Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 26
Esta noite


Notas iniciais do capítulo

"Had it been another day I might have looked the other ways and, Id have never been aware but as it is Ill dream of her tonight.

(Isso foi outro dia, eu devo ter visto isso de outro modo e eu não tinha percebido, mas é inevitável: sonharei com ela esta noite).

The Beatles.



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“Bruno? Você ainda está tomando banho? Caramba, hein! Eu já estou indo, te encontro lá!” Juliana gritou do lado de fora do banheiro.

Para variar, os assuntos do C.R.A.U me fizeram chegar tarde em casa e, consequentemente, me atrasaram para o compromisso daquela noite: um reencontro da turma do colégio da minha irmã caçula.

O que eu tenho a ver com isso? Nada. Nem eu mesmo estava entendendo porque eu fazia tanta questão de ir, mas não precisei pensar muito para lembrar o motivo.

Fatinha.

Nosso último encontro foi um desastre. Eu tive um ataque de ciúmes por ver o Gil saindo de manhã cedo do quarto dela, a destratei – como sempre faço – e recebi uma resposta a altura da minha babaquice – como ela sempre faz.

Eu achei que nos resolveríamos e que a Fatinha, depois de uns dias, voltaria ao normal, assim como nossa “relação”. Estava enganado, ela não me procurou e às vezes em que nos esbarramos na frente do meu prédio ou no Misturama, ela me ignorou com louvor.

Aquilo me incomodou e passei dias tomando coragem para ir até o Hostel pedir desculpas, mas devo admitir que orgulho não é um dos meus pontos mais fracos.

A solução apareceu quando a Juliana recebeu um convite para ir a uma reunião da sua turma de terceiro ano na quadra do Colégio Quadrante.

Vai ser a oportunidade perfeita. O clima de festa, de azaração e a Fatinha querendo causar. Com quem? Comigo! Pensei comigo mesmo e imediatamente me convidei para ir com a Ju, ela não fez muitos questionamentos e aceitou numa boa que eu fosse com ela.

Faríamos as pazes e teríamos mais uma noite daquelas. Quem sabe eu até poderia dizer a ela como tenho me sentido ultimamente, talvez. Eu estava tentando evitar o óbvio, meu machismo era uma barreira enorme a ser derrubada.

Enquanto estava no elevador, observava minha imagem no espelho e enquanto ajeitava alguns fios dos meus cabelos rebeldes, nem percebi que alguém entrou no mesmo ambiente que eu.

“Relaxa, Bruno. Melhor do que isso aí, acho difícil. Cabelos comportados nunca habitaram sua cabeça.”

Olhei pelo espelho e me deparei com Lia, estava tirando sarro da minha tentativa. Eu sorri e virei para encará-la.

“E aí, rockeira. Quanto tempo! Sumiu lá de casa.”

“É...” Ela pareceu desconfortável. “Tempo corrido, sabe como é.”

Sabia que não era por falta de tempo, desde a volta do babaca do Dinho que a amizade das duas ficou estremecida. E apesar de a Juliana ter falado mais de um milhão de vezes que não rolava nada entre os dois, eu ainda tinha minhas desconfianças.

“Vai pra festa no Quadrante?” Perguntei tentando desfazer o clima.

“Claro, não ia perder a chance de constatar como estou ficando velha.” Ela sorriu, Lia tinha um senso de humor que eu sempre gostei.

Caminhamos juntos até o Quadrante, conversando sobre coisas banais da faculdade. Alguns rostos conhecidos, porém sem nomes para mim, cumprimentaram Lia com acenos, olhares e até abraços efusivos.

Ao chegar à quadra, pareci voltar a um ano atrás, na formatura da minha irmã. Todos os seus amigos estavam alí e dispostos nos mesmos grupinhos de antes.

“É, acho que as coisas não mudam tanto assim...” Lia riu, depois se afastou de mim e foi ao encontro de Gil.

