Dias De Guerra escrita por Mereço Um Castelo, Luiza Holdford 2


Capítulo 7
Capítulo 7 - Vergonha Alheia




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A madrugada se arrastava e a lua mudava de lugar... Ou eram minhas pálpebras quase se fechando de vez? Aliás, algumas vezes acordei em um pulo, não que eu realmente estivesse dormindo, mas corujas meio que assustam na calada da noite... Sabe como é, né?

Jasper, por outro lado, parecia sempre concentrado e compenetrado em tudo ao nosso redor. É, senhoras e senhores, eis o orgulho do exército... E como diria meu pai, arrastei o pobre para uma encrenca por simplesmente ser eu...

Sacudi minha cabeça para espairecer. Droga. O sono me deixava com uma personalidade alterada que não era a minha. Precisava desesperadamente fazer algo para acordar.

Seria estranho se eu levantasse e começasse a dar pulinhos? Para acordar os músculos e a mente... Bem, mesmo se fosse, eu não estava nem aí!

Levantei da minha cadeira bamba e comida por cupins e comecei a dar pequenos saltos no mesmo lugar, me sentido um pouco mais alerta depois disso. Jasper, no entanto, estranhou meu método de me manter acordado.

 - Por que está saltitando feito uma gazela? – ele perguntou, acompanhando o meu exercício com o olhar.

 - Meus pulos são muito másculos, ok? É para me manter acordado... E shiu! Regime de silêncio para você!


- Ah, certo... – ele disse com desdém, mas me doeu aquilo, ele ia mesmo me ignorar assim?

- Aposto que você também está com sono, mas essa pose aí de bom soldado não o deixa demonstrar – disse como se realmente não esperasse resposta, embora se ele puxasse conversa seria bom para espantar o sono.

Jasper levantou e deu de ombros, depois, encostou em um dos pilares e continuou olhando o nada. Eu já estava perdendo as esperanças de que ele dissesse algo, quando finalmente o fez.

- E você tenta demonstrar ser auto suficiente, quando, na verdade, eu percebo que não é bem assim.

- Hei, você nem me conhece – disse parando de pular e engolindo em seco por ele ter acertado tão bem, sorte ele estar de costas. – Não pode dizer o que não sabe de fato.

- É, eu não te conheço há tanto tempo, mas isso é perfeitamente visível na sua fala, em suas atitudes e até como se porta.

Eu ri de nervosismo, tentando fazer de conta que aquilo não colava, mas agora ele me encarava, já que virou enquanto falava minhas “qualidades”... ou seriam defeitos?

Enfim, esse menino estava ficando mal criado demais para o meu gosto... Com quem ele está aprendendo modos tão ruins?

- Ah, certo – me fiz de super seguro de mim, – e você é algum tipo analista de postura, é? Psicólogo? Terapeuta ou algo disso onde os loucos vão?

E como sempre, Jasper era imprevisível, e simplesmente voltou a encarar o vazio.

- Conheci alguns desses, mas, realmente não sou nada disso... – ele disse sem emoção. – Sou só alguém na guerra, um a mais... Por um ideal de menos, segundo você mesmo disse.

E um estalo em minha mente me fez pensar de novo. Damon, seu idiota. Fui até ele e toquei seu braço.

- Desculpe, não foi intencional e, de verdade, seu irmão ia querer que vivesse, viu? Um dia você vai achar alguém, como eu achei Katherine, e vai superar isso.

- Eu tinha alguém – ele tentou argumentar, mas eu cortei.

- Não, você achou que tinha. Porque, quando realmente tiver alguém especial, nada nem ninguém vai lhe permitir deixar que ela vá embora – disse com o ar de grande filósofo que eu não era, mas ele pareceu pensar mesmo sobre aquilo.

E, bem, achei que nossa conversa ia começar a se desenvolver até que bem, mas um soldadinho apareceu lá para dizer que o “enfeitado solicitava nossa presença para prepararmos o café da manhã do batalhão”. Merda grande, fedida e cremosa... Odeio aquele cara.

Aliás “solicitava nossa presença”, que coisa mais “mulherzinha de se dizer”. Bastava ter dito que “o cara lá que manda em nós quer vocês no refeitório” e a gente entenderia bem. Aposto! Não somos burros... Mas após esse pensamento eu inevitavelmente virei meus olhos para o lado e completei mentalmente: bem, eu não, pelo menos.

