Constelações escrita por Mitzrael Girl


Capítulo 1
Escorpião


Notas iniciais do capítulo

Para Satiko :)



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Constelações

Escorpião

A noite estava muito bonita. A festa também estava bonita… agitada… e mesmo que ele fosse o centro das atenções, não se sentia tão à vontade quanto o resto dos convidados. Aliás, nem sabia da festa no começo da história. Não gostava de surpresas, mas ser mal-agradecido também não era de seu feitio – também não era agradecido.

Havia música, muitas pessoas conversando, pessoas dançando, pessoas que ele nem conhecia, para falar a verdade. Dava graças aos deuses de aquilo não ter sido em sua casa, assim não teria trabalho para limpar depois. Havia se desvencilhado de inúmeras conversas e sabia que se continuasse ali, diante da vista de todos, fazendo a coisa que melhor fazia – ser anti-social –, certamente alguém daria um jeito de tentar envolvê-lo numa conversa… e aquilo realmente o deixaria com vontade de bater na pessoa.

Descansou a taça de vinho numa pequena mesa e andou para fora do lugar. Era melhor fugir deles antes que fosse pego. Saiu pela porta dos fundos, observando a enorme piscina que ainda parecia estar intacta. As pessoas estavam distraídas demais lá dentro para se lembrarem que existia uma piscina ali, ou então, o dono da casa impedira terminantemente que alguém se aproximasse de lá.

Bom, não importando o motivo de o lugar estar vazio, era vantagem para ele. Apreciava ficar sozinho, apreciava o silêncio, e sabia que se aquela festa não fosse surpresa, ele certamente não estaria participando dela.

Andou lentamente ao redor da piscina, observando a água calma lá dentro. Ela refletia o céu, um céu bem limpo, com várias estrelas e sem lua. Parou de andar, virado para a piscina, observando os reflexos na superfície da água. Tinha a estranha sensação de que, olhando aquelas imagens, o céu estava sob seus pés.

Foi tirado bruscamente de seus pensamentos quando ouviu uma voz feminina vinda do seu lado.

– Deveria tomar cuidado… a borda está escorregadia.

Ele virou os olhos dourados para encarar uma jovem, dona de grandes olhos castanhos e cabelos negros, que estava ali, sentada a poucos metros de distância dele, com os pés cruzados em posição de lótus, observando a água da piscina também. Estava se perguntando quando ela tinha chegado ali, mas uma vez mais, seus pensamentos foram interrompidos pela mesma voz.

– Desculpe. – ela disse, erguendo os olhos para ele. – É que eu te vi aí, tão distraído, e vim aqui, achei que pudesse cair na piscina ou alguma coisa assim… me enganei, pelo visto.

– Quem é você? – ele perguntou, sem o mínimo de tato.

– Ah, desculpe. – disse novamente, sorrindo em seguida. – Eu sou Rin… Higurashi Rin. Prazer. Eu acho que nem deveria estar aqui, sabe? Minha onee-san me obrigou a vir. E eu nem conheço o aniversariante. Na verdade, não conheço ninguém mesmo.

– Higurashi… – ele repetiu lentamente. – Irmã mais nova de Kagome?

– Isso mesmo. – ela respondeu, levantando-se para ficar de frente para ele. – Você é…?

– Taisho… Sesshoumaru. – respondeu, parecendo pensar se responderia ou não.

– Ah… – ela arregalou os olhos ligeiramente, parecia ter ficado constrangida. – Então… bem… a festa é sua?

– Supostamente. – ele respondeu, colocando as mãos nos bolsos e desviando o olhar dela para fitar a água novamente.

– Não deveria estar lá dentro? – Rin perguntou, realmente parecia incomodada coma presença dele; ele estava começando a ficar curioso acerca do porquê.

Sesshoumaru olhou-a de soslaio, como se realmente não quisesse responder a pergunta, ou como se aquilo definitivamente não fosse do interesse da jovem. Ela desviou os olhos para água ao perceber aquilo, tentando voltar a falar algo coerente.

– Bom… não importa, não é? – ela tentou amenizar a situação, dando de ombros.

Ele voltou a fitar a água, assim como ela. O silêncio se instalou entre os dois por alguns segundos. Sesshoumaru não estava interessado em manter conversa alguma, desde que estava fugindo delas, enquanto que Rin não fazia idéia do que falar com o aniversariante que, por sinal, acabara de descobrir quem era.

Depois de continuar a observar a água por um certo tempo, a garota pareceu notar algo que não tinha percebido antes. Ergueu o rosto para o céu, como se quisesse confirmar o que estava vendo. Sorriu ao perceber que não era sua imaginação, que realmente estava lá e ela não tinha parado para observá-la ainda.

– Você… gosta de constelações? – ela perguntou, ainda fitando o céu num ponto fixo.

Sesshoumaru voltou a olhá-la, mas ela não tirava os olhos do céu.

– Não conheço nenhuma. – ele disse, como se também não desse importância ao fato. Na verdade, já estava ponderando sobre voltar para dentro de casa e talvez tentar se esconder no banheiro. Provavelmente ninguém o encontraria lá.

– Então… bom… eu não lhe trouxe nenhum presente hoje, desculpe. – Rin parou de olhar o céu e virou-se para o homem, andando até ele, equilibrada na borda da piscina. – Mas, posso lhe dar um dos mais perfeitos presentes do universo, um que você nunca vai perder ou esquecer.

– Ahn? – Sesshoumaru virou-se para a jovem quando ela segurou-lhe o braço, puxando-o para longe da borda da piscina. – O que está fazendo?

– Se ficarmos na borda, podemos cair na água, então, é melhor nos afastarmos um pouco. – Rin explicou, parando a poucos metros da borda, lado a lado com ele, com os olhos voltados uma vez mais para o céu.

Ele encarava a garota, procurando algum modo de afastá-la de si. No que estava pensando, afinal…?

– Veja… – ela estendeu o braço, apontando o céu, ainda segurava o braço dele com a outra mão.

Sesshoumaru arqueou uma sobrancelha, continuando a encará-la, imaginando se já encontrara alguém tão atrevido antes.

– Vamos, olhe para o céu… se não olhar, não tem como eu lhe dar seu presente. – ela insistiu, olhando rapidamente para os olhos do rapaz de longos cabelos prateados.

Ele cedeu e finalmente olhou para cima. Sempre aprendera que não era muito bom contrariar loucos.

Rin estendeu a mão bem diante do rosto dele, apontando o céu cheio de estrelas.

