabeça e selou violentamente seus lábios nos meus. O seu beijo me causou nauseas e mesmo me debatendo entre seus braços, não consegui me safar. Agindo por impulso, mordi o seu lábio inferior. O gosto metálico de sangue atingiu minha boca e com um grito de dor ele me soltou.

Cuspi o sangue podre do maluco no chão enquato ele avançava enfurecido para cima de mim.

“Você vai se arrepender por ter feito isso! VAI SE ARREPENDER!”

Dei três passos para tras e novamente fui agarrada. A mordida que dei foi profunda e muito sangue escorria da sua boca.

“Se você tocar em mim eu vou contar...”

“Contar? Contar o quê? Pra quem? Pro panaca do meu irmão? Vai dizer que eu tentei agarrar a vagabunda da namoradinha dele?”

Sal aproximou-se. Dei mais dois passos ficando perto da rua.

“Acha que o Vitinho acreditaria em você ou em mim? Eu sou um anjo aos olhos dele, um cara imcompreendido, não sabia? Nada do que você diga vai fazer eu me dar mal. NADA! O paspalho do meu irmão me ama tanto que desculpa qualquer coisa!”

“Como você pode ser tão... Tão cinico? Tão frio? O Vitor sempre te defendeu e você debocha do amor dele? VOCÊ NÃO PRESTA!”

Lágrimas brotaram dos meus olhos. Odiei-me por aquela fraqueza, mas a presença daquele doido tão perto estava mechendo comigo.

“Tem razão Lia: Eu não presto e sou capaz de qualquer coisa! Nunca duvide disso, tá me ouvindo? Você pode pagar caro se tentar me desafiar... Você ou aquela familia que você tanto ama! Eu não me importo com muita coisa, e não me custaria quase nada fazer com que a sua irmãzinha ou a velha ‘caindo aos pedaços’ que você chama de vó sofressem um... Acidente!”

“FICA LONGE DA MINHA FAMILIA!”

Esquecendo-me do risco que corria, ataquei Sal. Só de pensar naquele marginal perto da Tatá ou de qualquer outra pessoa que eu amo... Não pude me conter. Dei-lhe chutes e socos que em nada o feriram.

“Hum... Adoro uma gatinha brava!”

Ainda agindo por impulso, cravei minhas unhas no rosto de Sal.

“SUA VADIA!”

Ele pegou meu braço e o torceu para tras a tal ponto que pensei que fosse quebrar.

“AI! Me solta! Cê tá me machucando, ME SOLTA! Por favor, me deixa ir!”

“Agora ficou com medinho, foi? Acha que lágrimas vão te salvar, Marrentinha? Eu não sou esses carinhas ‘mela cuecas’ com quem ‘cê’ tá acostumada, não! Comigo, você vai saber o que é um homem de verdade e talvez quando me cansar, quando eu provar todo esse seu corpinho delicioso... Talvez, eu deixe você correr pro papai médico. Veja pelo lado bom, ele vai poder cuidar dos seus ferimentos quando eu acabar!”

Eu estava com medo. Muito medo do que aquele maníaco, psicopata poderia e iria fazer comigo. Tentava parecer forte, mas foi impossivel impedir que mais lágrimas escorrecem pelo rosto. Enaquanto o via rir do meu sofrimento, rezava a Deus para que alguém me tirasse daquele pesadelo.

“Por que você tá fazendo isso? Eu nunca te fiz mal, Sal! Eu nunca fiz nada para você...”

“Claro que você fez! Você escolheu o Vitor, o heroi. Aquele que todos amam e adoram, o cara mais correto do mundo e que nunca faz nada de ruim. Tão diferente do Salvador, o garoto encrenca. O que só traz problemas... Você, assim como todos os outros, escolheu o Vitor!”

“Do que você tá falando?”

Inquiri confusa. Não compreendia aonde ele queria chegar e sentia dor demais para prestar atenção nas suas sandices.

“Eu tô falando sobre como esse mundo é injusto, Lia! De como uns tem tanto e outros nada... Por que só o meu irmão pode ser amado? Eu também mereço, eu também posso fazer coisas boas. Mas ninguém acredita em mim, ninguém dá nada por mim... Sempre falam ‘Olhá lá o Sal, tão diferente do Vitor!’ ‘O Vitor é tão melhor que o Salvador!’. As pessoas adoram me comparar ao meu irmão, adoram apontar o quanto ele é perfeito. E toda essa perfeição impede que vejam em mim algo de bom... E já que não posso ter o que eu quero por bem, eu tomo a força. Você podia ter tornado tudo mais fácil, mas preferiu complicar, lutar. Agora vai ter que sofrer as consequencias disso!”

Sal era um maluco,mais que isso, um completo sádico! A forma como falava do irmão, o ódio, a inveja... Aquilo me enojava. Eu e Tatá sempre fomos diferentes, mas isso nunca foi impessilho na nossa relação. Já o Sal se referia ao Vitor como uma especie de usurpardor, de ladrão que roubava o afeto que ele acreditava ser seu. Só de pensar em toda a encenação que ele criava quando estava junto do meu ex, a facilidade com que mentia... Era incrivel que o Vitor nunca tenha se dado conta de todo o ressentimento que emanava de Sal.

