Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 34
Guia




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Chihiro demorou um longo tempo para perceber que Kamaji partira. E, quando isso ocorreu, estava tão dominada pelo poder que emanava daquele velho prendedor, não sentiu como se isso fosse um grande sacrifício; mas sim como algo natural, que estava predestinado a acontecer.


Um conhecimento obscuro e novo tomava seu cérebro, possibilitando o entendimento da maneira que as coisas deveriam ser. Era assustador e, ao mesmo tempo, trazia tanta luz. Suas idéias anteriores eram tão frágeis diante daquelas revelações... coisas que ela por si só nunca imaginaria, sequer prestaria atenção.


A maior certeza que possuía naquele instante era que o destino era inexorável. Não podiam lutar contra ele. Era algo que estava acima das propensões dos mortais, mesmo dos magos. Ninguém sabia a imensidão da maneira que as partículas se agrupavam para formar cada instante em sua propensão.


Ela não precisava controlar o fluxo de energia para ajudar a Boh e as árvores. Tudo fluía naturalmente para seu próprio lugar no espaço. Era como deveria ser.


E o terror veio, com a percepção de que tudo estava sendo destruído. Aquela perfeição que, agora, ela podia compreender. Eles eram fracos demais diante do destino, que os prendia. Chihiro se resignou diante dele, uma mera criada que aceitaria o sofrimento que lhe fora imposto.


Sabia o que iria acontecer.


Deixou esse fato penetrar em sua consciência. Seu lado humano não fora completamente abstraído. Permitiu, agora que estava sozinha, que as lágrimas escorressem dolorosamente. Chorou por amor, saudade e pela vida que havia perdido.


Conseguira ver as possibilidades estendendo-se por seu caminho. E, por uma série de desencontros seu caminho que a separaram de Haku. Soube o que teria ocorrido se tivesse olhado para trás, se tivesse ousado desobedecer.


Que terrível e adorável destino seria! A glória de permanecer numa minúscula eternidade nos braços de seu estranho amor. Permitiu-se saborear aquele instante, guardando a imagem, sepultando-a nas profundezas de sua mente. Até que ele partiu.


Largou-a, dessa vez, para sempre. Voando para os braços da morte, lindo e pálido, os cabelos compridos esvoaçando atrás das costas.


Lutou para que pudesse salvá-la, ensinara Chihiro a controlar o poder que emanava do prendedor que seus amigos fizeram. Naquele lugar, ela era forte.


Encerrou aquela incursão, como se fosse demais para seu quebradiço coração agüentar.


A marcha fúnebre se desfez num encanto. Um som de caixinha de música que foi fechada com violência, a bailarina retornando novamente para as sombras junto com seu amante de cabeça decapitada. Formavam um belo par de criaturas desconjuntadas.


Procuravam as coisas quebradas, pois eles próprios estavam despedaçados irremediavelmente. Apoiavam-se um no outro para suprir as necessidades mais básicas.


Surge uma luz no meio de toda aquela escuridão. E, Chihiro, no lugar da bonita bailarina, procura por alguém que deveria estar ali para completar a cena. 


Boh aparece na sua frente, não sabe como ele veio parar ali. Ele permanecia imóvel, o olhar que ele lhe lançou foi imensamente dolorido. Chihiro tentou avançar para que pudesse tocá-lo, obliterar aquela agonia. Ele não permitiu.


Chihiro parou no meio do movimento, os braços estendidos numa posição cômica. Deixou os cair ao lado do corpo.


- O que você quer, Bou? Me fale, por favor. – suplicou, sem conseguir agüentar. A voz traía um imenso cansaço, o qual não havia percebido.


- Salve-me, Sen.


A menina arregalou os olhos escuros, relembrando das palavras de Sem Rosto. Não conseguia imaginar como o apelo de outra pessoa poderia significar o de Boh. Mas, nem por um segundo, pensou que fosse mentira. Sabia que Boh estava em apuros.


Precisava sair dali para ajudá-lo. Porém não sabia como fazer, já havia desejado com todas as suas forças que fosse capaz de abandonar aquele lugar para que pudesse ir atrás de Boh. Nada dava resultados.