Senti-me deslocado e procurei Ju com o olhar... estava conversando com o Dinho. Me recusei de ir até os dois, não aceitava qualquer tipo de aproximação entre eles e preferia ficar avulso do que parecer conivente.

Ao desviar o olhar para outro ponto, meu coração acelerou. Ela estava lá; linda e com um dos seus protótipos de vestido. Era branco e parecia ter sido ajustado em cada parte do seu corpo, realçando tudo e provocando sensações alucinantes em mim.

Me aproximei devagar, como quem não queria nada.

“Boa noite, Maria de Fátima...” Falei dando meu melhor sorriso sedutor.

“Ah. E aí, Bruno.” Ela respondeu sem sequer me dar atenção, dançava no ritmo da música que a banda tocava.

“Posso ficar aqui com você? Minha irmã tá meio ocupada e...”

“E você não tem companhia melhor? Pois saiba que eu tenho. Vê se não enche.”

“Peraí, Fatinha...”

Ela saiu sem me dar ouvidos. Me irritei e fui atrás dela, segurando-a pelo braço.

“A gente pode conversar?”

“Se pudesse eu teria ficado lá com você. Eu fiquei? Acho que não. Agora me solta.”

“Pra quê isso, Fatinha? Para de drama! Se foi pelo lance do Hostel, desculpa aí, não quis ser grosso.”

“Você mudo já é grosso, Bruno. Agora você faz o favor de me soltar e ir fazer seu discurso de rapaz politicamente correto pra outra sem noção? Porque essa daqui tem mais o que fazer.”

Ela puxou seu braço e se afastou mais, parecia decidida e aquilo me surpreendeu. Ela nunca resistira aos meus pedidos, porque isso agora? Senti um nó na garganta. Será que a Fatinha, finalmente, tinha desistido de mim? Não quis pensar no que já havia feito para magoá-la, porque sabia que receberia a resposta da minha pergunta e que não seria a que eu queria que fosse.

Resolvi dar um tempo, com o decorrer da festa ela se acalmaria. Comi algumas coisas, conversei com o Robson – ainda inspetor do colégio – e fui ao banheiro. Enquanto estava lá ouvi as batidas da música que tocava: funk.

Sorri internamente e sabia que chegara a hora de tentar de novo. Fatinha, com certeza, estaria na pista de dança e sua libido seria mais forte do que sua raiva; ela se entregaria pra mim.

Voltei à quadra e procurei minha presa com o olhar, não devia estar longe, e realmente, não estava.

A poucos metros de mim, Fatinha estava atracada com Gil. Beijavam-se de uma maneira intensa e sensual, seus corpos se roçavam junto com a batida da música e eles estavam tão envolvidos naquela situação que era como se estivessem sozinhos no mundo.

As mãos do grafiteiro desciam e subiam pelas laterais do corpo da periguete, enquanto ela puxava a nuca dele com tanta força para si, que marcas de unhas já eram visíveis na pele dele.

Quis avançar sobre os dois, o mandar ficar longe dela e respeitar que ela não o quisesse. Que ela não quisesse o quê? Fatinha não queria a mim, mas visivelmente, queria ao Gil.

A raiva e a adrenalina subiram e eu puxava o ar com força, como um touro bravo e recém atiçado para atacar, antes que eu fizesse qualquer coisa, me retirei dalí o mais rápido que pude e me direcionei a calçada do colégio.

Encostado no capô de um carro, tentava reorganizar meus pensamentos e não parecer um completo idiota na frente de todos. Eu estava com ciúmes, louco de ciúmes.

“Relaxa, acho que ninguém percebeu.” Alguém se encostou ao meu lado no carro.

“Oi Lia.” Respirei aliviado por ser ela. “Ninguém percebeu o que?” Tentei disfarçar.

“Sua cara de bicho ao ver o beijo da Fatinha e do Gil. Você ficou numa posição de ‘vou ou não vou’, mas eu acho que eu era a única sozinha o bastante pra notar.” Ela riu.