– Está vendo aquelas três estrelas dispostas quase em linha reta? – ela indicou e ele buscou as tais estrelas, seguindo a linha indicada pela mão dela. Fez um gesto de cabeça afirmativo quando as encontrou. – Bom, elas são a "cabeça" da constelação de Escorpião. É fácil encontrá-las, portanto, é fácil achar a constelação completa. Agora, da estrela do meio, você traça uma linha imaginária, ligando três estrelas por vez… – ele continuou seguindo as indicações dela, formando a imagem traçada pela mão dela. Até que não era tão louco, nem tão difícil. Logo ela fez uma última curva, como que encerrando a constelação. – Aquelas três ali fecham a constelação, são a cauda do Escorpião.

Curioso, ele refez todo o caminho que ela indicara, percebendo rapidamente como a constelação – agora conhecida – conseguia destacar-se facilmente em meio a todo o emaranhado de estrelas do céu da madrugada. Nem ao menos percebeu quando ela se afastou dele, soltando seu braço e voltando para a borda.

– Viu? Ela não é perfeita? – Rin chamou a atenção dele para si. – É a minha constelação preferida. Na verdade, acho a constelação mais perfeita… entre as poucas que conheço, claro.

– Sim. – ele respondeu de uma maneira quase que automática, realmente impressionado com aquela nova descoberta. Nunca se interessara particularmente pelo céu, mesmo que lhe chamasse a atenção. Também nunca se importara em conhecer as estrelas.

– Aquela… a estrela que brilha mais forte… – Rin começou a falar, sem olhar para o céu, mas ele estava observando a constelação de novo. – Se chama Antares. É como o coração tanto da constelação, quanto do Escorpião.

– Você conhece muitas? – Sesshoumaru perguntou, virando-se completamente para ela.

– Algumas. – ela deu de ombros, virando-se e começando a andar na borda da piscina, como que se equilibrando. – Olho pra elas quando estou sozinha, quando não consigo dormir, ou quando não tenho mais o que fazer. Digamos que eu conheço o suficiente para encontrar alguma sempre que olhar para o céu à noite.

– Então conhece muitas… se olha para o céu todos os dias. – Sesshoumaru comentou.

– Não exatamente. – Rin sorriu da idéia dele, ainda continuando o percurso pela borda. – As constelações ficam no céu por muito tempo, meses… dois, três talvez, não lembro. Várias por vez… então, posso encontrar a mesma durante todos os dias de um mês.

– Hum…

– Estamos de madrugada agora. – ela olhou o relógio de pulso, parando de andar e em seguida, levantando a cabeça para olhar o céu. – Escorpião está no meio do céu… provavelmente no mês que vem ela vai aparecer mais cedo, mais cedo… até desaparecer e dar lugar a uma outra.

– Você entende bem delas. – ele comentou, olhando para a mulher ainda parada e observando o céu, distraída.

– Como já disse, um pouco. – Rin sorriu, encarando-o pelo canto do olho.

– Mais do que eu, com certeza. – Sesshoumaru andou pela borda, aproximando-se de onde ela estava.

– Bom, acho que está na hora de voltar pra lá pra dentro. – ela disse, virando-se de vez na borda e assustando-se com a presença dele tão perto.

Quando deu um passo para trás, tentando afastar-se dele, sentiu o pé escorregar. Sabia que isso podia acabar acontecendo mais cedo ou mais tarde. Por que, diabos, tinha que ficar tão perto da piscina? Mas antes que pudesse cair e sentir a água gelada tocar sua pele, dois braços fortes seguraram seus pulsos, puxando-a para longe da borda e do perigo de cair.

Com o impulso, foi inevitável que ela não se chocasse contra ele, sendo envolvida pelos mesmos braços que tinham acabado de lhe salvar.

– Er… – ela virou o rosto para ele, para perceber que estavam perto demais.

– Deveria tomar cuidado… a borda está escorregadia. – ele repetiu aquela mesma frase, fazendo-a ficar confusa por uns segundos e então, sorrir fracamente, não parecendo incomodada com a situação em que estava com aquele homem completamente desconhecido.

– É… acho que sim. – foi a única coisa que conseguiu responder antes que o silêncio pairasse sobre eles.

O ambiente não poderia estar mais apropriado para que ambos se divertissem pelo menos por aquela noite. Afinal, uma noite com alguém não podia significar muita coisa… talvez tivessem ficado daquele jeito por mais tempo, caso um barulho de algo quebrando não tivesse lhes invadido os ouvidos.

Eles viraram os rostos rapidamente na direção do barulho, imediatamente se afastaram, como se temessem serem vistos por outras pessoas. Pelo visto, um dos vitrais das janelas tinha acabado de despedaçar e alguém estava reclamando lá dentro. Pela altura da voz, Sesshoumaru com certeza deveria conhecer a pessoa que discutia.

– Inuyasha. – ele e Rin pronunciaram ao mesmo tempo.

Rin sorriu e ele apenas suspirou.

– Bom, acho que não quero estar aqui quando a casa for destruída. – ela disse, afastando-se dele e seguindo na direção das portas para entrar novamente na casa. – Foi bom… conhecê-lo, Sesshoumaru-sama. E, feliz aniversário mais uma vez. Até uma próxima.

Antes que Sesshoumaru tivesse a chance de se despedir, ela já tinha corrido para dentro de casa, fechando a porta logo ao passar, tentando disfarçar o lugar onde estava no momento.

Quando o aniversariante finalmente voltou para dentro da casa, para mais uma vez ser convidado a se sentar com pelo menos cinco grupos de pessoas diferentes, não conseguiu mais encontrar a jovem que lhe tinha mostrado as estrelas. Naquele momento, praguejou de uma forma quase inconsciente pela festa ser numa casa tão grande. Tinha perdido a única chance de ter uma conversa civilizada e interessante na noite de seu próprio aniversário.

Sesshoumaru rodou na cama pelo menos três vezes até acreditar que o celular estava mesmo tocando tão cedo numa manhã de sábado logo após a noite de sexta de sua festa, que tinha sido obrigado a ficar até pelo menos cinco horas da manhã, quando todos os convidados tinham ido embora, para poder finalmente voltar ao seu apartamento sossegado perto do centro de Tokyo.

Deixou que a primeira chamada caísse, mas foi inevitável, voltou a tocar insistentemente de novo. Depois de rodar pela quarta vez, tirando o travesseiro de cima da cabeça, pegou o pequeno aparelho, e segurando a vontade de arremessá-lo contra a parede, atendeu de má vontade.

