Cairo, Egito... Distante demais de você.

"Sente la magia, Dinho? Imaginava que seria 'tan hermoso'... Esse es tu 'sueño'!" Pergunta-me Valentina.

Magia? Não, não sinto. Deveria sentir alguma coisa? Que tipo de emoção: magia, encanto, fascinação? Nada. Apenas não sinto nada. Talvez não seja mais capaz de sentir, acho que também deixei isso para trás. Não imaginei que seria assim, todas as vezes que me vi vivendo o meu sonho, acreditei que sentiria algo extraordinário... Sim, tudo é 'tan hermoso' e indiferente. Olho em volta e vejo a cidade bege do Cairo, com suas construções antigas, exalando história a cada passo dado.

Sinto entrar pelas narinas o instigante aroma das especiarias, tento focalizar uma voz em meio a confusão de sons que é a capital do Egito. Turistas, comerciantes, carros... O mundo representado pelas pessoas de diferentes nacionalidades. Tanta gente e ainda assim, estou mais só do que nunca estive. Por que? Porque falta ela... Fecho os olhos e a vejo. Por entre a multidão, distingo o seus olhos mirando-me. Um olhar terno, amoroso... Ela sorri para mim e sorrio de volta. Ela não sorria quando fui embora naquela noite chuvosa de janeiro... Ela estava triste e eu era o culpado por sua infelicidade.

Faz um ano desde que nos vimos... Desde que a perdi. Quero me aproximar, pedir desculpas, mas ao primeiro passo que dou, ela desaparece. Como uma miragem no deserto... Enganando os viajantes perdidos nas areias quentes à procura do caminho de casa. Ela era a minha miragem... A imagem que me persegue aonde quer que eu vá. África do Sul, Marrocos, Angola... todos os outros. Ela sempre aparece, como que para lembrar-me do que tive e perdi. Acontecerá o mesmo com ela? Me vê em seus sonhos? ...

"Vamos! Temos que levar los turistas hasta el hotel! Fala Valentina, puxando-me pelo braço. De novo a Sereia me guiava, tragava-me para seu mundo.

"Não".

Ela me olha confusa, inquiridora. "Como assim, no? Temos que seguir viagem. O nuestro caminho"...

Nosso. Não era o nosso, era o caminho dela. O destino que segui por covardia, por medo de ficar e enfrentar os conflitos da minha vida. Tenho seguido assim por muito tempo, andando sempre em frente e nunca me permitindo olhar para trás. Acabei me afundando num mar de conformidade, cada vez mais fundo, perdendo o desejo de lutar. Eu sou culpado... Culpado por não ter ficado, por não ter insistido. Mas isso vai mudar, tem que mudar! Por mim, por ela... por nós. Pensando bem, talvez o seu rosto em meus sonhos não seja uma miragem, minha punição. A sua lembrança é o que pode me salvar de me afogar na solidão.

"Vienes comigo, Dinho? Ou Deixará teu sueño?" Insiste aquela que me mostrou o mundo, mas que nunca conheceu meu coração.

"Não, Sereia. Esse nunca foi meu sonho... Esse não sou eu. Eu estive perdido, buscando por algo que me pertenceu e deixei escapar. Pensei que poderia esquecer, mas eu não posso". Ela sabia do que eu falava, ou melhor, de quem eu falava.

"Finalmente encontrou seu caminho, Marujo!" Disse sorrindo a Sereia para mim. "Sabe, não acreditei que esse - Apontou para a multidão- fosse o tu destino. Não tens asas, como yo. Tens o espírito livre, porem o teu coração é preso. Aquela que tu amas cortou tuas asas. Se demorasse um pouco mais, terias esquecido. Sei, foi assim comigo".

Valentina parou de sorrir e por um instante pareceu tão... sozinha.

"Vais! Volta antes que o tempo apague teus passos”...

Eu faria o que ela disse. Voltaria. Meus passos ainda eram visíveis e me levavam ate o meu amor. Olhei mais uma vez para a multidão, o mundo não era o meu sonho, era apenas ilusão... Mentira que me levou para longe da minha realidade: Lia. Eu sei o que fazer, só não sei se há espaço para mim na realidade dela...