Jasper, o bom menino de família e futuro candidato a soldado exemplo de conduta do mês, começou a andar tão logo quando o rapaz se virou. Mas que droga é essa? Ele obedece assim como um cordeirinho?

O peguei pelo pulso e ele me encarou após reparar que eu não o soltaria tão fácil.

- Não ouviu? – ele sussurrou.

- Claro que sim, não sou surdo. Mas eu me nego a ir, simples assim.

- Você não pode se negar a ir – ele disse um pouco mais alto e o soldadinho do mau se virou a nós com um sorriso maligno.

- É, não pode, pois tenho permissão para atirar em vocês caso se neguem.

E, bem, fazer o que, não? Soltei o pulso do Jasper e fui andando até em sua frente. Se eu não viver, como vou fugir?

* * * * *

Durante todo o caminho até o refeitório, me coloquei a avaliar mais o local. Com meus olhos, eu observava cada canto, estudando mentalmente qual seria a melhor forma de escapar na próxima calada da noite.

Aliás, ainda era quase noite, por Deus, eu queria dormir! Me peguei quase bocejando e trombando no rapaz que havia parado do nada. Avisar que chegamos não custava, não?

- E é aqui que vocês ficam, divirtam-se no dia de folga do cozinheiro – ele disse com um sorrisinho sarcástico que eu juro que daria tudo pra arrancar de sua cara.

Opa, folga do cozinheiro? Eu não me lembro disso não! O plano não era montar guarda por uma longa e tediosa noite e depois lavar as latrinas imundas? Onde está o cozinheiro nisso? Será que o mesmo cara que cozinha, lava os banheiros? Eca, que nojo! Se eu já não queria comer a porcaria que servem aqui, agora eu quero menos ainda.

- Não íamos lavar banheiros fétidos agora? – declarei minha dúvida em voz alta para o soldadinho do mau.

 - Esse era o plano anterior – ele sorriu de lado, e eu pude ver a maldade brilhar em seus olhos. – Mas o Coronel decidiu que vocês poderiam ser úteis com outras coisas também...

 - Bem, não querendo o meu corpinho, qualquer coisa está bom... – sussurrei baixo demais para o fantoche dos superiores ouvir, mas Jasper sim, e ele me deu uma cotovelada dolorida na barriga.

 - O que disse? – o carinha perguntou, e... Opa, não foi baixo o suficiente!

 - Nada – Jasper respondeu antes que eu tivesse a chance. – Foi só “sim senhor!”.

 - Não, não foi não – eu falei, mas nisso Jasper já havia me empurrado para dentro da cozinha e o soldado maligno não pode mesmo me ouvir.

- Qual é o seu problema? – ele perguntou me empurrando. Hei, cadê aquela cortesia e cavalheirismo do povo do Sul?

- Acha que se ele ouvisse ia rir? Quer mesmo comprar uma briga dessas, Damon?

Arrumei minha roupa, eu não gostava de ser empurrado e me preparei para um longo discurso, mas ele me deu uma faca e me apontou para a mesa.

- Vai logo descascar batatas.

- O quê? – eu estava pasmo. – Eu não vou descascar nada! – mas ele me pegou pelo colarinho. Oh mania difícil essa, hein?

- Não quero saber se gosta ou não, você vai lá e vai descascar as porcarias daquelas batatas ou eu mesmo não me importarei de ficar sentado para vê-lo se ferrar depois.

- E você se ferra junto! – disse em triunfo, mas ele não se abalou. Droga! Depois pensei algo estranho. – Mas, quem diabos come batatas cedo? Tipo no café da manhã não deveria ter... sei lá... tipo leite, café e algum bolinho, não?

- Realmente, você vai querer ficar questionando, sério? Eu me viro com o café, você vai adiantar o almoço, porque, cá entre nós, não reparou que a tal folga do cozinheiro não vai acabar antes de amanhã, não?

- Droga... é verdade... – concordei.

- Então adiante logo isso, porque não temos que fazer isso fedendo a banheiro.

- É, vou cortar – eu respondi convencido, porque senão eu também não teria coragem de comer...