Cerrou as pálpebras mais profundamente e quando as abriu se encontrava em um espaço diferente. Boh ainda estava lá, separado de Chihiro por um espesso vidro transparente que o impedia de escutar os apelos da garota.


Chihiro sentiu algo fino lhe tocando os ombros e os cabelos. Virou-se sem encontrar nada atrás de si, mas o movimento fez os grãos que se acumulavam caírem no chão. Ela ergueu o rosto, percebendo que estava dentro de uma ampulheta.


Olhou para a expressão de sofrimento de Boh. Pôs suas mãos diante das dele, tentando obter algum contato. Sem esperanças que pudesse atravessar aquela barreira inquebrável de dez centímetros de espessura.


Tentando encontrar o conforto do corpo quente de Boh, antes que fosse soterrada pela areia que caía num fluxo contínuo por uma abertura em cima de sua cabeça.


O homem socou o vidro, numa tentativa inútil de criar alguma rachadura. Chihiro fechou os olhos, mas não conseguiu ficar durante muito tempo sem ver Boh.


Reparou que havia uma aura de medo em torno dele.


- Bou. – tentou acalmá-lo. Grudando seu corpo ao vidro, a areia acima dos seus joelhos.


Ele começou a ser puxado, por uma força invisível para longe de Chihiro, agarrou-se a ampulheta, sem obter sucesso. As lágrimas escorrendo por seu rosto, manchando seus óculos.


Foi como se uma parte dela própria houvesse sido arrancada. Curvou-se sobre si mesma, sem conseguir mais ficar ereta. Os espaços vazios eram preenchidos, mesmo assim, permanecia aquele vácuo do que era antes a presença, mesmo longínqua, de Boh.


Seu cérebro, lentamente, foi começando a se desligar de toda aquela percepção. Alguma coisa a puxava de volta a realidade.


 


Boh tentou enxergar alguma coisa ao seu redor, guiava-se somente por sua percepção de energia e pelos barulhos enérgicos vindos dos monstros, os quais não se importavam em ser sutis. Faziam questão de anunciar a presença para causar mais medo.


Era o único humano no meio de todas aquelas árvores. Seres gigantescos que impulsionados pela força mandada por Chihiro, tentavam revidar as baixas que sofreram.


Para Boh, tudo se tornou muito difícil. Estava ao lado dos elementais. Contudo, ao tentar usar fogo foi rechaçado por eles. Não conseguiu convencer nenhum deles que aquela chama não lhes faria mal, que ajudaria a matar seus atacantes. Esquivou-se de seus ocupados parceiros para entrar novamente na luta; dessa vez, sendo mais prudente. Ajudando-os com seu próprio elemento, passando despercebido entre seus acompanhantes.


Por duas vezes, teve que usar magia curativa, algo que o cansava demais. Pensou que sua força nunca seria suficiente; tinha razão.


Mas fagulhas da energia que Chihiro conseguia mandar faziam-no continuar. Dizia a si mesmo que ficaria somente mais um pouco e as horas passavam inexoráveis, provocando cada vez mais baixas do seu lado do que do outro.


O desespero começava a aflorar.


O anúncio de morte permanecia sobre suas cabeças. Boh tinha certeza de que não iria sobreviver.


Apesar de Chihiro estar tentando, sabia que ela não conseguiria controlar um poder de tamanha magnitude. Ela deveria estar perdida no meio das camadas de conhecimento, uma linha da qual ela não conseguiria escapar se fosse tragada, se ficasse inebriada pelo poder que o saber lhe proporcionaria.


Algemada entre as linhas do passado, presente e futuro. Tentando decidir qual seguiria.


Boh deveria ter a avisado sobre isso. Um estranho sexto sentido lhe aflorou, alertando para que permanecesse calado. Obrigando-o a fazer com que Chihiro enfrentasse aqueles perigos sozinha. Deixando que as palavras que Chihiro já ouvira da boca dele servissem como um guia para que ela conseguisse abandonar aquele lugar.


Ia contra seus sentidos mais básicos deixá-la daquela maneira. Contudo, esperava que ela fosse se sair bem. Que não ficasse inebriada por sua possibilidade de futuro com Haku. Não por ciúmes, mas somente pela sanidade dela.