– O que foi? – perguntou, mesmo sem saber quem ousava lhe acordar depois de apenas duas horas de sono.

– Sesshy… estava dormindo? – a voz masculina do outro lado da linha perguntou, de maneira presunçosa.

Ele desligou o celular sem pensar duas vezes, jogando-o para cima da mesa do abajur ao lado da cama. Voltou a tentar dormir, mas o celular voltou a tocar insistentemente. Precisava contar até dez três vezes… precisava ter se lembrado de desligar o celular na noite anterior ou coisa parecida, assim, saberia que o homem do outro lado da linha provavelmente iria até seu apartamento para acordá-lo.

Pegou o celular mais uma vez e atendeu, mas não falou nada.

– De mau humor tão cedo? – a voz era debochada. – Imagino que ele não vá melhorar quando eu lhe lembrar que tem que ir até a Toudai.

– Toudai? – Sesshoumaru perguntou, confuso com a dor de cabeça que estava começando a lhe irritar.

– Isso mesmo… lembra que temos que defender a Universidade? Fazer o quê… vai querer ser o melhor advogado da cidade, tem que lidar com essas coisas de vez em quando.

– Por que você não vai lá, Hakudoushi? – retrucou, passando a mão pelos cabelos, com vontade de socar alguma coisa.

– Eles têm dinheiro… eles pagam… eles pedem o advogado. Você recebe, você apenas faz o que eles mandam e ganha o caso. Agora levante logo daí que a reunião está marcada para as nove. Não se atrase!

Ambos desligaram o telefone ao mesmo tempo, sem precisar ao menos se despedir. Sesshoumaru respirou fundo, contando até dez mentalmente. Tinha esquecido completamente do maldito processo. Mais cinco minutos tentando se controlar, e finalmente se levantou para se arrumar e seguir até a Universidade de Tokyo.

A reunião durou pelo menos duas horas. Apenas Sesshoumaru estava representando a própria empresa de advocacia. O idiota do seu sócio devia estar descansando em algum lugar muito interessante para se gabar depois. Estava mesmo irritado por falar tanto e explicar todos os detalhes dos processos várias e várias vezes ao conselho da Universidade. A única coisa que estava lhe consolando no momento era que o dia seguinte era domingo. Aquilo ia ser uma cura pra sua dor de cabeça.

Estava com fome, era quase meio-dia e nem tinha tomado café da manhã para conseguir chegar a tempo na reunião. O que o deixava mais irritado era que não era ele que tinha se atrasado, mas os conselheiros com quem teria a reunião. Podia ter comido antes de ir até o outro lado da cidade.

Andava a passos rápidos até o estacionamento do campus. Tão alheio estava a tudo que acontecia à sua volta que só parou de andar quando sentiu um livro bater na sua perna. Por dois segundos, perguntou-se como aquele objeto tinha batido em sua perna, para só depois, virar o rosto e perceber a situação completa: uma mulher estava caída de bruços no chão, com pelo menos cinco livros um pouco volumosos, espalhados pelo chão. Ela se apoiou nos cotovelos para poder se sentar, xingando de todos os modos possíveis num tom baixo o suficiente para ninguém mais ouvir, aparentemente ignorando as pessoas ao seu redor, e passando a mão pela roupa para se limpar.

– Isso tinha que acontecer justo comigo. – foi a frase que Sesshoumaru escutou quando abaixou-se para pegar o livro que estava perto do seu pé, olhando curioso para a mulher que ainda estava preocupada em limpar a própria roupa empoeirada para poder então prestar atenção aos livros caídos.

– Isso é perigoso. – Sesshoumaru disse, estendendo o livro e finalmente fazendo com que a mulher levantasse a cabeça para encará-lo.

Confirmou ali que se tratava de Higurashi Rin, reconhecera a voz. E ela parecia um tanto surpresa de encontrá-lo também. Na verdade, Sesshoumaru podia jurar que ela estava começando a corar.

– Sesshoumaru-sama? – ela aceitou o livro dele automaticamente, deixando os outros de lado. – O que faz aqui?

Sesshoumaru arqueou as sobrancelhas. Não devia ser da conta dela o que ele estava fazendo ali. Apenas depois de uns minutos em silêncio, ela pareceu entender o significado do olhar dele.

– Desculpe. – desviou os olhos dos dourados e então, finalmente recolheu os outros livros que deixara cair. Levantou-se ao mesmo tempo em que ele. – Deve estar com pressa. Até outro dia… talvez.

– Reunião. – ele disse, antes que ela virasse para ir embora. – Uma reunião com o conselho da Universidade.

– Ahn… certo. – ela balançou a cabeça positivamente, abraçando os livros com força e contendo a vontade de perguntar se ele trabalhava lá.

– Não trabalho. – ele respondeu, como se lesse os pensamentos da mulher, sem tirar os olhos dela. – Sou advogado contratado.

– Entendi. – Rin arqueou as sobrancelhas em compreensão. – Você não tem cara de advogado. Não parece gostar de defender as pessoas.

– Você não tem cara de médica. – Sesshoumaru retrucou, olhando para os livros e a roupa que já não estava tão branca com as manchas depois da queda.

Por um momento, Rin sentiu que ele ia completar a frase, mas ele não o fez, encerrando a sentença por aquilo mesmo.

– Ainda não. – ela respondeu. – Em alguns anos, espero.

– Boa sorte. – Sesshoumaru falou, dando as costas para sair do lugar, na direção que caminhava inicialmente.

Ele não esperou resposta, e Rin não se preocupou em responder alguma coisa, apenas voltou ao seu caminho, tal como Sesshoumaru. Se ele estava atrasado para alguma coisa, ela estava para chegar em casa e almoçar para começar a estudar para as provas.

Durante o resto da semana, Sesshoumaru ainda precisou voltar à Toudai pelo menos duas vezes. A única diferença naquelas duas vezes foi que não encontrou ninguém caindo diante dele no caminho de volta até o estacionamento. Surpreendeu-se mesmo quando pensou na possibilidade de encontrá-la mais uma vez.

Ao menos, as únicas vezes que a mulher voltava à sua cabeça era quando estava saindo da Toudai, o que realmente demonstrava que não precisava se preocupar em lembrar-se dela nos próximos dias. Teria certeza de marcar as próximas reuniões no seu escritório, onde não importaria se os membros do conselho chegariam atrasados ou não… ele poderia fazer outra coisa enquanto esperava.