“Está tão óbvio assim?” Resolvi me abrir, talvez ela entendesse.

“Não é preciso ser muito inteligente pra notar, mas é o que eu disse: todo mundo estava ocupado demais vivendo suas vidas. Eu era a única incomodada com a vida de outras pessoas também, então acho que consegui entender sua reação.”

“Ah, é... Eu vi o Vitor conversando com uma menina, mas você nunca teve ciúmes, porque isso agora?”

“Eu e o Vitor terminamos.”

“Está se sentindo ameaçada por aquela menina? Porque não o chama pra uma conversa?”

“Porque não estou falando do Vitor.” Ela estava chateada, mas não entendi se era por causa do Vitor ou por causa do verdadeiro assunto do qual ela falava.

Ficamos em silêncio, encarando os paralelepípedos da calçada e ouvindo ao longe o barulho da música na quadra.

“Se gosta dela, porque não assume?” Lia rompeu o silêncio primeiro.

“Eu nem sei se gosto mesmo dela, Lia...e é tudo complicado demais. A Fatinha é completamente diferente de mim, eu não sei lidar com o jeito expansivo dela e, sei lá, vai ver é só desejo.”

“Você não sabe lidar com o jeito dela ou com o seu? Qual é, Bruno...A Fatinha é independente, sabe o que quer, é do jeito que quer ser e não liga pro que os outros falam. O que te incomoda é ela ser mais bem resolvida do que você?”

Fiquei sem saber o que responder, olhei para Lia e não pude deixar de dar uma risada.

“Quando foi que você passou a ser mais madura que eu, menina? Fala sério, eu quem devia fazer o papel de te dar lições de moral, não o contrário. Você cresceu de repente.” Constatei.

Ela riu.

“Eu já passei por muitas coisas, Bruno, e acho que o mais importante que aprendi com todas elas é que não adianta fugir. Uma hora ou outra o destino bate a sua porta e você tem que lidar com ele, melhor que seja de uma forma amena, certo?” Ela sorriu de cabeça baixa.

Minha ficha caiu.

“Dinho?” Perguntei para ter certeza, ela deu de ombros.

Parei um pouco para reparar em Lia. Nós - eu, ela e a Juliana-, praticamente crescemos juntos. As duas eram inseparáveis desde sempre, e portanto, Lia frequentava minha casa, fazia viagens com nossa família e participava da minha vida até mais do que alguns parentes.

Eu nunca havia notado o quanto ela crescera e mudara, talvez por vê-la como uma segunda irmã caçula, eu ignorei o seu amadurecimento assim como o da Ju.

Era inegável que era bonita, linda seria a melhor palavra. Seus cabelos bagunçados e loiros contrastavam com sua pele extremamente branca, mas o mais bonito em Lia eram os olhos verdes.

Quando ela levantou o olhar, diante do meu silêncio, reparei que eles revelavam muito mais do que o jeito rebelde que ela ostentava: eram delicados, questionadores e escondiam algo, eram misteriosos.

Senti vontade de olhá-los mais de perto, me perder alí era mais fácil do que me perder aqui, dentro de mim. Sem perceber, aproximei meu rosto do dela e Lia recuou.

“Bruno?” Ela franziu as sobrancelhas.

“Desculpa.” Pareci me dar conta de quão bizarro era eu me aproximando dela, no meio da rua, encostado num carro e encarando seus olhos.

“Bom, eu vou nessa. Já falei com quem tinha que falar, tirei fotos e revivi o terceiro ano. Já deu.”

“É, eu já vou indo também.” Respondi.

Observei ela se desencostando do carro e por impulso, segurei seu pulso, fazendo com que ela voltasse e ficasse de frente para mim. Encarei novamente seus olhos.

Ficamos assim, eu descobrindo que Lia virara uma linda mulher e ela me achando um cara estranho.

Antes que ela cortasse mais uma vez a nossa ligação, puxei sua cintura e soltei seu pulso, buscando sua nuca.

