Corvos escrita por AHB


Capítulo 1
Corvos




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Num dia desses um corvo apareceu no meu telhado e eu não temi seu possível anúncio fúnebre. O corvo havia pousado na ponta da torre que abrigava a caixa-d'água, ficou lá o dia todo e só foi embora quando o Sol se pôs. Não pensei mais nisso pelo resto da tarde até a noite, porque no dia seguinte vi que lá estava ele, o pequeno pássaro negro, mas não sozinho. Ao seu lado estava um companheiro de espécie. Tentei espantá-los, nada aconteceu, apenas os dois corvos crocitaram em resposta. Resolvi não me incomodar com eles e deixei que se servissem das espigas que cresciam no milharal ao redor de minha propriedade. Quando o sol se pôs, os dois pássaros foram embora. No outro dia lá estavam três corvos, quietos, me olhando. Ri para ele e virei as costas. Sabia o que aconteceria.


Conforme havia previsto, com o passar dos dias, proporcionalmente crescia o número de corvos, cada vez mais espalhados pelo meu telhado. Havia prometido a mim mesma que não me importaria com os animais, mesmo ciente do mau-agouro que eles representavam. Na verdade, até que gostava do efeito que eles produziam, assustando e mantendo os vizinhos afastados. Eu não gostava muito dos vizinhos, eles olhavam feio quando eu andava pelo centro da cidade e os seus fedelhos me apontavam, riam da minha verruga no canto da boca e me tratavam por "bruxa".


Como passava quase todo tempo trabalhando no quintal, bem debaixo da sombra da torre, comecei a perceber que os corvos, assim como as pessoas, diferenciavam entre si. Dei-lhes nome e conversava com eles, tendo crocitos serenos como resposta. Eles eram meus amigos, fizesse sol ou chuva estavam empoleirados sobre o telhado.


Em uma manhã parecida com a que o primeiro corvo, dos quase cinquenta que havia agora, havia chegado, eu caí da escada, quebrei as vértebras superiores e morri na hora. Meus amigos esperaram três dias para se lançarem sobre meus restos putrefatos. Comeram até o tutano dos ossos e foram embora em revoada. Quando dei por mim, era um deles, digerindo minha própria carne.


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