Contudo, mesmo em casa, precisava tomar conta daquele processo, afinal, estava defendendo a universidade mais prestigiada de Tokyo, e não poderia ter uma falha sequer. Mesmo durante o sábado, terminou de revisar alguns processos atrasados e voltou a trabalhar no caso da Toudai. Esqueceu-se mesmo de pedir a comida do almoço, e só veio sair debaixo da montanha de papéis em seu escritório quando ouviu o som da campainha tocar insistentemente.

Suspirou e contou até dez, já imaginando quem era.

– Hakudoushi…

Levantou-se, jogando uma caneta em cima dos papéis e seguindo para a porta. Não se importou em avisar que estava indo, sabia que o outro continuaria insistindo na campainha. Abriu a porta com tanta força que teria avançado em cima do sócio, se um leve arquear de sobrancelhas não tivesse tomado conta de seu rosto com a visão que estava tendo.

– Alguma ocasião especial? Espero que não seja no meu apartamento. – Sesshoumaru disse, ao ver o outro vestido em trajes de gala, com o terno impecavelmente passado, a roupa sem nenhuma mancha sequer, e a mulher ao lado, num vestido social longo de tom esverdeado, e os cabelos perfeitamente arrumados, mais arrumados do que o normal de uma mulher.

– O que você ainda está fazendo parado aí? – Hakudoushi devolveu, no mesmo tom sério. – Sabia que ia esquecer. Ainda bem que vim mais cedo.

– Esquecer o quê? – Sesshoumaru perguntou, dando as costas e voltando a entrar no apartamento.

Hakudoushi acompanhou os passos dele, de mãos dadas com a mulher de cabelos negros e olhos de mesma cor. Fechou a porta ao passar.

– Lembra que… por incrível que pareça… você foi convidado pra ser o padrinho do casamento do seu irmão? – Hakudoushi falou lentamente, como se tentasse explicar a uma criança que dois mais dois são quatro.

– Meio-irmão. – Sesshoumaru disse, parando diante da geladeira para pegar um copo com água. – Foi idéia da noiva. E o que tem o casamento daquele idiota?

– É… hoje. – Hakudoushi sorriu debochado.

Sesshoumaru encarou o amigo por uns segundos, tentando descobrir se ele não estava mentindo. Mas era meio que difícil, levando em conta a mulher dele, muito bem vestida, e o próprio, mais arrumado que o normal.

– Você pode ficar no meu lugar. Estou terminando de analisar uns processos. – Sesshoumaru disse, deixando o copo de lado sem ao menos tomar um gole da água. Tinha esquecido completamente daquele maldito casamento. Por que as pessoas tinham aquela mania de casar nas horas mais inoportunas?

– Ficar no lugar uma ova. – Hakudoushi adiantou-se para empurrar Sesshoumaru ao longo do corredor no caminho certo. – Vá logo se arrumar, ou Higurashi manda caçá-lo para finalmente começarem o casamento.

Sesshoumaru ia protestar e possivelmente, bater em Hakudoushi pela ousadia. Mas aquele nome surtiu um efeito quase que mágico em seus ouvidos. Era o casamento de Kagome, a irmã dela estaria lá com certeza. Nem teve tempo de contrariar Hakudoushi, apenas seguiu por vontade própria até o quarto, de onde ouviu as últimas palavras quase gritadas do outro.

– Nós vamos indo na frente. Vê se não faz a merda de se atrasar!

Sesshoumaru suspirou, deixando os outros de lado e indo até o banheiro para finalmente começar a se arrumar. Se demorasse demais, seria mais atrasado do que a noiva, e aquilo não era uma boa coisa. Se bem que Hakudoushi chegara cedo demais no apartamento dele. Não tinha como se atrasar.

Quando chegou à cerimônia, nem metade dos convidados estava lá. E claro que a noiva era a que mais demorava. A cerimônia era tipicamente ocidental, com direito ao vestido branco e todo o resto. Foram pelo menos mais duas horas de espera até que o local estivesse lotado com todos os convidados e que finalmente anunciassem a entrada da jovem. Ele não trocou ao menos uma palavra com Inuyasha, na verdade, estava planejando como matar Hakudoushi por ter-lhe apressado tanto, e ele ainda tinha chegado mais tarde!

Ouviu uma música conhecida começar a soar por todo o lado, e então, todos os convidados se calaram e ficaram de pé. As portas da igreja se abriram para deixar que Kagome entrasse. Ele olhou para a cunhada por pelo menos dois minutos, até desviar os olhos dela, desinteressado e com os olhos cansados dos flashes. Apenas depois daquele simples movimento, seus olhos pararam sobre a mulher que estava praticamente à frente dele. Ela mantinha os olhos fixos em Kagome, e estava de braços dados com um homem um pouco mais alto, moreno. Os cabelos estavam presos num coque alto, com algumas mechas soltas, o vestido longo era de um tom azulado, que se moldava perfeitamente ao corpo dela.

Não tinha percebido em que momento ela parara ali, e talvez não a tivesse identificado pela mudança completa no visual esporte. A mulher sorria animada, trocava palavras rápidas com o homem ao seu lado, e voltava a olhar para a irmã mais velha ainda a andar pelo tapete vermelho.

Apenas quando Kagome alcançou o altar foi que os olhos de Rin cruzaram com os dele. Ela sorriu por um breve momento, e minutos depois, todos estavam sentados para iniciar o casamento.

Mais de uma hora de cerimônia, de lágrimas de convidados e principalmente da noiva, de fotos e mais fotos, de gravação, de conversas paralelas, até que finalmente se ouvissem as últimas palavras mais desejadas pelo casal: "Eu vos declaro marido e mulher".

Depois daquilo, os fotógrafos se apressaram em chegar até o casal para tirar mais várias e várias fotos antes que eles pudessem seguir para o salão da festa. Os convidados já estavam saindo aos poucos, discretamente… e ele foi o primeiro dos padrinhos a esgueirar-se para longe do altar e do tumulto. Quando conseguiu finalmente sair da igreja, não se surpreendeu ao encontrar Hakudoushi lá fora, conversando com algumas pessoas, como sempre, acompanhado da esposa.

O dono dos olhos lilases se desviou do grupo com quem conversava e andou até Sesshoumaru, deixando a mulher conversar com outras mulheres.

– Hum… até que não foi tão ruim assim, não foi? – Hakudoushi disse, colocando as mãos nos bolsos e parando lado a lado com Sesshoumaru.