Nossos lábios se atritaram com urgência e eu não fiz cerimônias para invadir sua boca com minha língua. Nossas bocas se completaram com mais facilidade do que eu imaginava e era gostoso estar alí.

Senti as mãos pequenas da rockeira envolverem meus braços e senti calor ao perceber que ela retribuía na mesma intensidade o beijo que eu começara.

Foram minutos intensos e que sugaram meu ar. Ao nos afastarmos, o mínimo possível, ambos ofegavam e tinham os lábios vermelhos.

Levemente recuperados, voltamos a nos beijar e aquilo começou a me dar reações perigosas. Estava sentindo meus pêlos se eriçarem e os meus músculos se contraírem, numa conhecida reação que poderia acabar em outro lugar.

“Bruno...” Ela sussurrou de repente, quando se afastou. Estava envergonhada.

“Lia.” Eu não queria pedir desculpas, pois não sentia a mínima culpa. Havia gostado.

“Eu acho melhor ir nessa. Hãm... até mais.” Ela se virou para ir para casa, foi quando eu o vi.

Parado, do outro lado do portão, por dentro da escola, estava Dinho. Seu rosto não esboçava nenhuma expressão, mas seu olhar me dizia o suficiente: estava irado.

Como era doce o sabor da vingança! Não que eu tivesse beijado a Lia para provocá-lo, mas acabei por unir o útil ao agradável. Adriano, por tantas vezes me tirou do sério, agora era minha vez e eu havia revidado a altura.

Com um sorriso provocador e uma piscadela, acenei para ele e fui atrás de Lia, que aparentemente, não fazia ideia de quem foi o espectador do nosso beijo.

Consegui intercepta-la na porta do prédio.

“Lia, olha, foi mal se fiz alguma coisa que você não gostou.”

“Na boa, Bruno? Não quero ser estepe de ninguém.”

“E eu sou o quê pra você? Garanto que não mais que isso.” Falei sem pensar.

Lia me olhou em silêncio por um momento, mas depois riu.

“Você é mais cara de pau do que eu pensava. Boa noite, Bruno.”

“Peraí.” A puxei novamente pelo punho. “Não foi você que mais cedo disse que não adianta fugir?” Sorri para ela.

“Não é você o fujão?” Ela não se intimidou.

“Porque a gente não foge junto?” Revidei e ela riu.

Subimos pelo elevador nos beijando e entramos em casa sem nos afastar. Se soubesse que era tão bom beijá-la, já o teria feito antes, mas isso teria sido pedofilia, portanto aquele era o momento ideal.

Nos deitamos no sofá, envoltos pela atração física e pela sensação de fuga dos próprios problemas e sentimentos.

Eu já tinha tirado a camisa e estava passando a mão por cantos, digamos, inapropriados do corpo da Lia quando ela se levantou apressada.

“Lia? Que foi?” Peguei uma almofada e coloquei em cima das pernas, tentando esconder o que estava óbvio.

“Bruno, sério? Nós dois? Isso não tem a mínima lógica. Você beija bem, é um gato e, bom, gostoso” Ela fez um gesto com a mão, me apontando. “Mas não tem nada a ver! Você quer outra pessoa e eu também. O lance de parar de fugir está valendo pros dois e eu vou levar a sério. E você?”

Eu sorri em resposta, ela realmente tinha crescido e eu estava, de certa forma, orgulhoso dela. Ela se despediu me dando um beijo na bochecha e foi embora.

Nunca havia reparado na Lia, foi a primeira vez que a tinha visto com outros olhos, de outro modo, mas naquela noite, eu sonharia com ela.

Nas outras noites? Me permitiria voltar a sonhar com a Fatinha.


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Notas finais do capítulo

Capítulo by: Mariana R.

E como alegria de pobre dura pouco, no caso, quase nada... Sai Vitor e entra Bruno no caminho da Lia! Ah... quem ai ficou com vontade de fazer vitamina de BANANA? Gostou? Comente! E terça tem mais... Beijos!



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