If I Die Tomorrow escrita por Tcrah


Capítulo 3
Eles não sabem sobre nós.




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Então partimos de helicóptero até outro hospital que ficava mais ou menos umas 2 horas dali (de carro). Passei a viagem toda ao lado de Rê, embora ela estivesse meio confusa. A maior parte do tempo ela dormiu, mas quando acordava, não parecia ser... Ela. Dizia coisas sem sentido. Depois de um tempo, percebi que o barulho da hélice tirava sua concentração, o que a deixava desorientada.

Que merda, pensei. Nosso primeiro dia aqui e já acontece uma coisa dessas. Realmente, tem certas pessoas que não nasceram pra ter sorte.

Olhei no relógio e vi que já eram quatro da manhã. Definitivamente, 26 horas sem dormir, sem nem comer direito. Fazendo algo que eu fiz a minha vida toda, segurando a mão gelada da Renata.

Devido ao tédio, comecei a pensar sobre isso. Todas as vezes que segurei a mão de Rê, elas estavam geladas. Coisa boba pra se pensar, mas pressionei sua mão que suava frio.

_ Thamires... – Ela olhou em volta e percebeu que estava presa em uma maca. – O que aconteceu?

_ Está tudo bem, Rê. Eu prometi que cuidaria de você.

_ Cadê a Bete?

Olhei em volta. Não sabia o que responder pra ela. Nunca na minha vida eu vi a Bete, não era agora que eu veria. E se ela não está vendo, então isso é... Um bom sinal?

_ Você não está vendo a Bete? E algum outro “amigo”?

_ Não... – Ela franziu o cenho. – Não sei. Espera, pra onde a gente está indo?

_ Nós estamos indo pra um hospital... Ver se somos compatíveis para um transplante de rim.

_ Eu vou te doar um rim?

_ Não, eu vou te doar um rim.

_ Mas... Eu gosto do meu rim. – Olhei pra ela com uma cara mais ou menos de “você só pode estar brincando comigo”.

_ Rê, o seu rim... Ele não está funcionando como deveria. Deve ser por causa da overdose que você teve. Várias vezes. E depois, quando você tentou parar, seu corpo sofreu abstinência. Enfim, eu não sei como te explicar isso porque quando o médico estava explicando eu viajei legal. – Sorri na tentativa de fazê-la rir.

_ Eu mandaria você ir se foder se você não estivesse me doando um rim.

_ Boa garota. – Ela se virou de lado e dormiu de novo.

Combinamos de passar oito dias em cada lugar. Assim dava pra aproveitar razoavelmente bem sem eu me atrasar com o trabalho. Corrigindo, razoavelmente bem sem eu me atrasar MAIS AINDA no trabalho.

Chegamos no hospital e eu fiquei aliviada que pela primeira vez eu entro pelas portas de uma aglomeração de loucos por sangue e eu não conhecia ninguém. Me acostumei a ir nos mesmos hospitais, recebendo atenção extra por ser conhecida demais. Isso era bom, atenção extra era muito bom, mas privacidade também é bom, e era algo que faltava. Se a Renata espirrava todo mundo já considerava código azul e corria para atendê-la e limpar todas as bactérias que poderiam contrair graças a um espirro. Ok, não é pra tanto.

E no hospital anterior havia um deus grego que queria ajudar, mas que pagava de fodão pra cima de mim e eu não precisava de mais uma criança mimada pra tomar conta. Tudo bem que eu fui um pouco grossa com ele pra resistir à tentação de agarrá-lo, mas definitivamente não seria bom fazer isso na frente da Renata, porque né.

Depois de fazermos todos os exames necessários, sentei de novo ao lado de Rê e fiquei esperando os resultados. Um médico entrou no quarto para dizer que o resultado demoraria algumas horas e que estava tudo atrasado.

Sentei numa cadeira e me encostei de um jeito confortável, pensando que finalmente poderia dormir depois de quase 32 horas em pé. Estava pronta pra cair no sono, quando...

_ Você não precisa fazer isso. – Disse Renata. – Eu não quero ser uma dessas pessoas coitadinhas que precisam de babá o tempo todo. Eu sai daquele hospital pra ir pra outro, que diferença fez?

_ Nada a ver, para de falar isso. Eu estou aqui porque eu quero. Eu quero te ajudar.

_ Quando você vai perceber que eu não quero mais ser ajudada?

_ Então é assim? Você quer me deixar? Assim? Sem nem lutar, sem nem tentar?

_ Eu não quero te deixar, mas pensa no que eu estou fazendo com a tua vida. Você fez anos de faculdade só pra tomar conta de mim, pegou toda sua economia pra uma viagem em que eu estraguei logo no primeiro dia. Você não namora, não tem família, filhos... Não dorme a noite e eu vou ter um rim seu dentro de mim pra comprovar tudo isso! Comprovar que nem que eu venda a minha alma eu vou poder te devolver a sua vida.

_ Renata, pode parando com isso, ok? Eu não fiz tudo isso em vão. Eu fiz tudo isso pra te ver sorrir. E você acha que eu me importo? Eu não me importo se isso significa a tua felicidade. Eu sei tudo o que você passou, sei o quanto foi dolorido pra você.

_ Mas eu nunca fiz NADA pra merecer isso. NADA. Se alguma vez eu salvei sua vida ou de algum familiar seu, então, por favor, refresque a minha memória, porque eu não me lembro de ter feito nada pra ter sua gratidão eterna.