– Me lembre de nunca mais aceitar convites para casamentos. – Sesshoumaru replicou, levantando o braço para olhar o relógio: passava das dez da noite.

– Aposto que vou ter que lembrá-lo do dia do seu próprio casamento. – Hakudoushi continuou a falar, olhando a rua e os convidados, sem parar para encarar o amigo.

– Até lá, já terei enterrado você por me acordar cedo. – Sesshoumaru respondeu, descendo as escadarias de entrada lentamente.

– "Até lá"? – Hakudoushi se apressou em descer as escadas e parar diante de Sesshoumaru, atrapalhando o caminho dele. – Você costumava dizer que não ia ter um casamento… ficou emocionado com a cerimônia do seu irmão?

– Meio-irmão. – Sesshoumaru corrigiu. – Ficar levantando e sentando tantas vezes bagunçou meu cérebro. Dessa vez, eu vou na frente.

Ele passou por Hakudoushi e andou ao longo da rua até onde deixara o carro estacionado. Ainda rodou pela cidade por uns minutos e por pura preguiça de ir direto para o salão de festas. Quando parou o carro no enorme estacionamento do lugar, deviam estar todos os convidados ali, menos os recém-casados, obviamente.

Quando entrou lá, a maioria das mesas estava ocupada, e claro que tinha uma reservada para a família e os noivos – como se eles fossem mesmo sentar com a quantidade de fotos que ainda iriam tirar –, mas não lembrava exatamente de estar incluído nessa mesa e nem queria. Andou direto até o bar e pediu vodka, afastando-se para ir até a área aberta do salão. O lugar era bem grande, e mesmo com a enorme quantidade de convidados, havia muito espaço livre. Andou ao longo do gramado por um tempo, longe das mesas dos convidados, bebendo um gole da bebida uma vez ou outra.

Parou quando alcançou uma fonte perto da entrada do salão. Olhou para o seu reflexo na água e bem atrás deste, o reflexo do céu. Levantou os olhos, mas o lugar estava tão iluminado que quase não conseguia ver as estrelas. Além disso, não conseguiria achar Escorpião entre as poucas estrelas que ainda conseguia ver.

Abaixou o rosto rapidamente quando ouviu música alta e aplausos dos convidados vindos da parte interna do salão. Bom, estava na hora da festa começar e de ele ir embora em pouco tempo.

– Sesshoumaru! Onde você vive se escondendo?! – Hakudoushi apareceu cruzando o gramado, apressado, até ele. – Estão esperando você lá dentro, sabia? Têm que estar nas fotos.

– Não se atreva. – Sesshoumaru disse simplesmente, com o olhar mais cortante que sua impaciência lhe permitia lançar, sem precisar fazer movimentos bruscos para se fazer entender.

– Okay… até que não foi tão ruim. Já estava me preparando pra quando você arremessasse o copo. – Hakudoushi disse, levantando as mãos em sinal de paz. – Pelo menos vamos entrar. Acho difícil que alguém o convença a tirar fotos.

Sesshoumaru seguiu Hakudoushi de volta ao salão. As pessoas conversavam distraídas e num canto reservado, os recém-casados tiravam fotos com todos os convidados possíveis. Ele sentou-se à mesa de Hakudoushi, com mais alguns velhos amigos e pessoas que também desconhecia. Não abriu a boca para alguma coisa além de beber vodka.

Já devia ter se passado meia hora desde que estava sentado ali, deixando o gelo da bebida derreter. Falou rapidamente com Hakudoushi e se levantou, com o pretexto de ir pegar mais vodka.

Quando parou diante do balcão e fez o pedido, virou o rosto rapidamente ao sentir seu braço ser puxado.

– Finalmente o encontrei.

Ele precisou piscar os olhos para compreender que Higurashi Rin estava ali, praticamente puxando seu braço, como se quisesse levá-lo para algum lugar – e realmente queria.

– Estão esperando você. Precisamos tirar uma foto com todos os padrinhos, não tente fugir. – Rin disse, olhando-o de maneira repreensiva.

– Eu não…

– Nem tente fugir. – Rin disse, mas não parecia tão animada para tirar a foto. – Eu não vou passar por isso sozinha. Se eu sou irmã da noiva e tenho que tirar fotos, você também tem que tirar.

– Sou só meio-irmão. – Sesshoumaru fez questão de corrigir.

– Vou planejar para que chegue em sua casa uma meia-foto. Agora venha. – Rin disse e, sem se importar com a opinião dele, puxou-o pelo braço até o local onde Inuyasha e Kagome ainda esperavam para tirar mais fotos. Era visível que Inuyasha estava começando a ficar irritado.

– Vai ficar me devendo uma por essa. – Sesshoumaru disse, mas não teve certeza se Rin tinha ouvido, ela não deu nenhum sinal de resposta.

Eles finalmente chegaram perto de Kagome e Inuyasha, e Sesshoumaru olhou para aquele flash mais uma vez, tendo a impressão de que logo ficaria cego. Antes da foto ser batida – pelo menos umas cinco vezes – lançou um olhar para o lado de Kagome, onde Rin estava, sorrindo para a foto e de braços dados com aquele mesmo homem da igreja.

Quando o fotógrafo finalmente disse que estava acabado, ele foi o primeiro a se afastar, na direção da mesa em que Hakudoushi e a esposa ainda estavam sentados, sem perceber que Rin ainda o acompanhara com o olhar pelo menos metade do caminho.

Quando ele deu a volta pela cadeira de Hakudoushi para sentar-se, este levantou o braço, com um copo de vodka, oferecendo-o para Sesshoumaru. Ele pegou o copo e se sentou, ainda tendo que ouvir o breve comentário do sócio e contendo a vontade de realmente arremessar o copo contra ele.

– Não sabia desse seu lado fotogênico…

Ele não respondeu, apenas bebeu um gole da vodka e voltou a sua atenção para o ambiente à volta. Ficou apenas observando por um longo tempo e por mais duas doses de vodka. Não era do tipo que se embebedava fácil, mas percebeu que estava indo longe demais. Deixou o copo com a quarta dose de lado, pela metade. Apenas aí prestou atenção à música lenta que estava tocando no momento, com vários casais dançando na pista. Até mesmo Hakudoushi tinha levado a esposa para dançar e ele não tinha se dado conta.

Quando desviou os olhos da pista, pousou-os sobre a jovem de vestido azulado que estava diante do balcão, pegando duas bebidas, para se virar e sair dali. Sem pensar duas vezes – talvez mesmo sob o efeito da vodka –, levantou-se e seguiu até ela. Parou bem no caminho dela, fazendo com que a mulher quase derrubasse as duas taças de vinho.