Apesar disso, desejava ter olhado uma última vez para Chihiro, verdadeiramente. Não só ter lançado um olhar por seu ombro antes de sair por aquela porta. Mesmo sabendo que poderia ficar estancado inflexivelmente diante dela. Aguardando a destruição.


Seria uma alternativa melhor do que não poder fazer nada. Inútil, numa batalha que deveria ser dele. 


Limpou o suor da testa, apesar do frio de gelar os ossos devido à bruma, seu corpo estava quente demais. Tinha consciência de seu imenso cansaço e que, a qualquer momento poderia desmaiar. Já não estava tão cônscio da luta como antes, a todo instante imagens de Chihiro apareciam diante de seus olhos, queria abandonar aquela batalha perdida para que pudesse seguir a imagem conjurada por seus devaneios.


Uma dor insistente no lado direito de seu corpo fez com que ele se desligasse daquela figura. Havia sido atingido, seu lado instintivo gritava por alguma reação que lhe salvaria a vida.


Mas ele ainda tentava se prender a aquele vulto como se significasse a salvação. Sem perceber caíra no chão. O sangue tingindo suas roupas sujas.


Rastejava, procurando tocar Chihiro mais uma vez.


E, despedindo-se da vida. Deu um sussurro que ele sabia que a garota havia escutado.


- Adeus, meu anjo.


Foi nesse instante, que tinha sido separado dela. 


 


Houve um estalo ruidoso, um som abafado por toda aquela areia que a soterrava. Ela não sabia que aquele som significava sua salvação. Não sentiu também quando seu corpo foi movido na direção da abertura. Só tinha consciência que o ar preenchia seus pulmões de uma forma benéfica. Aspirou todo o oxigênio que podia comportar.


Mãos a apalpavam, verificando se não havia nada quebrado ou uma lesão mais profunda. Depois começaram a limpar a areia do seu rosto.


Chihiro não sabia quem era, porém, agora tinha uma imensa sensação de paz. Algo que não experimentava há muito tempo e a segurança de estar em braços conhecidos. Não tentou abrir os olhos.


Somente deixou que seus cabelos fossem acariciados. E permaneceu impassível, como num transe, quando uma boca encostou-se a sua, beijando-a urgentemente. Os lábios moldando-se num toque desconhecido e caloroso. E ela desejou mais quando ele se afastou. Procurou prender-lo.


Escutou um riso baixo perto de seu ouvido.   


- Chihiro. – seu nome foi dito com tanta dor e doçura ao mesmo tempo.


Abriu os olhos abruptamente e depois os arregalou diante do que via. Buscou explicação racional para Haku estar ali, junto a ela.


- Temos que sair daqui. – ele continuou.


Ela ousou, por um instante, procurar os orbes azuis, escuros demais dele. Tentando encontrar em vão algum traço de maldade. Tudo que conseguiu achar foi o antigo Haku diante dela. Sem conseguir refrear suas palavras, disse:


- O que aconteceu? Por que me deixou durante todo esse tempo? Por que... – respirou profundamente, tocando o lábio inferior com a ponta dos dedos. – Por que me beijou?


Chihiro não pode ponderar com seu lado emocional. Fazia tempo demais. E naquele lugar místico ela não tinha medo de se machucar; não mais do que fizera em todos aqueles anos em que ficou esperando... um vazio gigante se apossando do seu interior.


Um mínimo sorriso aflorou na boca de Haku.


- Ficamos longe por tempo demais, Chihiro. – ela estremeceu pela maneira que ele disse seu nome.


Notou que ele lançava olhares ansiosos por cima de seu ombro.


- O que foi?


- Precisamos ir embora.


Ajudou-a a se levantar sem nenhuma palavra e começou a guiar a menina para um ponto em que havia uma luz muito brilhante. Chihiro o segurou, antes que fosse tarde demais.


- Você é real? – perguntou a ele. – Não vai desaparecer quando entrarmos ali?


- Não vou desaparecer.


Ela reparou a omissão de uma das respostas. Contudo, seguiu-o para onde quer que ele a estivesse levando.


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