Ele é esperto, porque eu tenho certeza que vamos estar varados de fome, então é melhor agilizar a coisa para nosso lado mesmo...

Me sentei ao lado de um enorme e interminável saco de batatas com minha faquinha, que seria certamente a minha única companheira de horas. Nesse ponto, Jasper me trouxe uma panela e colocou na mesa. Suspirei, que dia seria esse?

- Aliás – algo chamou minha atenção naquele ponto, – você sabe fazer café? Ou algo do tipo?

Ele deu de ombros, acho que esse carinha já pagou penitência algum dia, bem, ponto pra mim se fosse isso.

- Na verdade nunca fiz, mas para fazer algo melhor que o Hurley acho que até eu faço – e eu tive que rir com aquilo, o cozinheiro devia ser mesmo ruim.

Quando não queria mandar em mim, Jasper até parecia um cara bem legal. Ele estava todo concentrado fazendo as coisas enquanto eu descascava batatas... uma pilha grande e infinita de batatas, aliás!

Ok, em comparação, vamos ser sinceros, eu estava na vantagem porque estava ali sentadinho, enquanto Jasper corria por ali preparando tudo. Sabe que o cheirinho de café até que estava bom?

O menino até parecia prendado, se bobear descola uma noiva rapidinho, só precisa parar com essa besteira de querer fazer parte de uma guerra que não é nossa. Mas acho que nesse ponto eu já o estava influenciando para o lado certo.

Em meia hora estava tudo pronto e corremos para servir tudo aquilo. Ok, eu achava que iria ouvir muitas piadinhas ali, mas ninguém disse exatamente nada! Pelo contrário, pareciam até compadecidos do azar de Jasper e não mencionavam nada sobre mim...

Se bem que uma pessoa só me mencionou, perguntou para Jasper porque ele tinha tentado me ajudar se eu era um novato inconsequente. Eu ia dar uma resposta de atravessado, mesmo que a conversa não fosse comigo, afinal, eu era o foco. Mas Jasper tocou meu ombro e fez cara de mau, ok, a cara até me assustou, depois ele respondeu ao rapaz que ele havia feito o que achava certo e que todo mundo erra uma vez na vida.

Vamos fazer uma nota mental disso e depois eu transferirei a ideia para Jasper: se ele nunca se casar, aposto que consegue uma vaguinha como padre em qualquer lugar! Era interessante ver como as pessoas daqui, até mesmo os ‘pelinhos’ do enfeitado, tinham um certo respeito pelo rapaz.

O único lado bom de ter feito o café da manhã é que nos livramos de todo aquele treinamento maçante da parte da manhã. Eu, particularmente, achei uma troca justíssima e se o tal Hurley fosse gente boa, eu me ofereceria para ajudá-lo todos os poucos dias que estivesse aqui. Sim, poucos dias, porque ainda quero dar o fora desse lugar o quanto antes.

Porém, a minha felicidade durou pouco, pois a pilha de louça me fez perder o pouquinho de alegria que eu havia conquistado e, o pior, nós nem havíamos comido nada.

Mas, vamos lá, eu tinha que provar minha gratidão aqui, afinal, Jasper fez a maior parte. Então, me ofereci para começar a lavar toda a louça enquanto ele ia comer e, olha só, ele até foi rápido e eu pude ir em seguida.

A louça era tanta que logo reassumi minha posição em frente à pia – uma nota importante: odeio terminantemente e irremediavelmente água fria. Chego até a ter certo dó de nossas serviçais da fazenda, porque água fria é péssimo. Fiquei imaginando como as coitadas deveriam sofrer nos dias frios e uma ponta de compadecimento me tocou o coração... ou quase isso.

E quando parecia que tudo estava na mais perfeita paz... Eu havia terminado a louça, Jasper a havia secado e guardado, o almoço estava quase pronto e eis que o enfeitado entra na cozinha com um sorrisinho sádico.

Eu podia apostar aquele monte de batatas ali que ele ia aprontar com a gente... Eu tinha certeza que era agora que limparíamos a porcaria dos banheiros e um nojo repentino já tomava conta e mim.

Tomara que eu não vomite tudo o que comi... Seria, vergonhoso, no mínimo.


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