– Vim cobrar pela foto. – Sesshoumaru disse, pegando as taças das mãos dela antes que ela tivesse chance de falar.

– O qu…?

– Me concede…? – ele deixou as taças na mesa mais próxima e estendeu a mão para Rin.

Ela piscou duas vezes até realmente entender o que estava acontecendo. Por aquele breve momento, ele achou a expressão dela divertida. Percebeu quando ela segurou sua mão e, sorrindo, seguiu com ele até a pista de dança.

Sesshoumaru a envolveu pela cintura e fez com que se aproximassem mais, com os rostos lado a lado, na menor distância possível.

– Já que cobrou pela foto… – Rin começou a falar, enquanto os passos seguiam a melodia lentamente. – Não vou mais providenciar a sua cópia da meia-foto.

– Melhor assim. Não ia aceitar. – Sesshoumaru respondeu, guiando-a na música.

Os dois ficaram em silêncio nos minutos seguintes, apenas dançando. Foi Sesshoumaru que quebrou o silêncio daquela vez.

– Seu companheiro devia estar esperando a taça de vinho. – ele falou, lembrando-se do homem que a acompanhava momentos atrás.

– Se meu companheiro estiver vestindo um vestido longo rosa, com o cabelo amarrado em dois coques laterais… sim, ele deve estar esperando. – Rin respondeu. – Ah… e caso esteja interessado, o que eu duvido muito, quem estava me acompanhando antes era o meu irmão mais novo.

– Não estou.

– Claro que não. – Rin respondeu. – Para um advogado, que deve saber cada mínimo detalhe de seus casos… está um pouco desligado da sua própria família.

– Minha família não me paga para ser defendida. Não preciso saber nada deles. – Sesshoumaru respondeu, sem notar que a música tinha mudado, mas ainda continuava num ritmo lento.

– Claro… a mente dos advogados funciona por interesse. – Rin comentou, sorrindo. Também não prestava mais atenção ao som ou às outras pessoas.

– E a mente de uma médica? Deve se importar muito com todo mundo ao redor então. – ele replicou, abraçando Rin mais perto de si, evitando que ela esbarrasse em outro casal.

– É claro. Eu vou consertar as coisas… salvar vidas. Eu me importo. – Rin respondeu, sentindo o rosto corar um pouco com a aproximação súbita. – E você? É do tipo que protege os inocentes? Importa-se com eles?

– Protejo os que pagam mais. – ele respondeu, curto e rápido.

– Muito direto. – ela riu; imaginava uma resposta parecida com aquela.

– É ilusão demais querer ser ético em nosso mundo. Mesmo como médica. – Sesshoumaru completou.

– Bom… acabou de me trazer de volta à Terra. – Rin afastou-se dele, encarando-o nos olhos, quando a música parou. – Acho que já foi o suficiente pela foto.

Sesshoumaru não respondeu, apenas continuou a observar a mulher.

– Até outra hora, advogado. – ela sorriu uma última vez.

– Até, doutora. – Sesshoumaru respondeu, colocando as mãos nos bolsos e vendo a mulher se virar para sair do lugar, com o mesmo andar elegante. Nem parecia a mesma que tinha caído bem perto dele, e sem nem estar de salto alto.

Ele ainda ficou parado por uns minutos, até que ela desapareceu entre os convidados e finalmente, a música mudou para uma agitada. Começou a se afastar antes que as pessoas começassem a esbarrar nele.

Deu uma olhada ao redor, avistou rapidamente Inuyasha e Kagome falando com Hakudoushi e os outros convidados que estavam naquela mesa. Não queria voltar até lá, nem parabenizar os dois. A cabeça começava a doer e também era tarde. Mais uma festa e tinha perdido a mulher de vista… não achava que conseguiria reencontrá-la.

Foi direto para a saída do salão. Precisava apenas de uma boa noite de sono para acordar de ressaca, não conseguir trabalhar no resto dos processos que deixara empilhados no escritório, e esquecer completamente da irmã de sua cunhada que provavelmente não veria nem tão cedo até ser obrigado a ir a alguma reunião de família idiota.

Ou pelo menos achava que era aquilo que aconteceria. Realmente tinha acordado de ressaca e não tinha conseguido revisar o resto dos processos, mas não apenas durante aquele domingo, como na semana que se passou e na seguinte, vez ou outra, pegava-se lembrando da aspirante à médica irmã de sua cunhada.

Era tarde de quarta-feira. Estava cansado da pilha de papéis que estava em sua mesa no escritório, Hakudoushi ficava entrando e saindo da sala a cada cinco minutos, trazendo e levando mais coisas. Ele não devia parar sentado um instante dentro daquela empresa. Sesshoumaru teve vontade de jogar todos os papéis no chão. Estava muito estressado. Precisava de ar puro. Olhou para o relógio digital em cima da mesa e viu que passava de 13h. Levantou-se, pegando o terno e as chaves do carro. Não fez questão de levar o celular, porque sabia que ou o desligaria, ou não teria um almoço pacífico.

Quando saiu da sala, descobriu que apenas o celular não era seu problema. Quase esbarrou com um Hakudoushi que se aproximava com mais duas pastas na mão, que lia distraidamente.

– Sesshoumaru… – ele parou de falar ao ver que o outro estava com o paletó em mãos e a chave do carro. – Pensando em ir a algum lugar?

– Almoço. – Sesshoumaru passou pelo outro, andando a passos rápidos, na direção do elevador privativo.

– Almoço? Você nunca sai para almoçar. – Hakudoushi falou, seguindo-o de perto. – Devia terminar de revisar aquela pilha de processos. Você está com a cabeça na lua ultimamente, sabia?

– Hakudoushi. Somos uma grande empresa… somos os sócios donos. Dê esses processos estúpidos para algum grupo de estagiários idiotas revisar. – Sesshoumaru disse, entrando no elevador.

– Depois vai se irritar quando eles fizerem alguma coisa errada. – Hakudoushi retrucou, com um arquear de sobrancelhas, colocando uma das mãos no bolso e deixando as pastas de lado.

– É pra isso que existe a expressão "demitido". – Sesshoumaru respondeu antes que as portas de metal se fechassem.

Ele esperou calmamente até que o elevador chegasse ao térreo, sem nenhuma parada em alguma das dezenas de andares. Era por isso que adorava elevadores privativos. Poucas pessoas tinham acesso a ele e isso atrasava menos a sua vida.

