Aquela musiquinha irritante da Kelly Key, que falava sobre a fama sempre teve um significado especial para ela. Não que ela chegaria a admitir isso para alguma alma viva, para todos os efeitos, ela nem conhecia aquela música.

O sonho de brilhar, de ser reconhecida foi algo que a acompanhou desde a infância, porém com o passar dos anos, a realidade, sentindo-se negligenciada logo tratou de se fazer notar e a garota, ainda uma refém do anonimato, passou a dar seus autógrafos para os formulários e provas da faculdade.

Era uma segunda-feira como qualquer outra. Dez da manhã. Hora daquele intervalo não oficial entre as aulas, aqueles supostos dez minutinhos reservados para uma breve visita ao banheiro ou a cantina, uma escolha difícil, tão difícil que os alunos acabam por optar por ambos, mais uns vinte minutos para interação social e talvez uma passada pela graduação, essa última só para poder ter uma resposta plausível para o olhar assassino do professor que estava prestes a chegar ao clímax de sua explicação (a qual havia sido iniciada uma hora atrás) quando o aluno finalmente retornava. Se o aluno não tivesse a intenção de voltar para a sala, havia sempre a opção de ir até a Xerox.

Foi nessa segunda-feira que tudo mudou.

Ela estava voltando da cantina, os pseudo revolucionários estavam mais uma vez fazendo barulho, lutando por alguma causa já vencida muito antes de qualquer um deles nascer. Ou talvez fosse pelo direito a festas open bar no Campus. Nada disso era novidade, e ela nunca teria olhado duas vezes para o grupo batendo tampas de panela, num ritmo surpreendentemente melhor do que o da banda da faculdade, se o brilho da lente de uma câmera não tivesse feito reflexo em seus óculos.

A garota parou onde estava. Era agora ou nunca. Essa era sua chance, e todos os seus sonhos, aqueles que haviam adormecido de tédio enquanto ela lia Saramago, despertaram de uma só vez. Suas amigas continuaram andando, mas logo pararam e voltaram ao perceber que ela não estava com o grupo. Ela entregou sua lata de refrigerante e seus óculos para o primeiro par de mãos que a alcançou. E antes que qualquer um pudesse perguntar o que ela estava fazendo, a garota se livrou de suas roupas, caminhando lentamente em direção aos espelhos d’água. A perplexidade de sua plateia era tanta, que por um momento ninguém se moveu. Ela teve quase um minuto para decidir em qual dos espelhos iria entrar. Ao final, essa decisão na foi sua, e sim da equipe de limpeza que parecia ter preferência pela piscina da direita. Então ela andou até o centro da água, sentou-se e sorriu, acenando para seu público que havia finalmente saído do estupor e estavam correndo em sua direção.

Um. Dois. Três flashes. Ela posou para cada uma das câmeras enquanto era levada. No meio da procissão que a seguia ela ouviu o operador de câmera perguntar seu nome.

Uma semana depois, por todo o país, as principais revistas traziam a mesma manchete, a mesma pergunta encabeçava a mesma foto borrada tirada por algum smartphone com menos de cinco megapixels e piorada pelo uso exagerado (e quase obrigatório) do Instagram. O mistério, porém foi curto, e logo uma revista da cidade respondeu o que todas as suas grandes rivais se questionavam. Quem é aquela garota?

É a Jess.