“Voce é um doente! Um maldito doente que precisa de tratamento!”

Gritei a plenos pulmões com a voz grave de medo e dor.

Não pensei no que minhas palavras causariam. Minha indignação era tanta que esqueci do quanto ele poderia me machucar.

“Doente? Já me chamaram de muita coisa, mas nunca de doente! Lamento Marrentinha, mas doentes são pessoas que precisam de tratamento e eu estou ótimo! Vendendo saúde!.”

“Como pode estar bem com toda essa raiva, esse ódio que sente pelo Vitor?”

Senti a bofetada atingindo o meu rosto antes que pudesse reagir. Cambaleiei alguns passos sem ver onde pisava. Fiquei estática pelo choque sofrido com o golpe.

“Não queira me colocar contra o Vitor, tá ouvindo? Eu amo meu irmão! AMO! Vocês é que tentam separar a gente, sempre insinuando coisas, mentindo. Eu não vou deixar você ficar entre mim e ele! Não vou deixar! Nem que pra isso eu tenha que...”

Eu vi a intençao refletida nos olhos negros. O Sal não precisou dizer que iria me matar. Eu sabia o que ele faria, eu ouvi o som do carro vindo pela rua, em nossa direção. Eu sabia que deveria fugir, correr o mais rápido que pudesse... Eu sabia. Mas não consegui.

Ainda parada no mesmo lugar, só pude sentir meu corpo sendo lançado para a rua e caindo de encontro ao chão. Quis gritar, pedir socorro, mas tudo o que pude ver foi o autómovel preto – a cor da morte – vindo para cima de mim. Eu iria morrer e ninguém saberia como isso aconteceu. Eu iria morrer e ponto final.

Sal mentia tão bem que era bem capaz de criar uma historia mirabolante de como tentou me salvar, mas que já era tarde.

Fechei os olhos a espera do impacto. Tudo no que pensei foi na minha familia, a Ju, o Gil, o Dinho. A ultima lembrança que tinha dele... Ele sorria, mas não era para mim. Eu morreria e nunca mais o veria sorrir.

Nunca mais – repetia minha consciência – Você teve todas as oportunidades de tê-lo e desperdiçou o seu amor. E agora você morre aqui, sozinha, enquanto ele sorri para outra. Isso é tão triste, Lia. Você chora e ele sorri. Você morre e ele não está aqui para te salvar. Ninguém vai te salvar. Então, você já partiu.

Eu pensei que fosse o meu fim. Não tinha medo da dor ou do que havia do outro lado. Eu não tinha medo de morrer.

Eu tinha medo de não poder ver quem amava de novo. De nunca mais ouvir a minha vó me mandando ir arrumar o quarto. De nunca mais brigar com a Tatá pelo controle da TV ou levar uma bronca do meu pai por chegar tarde em casa. De não poder comer brigadeiro de panela com a Ju ou sair escondido com o Gil pra grafitar. Tinha medo de não ver o Dinho, de não ouvir sua voz ou não poder mais chamá-lo de Idiota. Eu tinha medo de perdê-los.

“Garota! Você é doida? Meu carro quase passa por cima de você! Tá tudo bem?”

Não, nada estava bem. Mas eu estava viva e só podia agradecer a Deus por esse milagre.

Escutei ao longe a voz preocupada do motorista. Fiquei grata pela preocupação, mas eu ainda corria risco. Parado olhando para mim com um prazer perverso, estava Sal. Mas o prazer com a possibilidade da minha morte desaparecia dando lugar a frustação por não ter me visto ser atingida pelo carro.

Me levantei ignorando os vários cortes e arranhões do meu corpo e corri o quanto pude. Corri sem direção e por istinto, cheguei ao Misturama. A música alta não denunciou minha presença e numa mesa pude ver: Dinho, Luana, Fatinha, Bruno, Ju e Gil. Olhei para mim mesma e senti vergonha. Não tinha culpa pelo que aconteceu, pelo o que Sal havia feito, mas me sentia suja. Não queria que me vissem assim.

Fraca, vulnerável.

Da mesma forma que cheguei, parti. Sem nenhuma palavra. Continuei correndo ate chegar no elevador do prédio. Já no abrigo da minha casa, me deixei cair no chão. O corpo dolorido movendo-se apenas pela intensidade dos soluços. E chorei, chorei como nunca havia chorado. Chorei porque sabia que o Sal não iria desistir ate conseguir o que queria. E da próxima vez, talvez, eu não tenha tanta sorte.

Não sei quanto tempo passei ali, desolada. Mas mesmo tendo vivido uma situação de pavor anteriormente, a primeira coisa que me veio a cabeça foi o fato de que o lugar onde eu acabo, jogada aos pedaços, em qualquer situação, é o chão. Sempre o chão.


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Notas finais do capítulo

Capítulo by: Érica!

:O Certo, certo: O Sal é defenitivamente DOIDO! Mas admito que ele me encanta e fascina! (Sei, sei eu não sou muito normal, mas fazer o quê?) O que será que vai acontecer nessa histótia, hein? Será que a Lia vai contar o que aconteceu? Ficou com dó da Marrentinha? Gostou? Comente! Beijos!



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