Não se importou em cumprimentar alguém no caminho, apenas foi até o estacionamento, onde deixara seu carro, e saiu dirigindo, sem ter um destino certo. Só não queria ter que voltar tão cedo para a empresa. A última coisa em que sua cabeça estava concentrada naquele momento, era nos processos que tinha que tratar. E o caso da Toudai estava lhe dando muita dor de cabeça, especialmente porque pensar na Toudai o fazia lembrar-se de Rin, que estava fazendo o curso de medicina lá.

Tinha que admitir… pensar nela estava lhe dando dor de cabeça. Nem podia ir para a varanda do próprio apartamento durante a noite, que a única coisa que fazia era procurar as estrelas que ela lhe mostrara e lembrar-se principalmente de como ela lhe ensinara a ver a constelação de Escorpião.

Parou num sinal, apoiando o braço na porta e suspirando demoradamente. Olhou o retrovisor de relance, mas rapidamente voltou os olhos para o espelho, querendo confirmar o que estava vendo. Do outro lado da rua, ela estava lá, sentada num banco lendo alguma coisa numa folha de jornal enquanto comia uma barra de chocolate, despreocupada. Tinha voltado ao visual esporte, de calça, camiseta regata e os cabelos amarrados de qualquer jeito.

Só voltou a si quando ouviu a buzina do carro atrás, indicando que o sinal já tinha aberto há algum tempo. Engatou a primeira marcha e acelerou, não demorando a encontrar um retorno.

Estacionou um pouco antes da praça onde ela estava. Deixou o paletó e a gravata dentro do carro, travou tudo e andou na direção da mulher. Ela ainda estava olhando alguma coisa nos jornais, não percebeu quando ele se aproximou, só quando ele sentou ao lado dela no banco foi que ela desviou os olhos.

– Ah… Sesshoumaru-sama. – ela falou, levemente surpresa. – Perdido?

– Você que está muito longe da Toudai, não? – Sesshoumaru perguntou, olhando os carros passarem.

– Não preciso mais voltar lá. – Rin respondeu, sem se importar em olhar para ele também.

– Saiu do curso? – Sesshoumaru desviou os olhos para ela dessa vez.

– Terminei. – ela corrigiu, também virando para encará-lo.

Sesshoumaru se surpreendeu. Não imaginava que ela já estivesse perto do final da faculdade. Era mais velha do que aparentava, pelo visto. E mais inteligente também… para terminar um curso na Toudai.

– Bom…

– Agora, mais algum tempo de residência. – Rin continuou a falar, voltando a olhar o jornal. – Um dia eu consigo ser uma médica de verdade.

– Gosta de notícias? – Sesshoumaru fitou o jornal por um tempo. Já tinha lido aquele naquela manhã.

– Isso faz mais o seu tipo do que o meu. – Rin respondeu, virando a página que estava olhando para que ele pudesse ver. – Preciso achar um apartamento.

– De mudança…

– Na verdade, onee-san que está de mudança. Pra nova casa dela e do Inuyasha. – Rin respondeu. – A casa dos nossos pais ficaria pra mim. Mas ela é muito grande pra eu morar lá sozinha.

– Apartamentos são melhores.

– Muito. – Rin completou, lembrando-se do chocolate que ainda estava em sua mão e dando uma última mordida. – Você está de social… não deveria estar no trabalho?

Sesshoumaru não se preocupou em responder, apenas olhou em volta uma vez mais, tentando não lembrar que precisava voltar logo para a empresa.

– Hum… – Rin apenas balançou a cabeça levemente, não se importando com a falta de resposta. – Já ganhou o caso com a Toudai?

– Não. – Sesshoumaru respondeu, ainda sem voltar a olhá-la. – Só vai ter uma audiência no mês que vem. É mais complicado do que parece.

– Boa sorte, então. – Rin falou, olhando mais uma vez para o jornal.

– Eu vou ganhar. – ele disse, convencido.

Rin apenas sorriu antes de falar alguma coisa.

– Incrível como eu já tinha a impressão de que diria isso. – ela riu. – Você é do tipo que se acha perfeito, não?

– Acha que perfeição existe? – Sesshoumaru fitou-a diretamente nos olhos, quase sem piscar.

– O único lugar que eu vejo perfeição… é lá. – Rin respondeu, sem desviar os olhos dele, fazendo um breve sinal com a cabeça para indicar o céu ao concluir a frase. – E toda vez que olho pra cima… percebo o quão longe estamos disso.

Ele deixou que um sorriso quase que imperceptível se formasse no canto dos lábios diante da resposta dela. Não era de se imaginar que estivesse na Toudai. E o pior de tudo… aquele jeito dela estava começando a prender a sua atenção mais do que deveria.

– Ih… olha a hora. – Rin fitou o relógio de pulso, dobrando o jornal rapidamente. – Eu tenho que ir agora. Preciso provar o vestido da festa de formatura. Aliás…

Ela virou para ele e encarou-o por dois segundos. Então, pegou a bolsa que deixara ao seu lado, abrindo e procurando alguma coisa em meio a toda a bagunça. Depois de uns cinco minutos, ela finalmente tirou um pequeno envelope e estendeu para ele.

– Aqui. Venha para o baile de formatura. – ela disse, enquanto esperava que ele aceitasse o envelope. – Tem duas senhas aí, se quiser levar alguém. Estava pensando em pedir ao Inuyasha pra te dar, mas não parecem os melhores amigos.

Sesshoumaru aceitou o envelope de tamanho mínimo. Era preto e tinha letras prateadas impressas no verso, com o nome da formanda e o curso.

– Apareça, se tiver tempo. – Rin disse, ficando de pé. – Hakudoushi-sama e a esposa também vão, já os chamei. Nem vou dizer que Inuyasha e Kagome também estarão lá. Vai ser daqui a uma semana, na sexta.

Sesshoumaru não respondeu, olhou para o envelope novamente e ergueu a cabeça para ela, acenando rapidamente num sinal positivo.

– Então… até depois. – Rin fez um breve aceno com a cabeça e se dirigiu para a beira da calçada, para atravessar a rua, mas ao dar dois passos, virou-se novamente para Sesshoumaru. – Dessa vez… não vou deixar fugir de uma foto inteira.

Ela não esperou resposta ou mesmo a expressão dele, simplesmente virou e atravessou a rua correndo depois de confirmar que não vinham carros de nenhum dos lados.

Sesshoumaru ainda ficou observando o outro lado da rua mesmo quando ela desapareceu de vista. Depois de observar o pequeno envelope mais uma vez, ainda pensou na possibilidade de matar Hakudoushi por não ter falado nada sobre a intimidade com a jovem.

Levantou-se finalmente e olhou o relógio. Também estava na hora de voltar para o escritório e nem tinha comido nada. Mas não importava, a situação tinha ficado bem melhor do que um simples almoço para voltar a enfiar a cara nos processos. Agora tinha certeza de que a encontraria e a data e o horário estavam marcados, não perderia a chance por nada.

Quando voltou à empresa, sua mesa estava completamente limpa – ou quase. Apenas os papéis do processo da Toudai continuavam lá. Antes mesmo que conseguisse sentar, Hakudoushi entrou na sala sem muita cerimônia, sequer bateu na porta.

– Os estagiários vão ter trabalho até o fim do mês. – ele avisou, sentando-se na cadeira diante do gabinete de Sesshoumaru.

– Vão merecer o salário que eu pago pelo menos uma vez na vida. – Sesshoumaru falou, colocando a chave do carro sobre a mesa e o terno.

Junto com as chaves, o pequeno envelope com os convites da formatura de Rin. Foi inevitável que Hakudoushi não notasse aquele detalhe conhecido aos seus olhos.

– Hum… parece que ficou bem mais chegado à sua família depois que Kagome se casou com Inuyasha. – Hakudoushi falou e Sesshoumaru não tinha dado muito valor ao verdadeiro sentido da frase, enquanto observava a tela do computador.

– A audiência da Toudai foi adiada? – ele arqueou as sobrancelhas, ao ler o memorando no computador.

– Daqui a dois meses. – Hakudoushi respondeu. – Você sabe… descobriram que você vai cuidar do caso, então eles precisam forjar provas mais convincentes contra a Universidade.

– Que ilusão. Até parece que vai dar pra ganhar algum processo contra a Toudai. – Sesshoumaru disse, desviando os olhos da tela para observar os papéis do processo.

– Mas não mude de assunto. – Hakudoushi disse, cruzando as pernas. – O almoço estava bom? Algum restaurante em especial?

– Não devia estar brigando com algum dos estagiários ou das secretárias? – Sesshoumaru desviou do assunto, mais concentrado nos papéis. Sabia que se fosse falar com Hakudoushi concentrado no trabalho, ia falar alguma coisa que não devia. E finalmente estava disposto a voltar a trabalhar.

– Vamos lá, Sesshy, não mude de assunto. – Hakudoushi sorriu desdenhoso.

– Fora. Agora. – Sesshoumaru falou, num tom definitivo.

– Okay, okay. Não vou acabar com o seu bom humor. – Hakudoushi disse, levantando-se da cadeira e andando na direção da saída da sala. – Mas… temos mais uma festa em comum para eu descobrir mais coisas sobre você… ou vocês.

Hakudoushi fechou a porta antes que o sócio arrumasse alguma coisa para atirar contra ele e dizer que tinha escorregado.

Mas a cabeça do dono dos olhos dourados estava muito longe daquilo. Não precisava se importar com aqueles detalhes, muito menos com as implicâncias de Hakudoushi, com as quais estava acostumado há mais de cinco anos.

Não se importou em cuidar de todo o trabalho da empresa, muito menos de novos casos, contanto que não tivesse mais nada pra se importar no dia da formatura.

Foi exatamente como o esperado, o caso da Toudai estava encaminhado e mesmo que faltasse no dia da audiência, era impossível perder. Os estagiários tinham revisado os processos restantes… parecia que estava tudo perfeito demais para ser verdade.

A hora estava marcada para dez da noite. Não iria precisar do outro convite e não chamaria mais ninguém. Tinha certeza que Hakudoushi estaria lá, assim como Inuyasha e Kagome. Já era o suficiente além da própria formanda.

O relógio de parede marcava 21h30min exatos quando ele saiu do apartamento. Era impossível chegar atrasado. Até o trânsito estava acessível quando ele seguiu para o salão indicado no pequeno envelope.

Ou pelo menos, achava que estava suficientemente acessível. O sinal tinha acabado de ficar verde, sequer precisou desacelerar o carro… mas teria desejado fazer aquilo quando um carro apareceu do nada, cortando o seu. Tentou desviar para o lado, mas foi impossível não sentir o impacto. Fechou os olhos com força… não sabia direito o que estava acontecendo, por que as coisas estavam girando ao seu redor. O barulho ensurdeceu seus ouvidos e estava começando a sentir alguma coisa muito incômoda. Seu corpo estava doendo… não enxergava direito, não sabia se tudo tinha parado de rodar, quase não conseguia manter os olhos abertos.

Tentou levar a mão ao rosto, mas doía só de pensar em se mexer. Sentiu alguma coisa escorrendo pelo seu rosto, por cima de seus olhos, mas ele não queria fechar os olhos, sentia que se o fizesse, talvez não conseguisse abri-los… e não queria aquilo, ainda precisava vê-la… vê-la em seu vestido de formatura… tinha marcado aquilo, não podia falhar agora.

Quando estava quase se rendendo a fechar os olhos, sentiu alguma coisa soltar o seu cinto de segurança. Braços o puxavam para fora do carro. Naquele momento, nem tinha certeza de em que estado se encontrava, não sabia mesmo como estava o carro… só sabia que não queria fechar os olhos.

Suas costas foram arrastadas pelo chão frio do asfalto, sentia que a camisa estava rasgada e algum líquido frio escorria por seu corpo. Mãos cuidadosas pousaram sua cabeça no chão lentamente. Ainda tentava manter os olhos abertos, sons indistintos alcançavam seus ouvidos… manchas negras se amontoavam sobre sua cabeça. Não conseguia entender o que estavam fazendo ali, o que estava acontecendo. A respiração estava ficando falha, os olhos mais pesados. Foi quando as manchas se afastaram. Os sons ficaram cada vez mais distantes até sumirem. E então, seus olhos puderam observar o céu bem acima de si. Estava lá… tão perfeita quanto da primeira vez que a vira, quandoela lhe mostrara.

Esforçou-se para desenhar o caminho completo da constelação… e apenas quando o brilho fraco das estrelas começou a se apagar, percebeu o que realmente estava acontecendo. Estrelas não apagam…

E com um último suspiro… o brilho do coração de escorpião se esvaiu, dando lugar a uma escuridão sem igual.

Continua…


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