_ Você não fez... – Me sentei em sua cama. – Não considere o que eu estou fazendo um favor. Eu não me considero sua babá. Eu me considero sua melhor amiga que cuida de você. Sabe por quê? Porque é isso que as melhores amigas fazem.

_ Melhores amigas servem pra dar conselhos de relacionamento. Não pra dar rim, comida, casa, dar bronca, ser uma mãe. Você não é minha mãe.

_ Realmente, eu não sou sua mãe. Eu sou melhor que isso. Porque quando você precisou de mim, eu estive aqui. Eu sempre estive aqui. Eu estou aqui agora. Então acho melhor você se acostumar com a ideia de ter uma parte de mim funcionando dentro de você e que cuide muito bem dessa parte. – Renata se levantou e me encarou. Percebi pelas suas feições que ela estava pronta para me dar um tapa na cara, mas ao invés disso, ela me beijou.

Um médico entrou no quarto e demorou um pouco para percebemos sua presença. Me afastei da cama, um pouco envergonhada.

_ Aqui está o resultado dos exames. É... Senhora Flerch, podemos conversar um instante?

_ Eu sei o que deve estar pensando. Sim, ela tem alucinações, mas faz mais de quatro horas que ela não tem nenhuma. Ela tem isso todos os dias, todas as horas, desde os cinco anos de idade e eu, sinceramente, acho que isso é um progresso. Eu não sei como, mas talvez seja possível acabar com essas alucinações de uma vez por todas.

_ Sim, são ótimas notícias. Pode pensar nisso quando souber da má notícia.

_ Como assim? Não somos compatíveis?

_ Não, vocês são compatíveis. Mas nós devemos fazer a cirurgia o mais depressa possível se quisermos salvar a sua... – Ele tossiu. - Amiga...  Com licença.

Entrei no quarto, orgulhosa de mim mesma. Agora sim, definitivamente, eu e Rê teríamos uma vida mais ou menos normal. Só espero que essa ausência das alucinações seja permanente.

Eu e Rê tivemos uma noite tranquila. Dormi no hospital e, ao que pareceu, ela não teve nenhuma crise de gritos. Mas também, era de se esperar, ela dormia sempre com o mesmo cobertor e segurando a minha mão. Não sei por que, mas isso continha os surtos noturnos.

No dia seguinte, levaram-nos para operar. Fui primeiro e sai antes. Quando acordei, não vi nenhum rosto conhecido, apenas alguns estudantes de medicina me olhando curiosos.

_ Ok gente, por favor, vão assustar a paciente. – Disse um médico que eu achava ser mais importante do que os que estão me encarando como um rato de laboratório.

_ Senhora Flerch, boas notícias.

_ Ah, só pode ser brincadeira. Você está me seguindo, deus grego. – O doutor finalmente parou de olhar o prontuário para me olhar pela primeira vez.

_ Thamires? O que você está fazendo aqui?

_ Doando um rim.

_ A Renata está aqui? Como ela está?

_ Me diz você. Você que é o médico. – Ele riu ironicamente e sentou ao meu lado. – Fazia três dias que nós não nos víamos, achei que tinha me livrado de você.

_ Nunca deixo casos pela metade. – Ele piscou pra mim. – Vou te fazer companhia.

_ Ah não! Vou chamar a policia. ENFERMEEEEEEEEEI... – Comecei a gritar, mas ele tampou minha boca.

_ Ou, faz silencio poxa, estamos num hospital. Se não quer minha companhia é só falar.

_ Não quero sua companhia.

_ Mas eu vou ficar mesmo assim, porque eu me preocupo com a Renata. – Ele ligou a tevê e pegou um pote de gelatina que eu me recusei a comer.

_ Desliga a tevê, o som está insuportável.

_ Então me distraia.

_ Você que tem que me distrair. A paciente aqui sou eu.

_ Tanto faz. Me conta da sua história com a Renata. O que ela fez de tão importante pra você ficar atrás dela como se fosse o anjo da guarda dela.

_ Ela não fez nada demais, sabe... É porque, ela passou muito tempo escondendo da gente que tinha um problema. Eu a conheci com cinco anos, ela me contou com sete. E mesmo assim, eu não acreditei. Quer dizer, acreditei em parte. Éramos crianças, era normal esse negócio de ter amigos imaginários. Depois, foi ficando muito na cara. Ela conversava com o nada, ria com o nada, gritava e chorava com o nada. Como se realmente estivesse sentindo dor. E às vezes ela gritava no meio da aula pro “nada” não tocar nela. Com isso, todos os nossos amigos começaram a se afastar dela, mas eu não. Criança tem ligação forte, e eu sentia que a minha vida sem ela não seria muita coisa. Prometi a mim mesma e a ela que não desistiria nunca. Ela me disse que ficaria mais confortável se morasse num lugar que nevasse. Eu, ela e a família dela nos mudamos pro Canadá. Deixei minha mãe a mais de 10 anos, mas era por uma boa causa. Depois de tudo isso, as alucinações começaram a piorar. Começaram a persegui-la. Ela começou a se envolver com drogas, na esperança de se drogar tanto e esquecer de tudo isso. Começou a beber e a sair pra lugares que não devia, e tudo que ela fazia, perseguia ela mais tarde. Enfim, a vida toda foi uma completa correria pra nós duas. Eu percebi, depois de um tempo, que nossa ligação era forte demais para acabar assim. E, em geral, eu sou a única pessoa que ela confia e a única pessoa que consegue acalmá-la. Ela precisa de mim, por mais que não admita. E eu preciso dela. Ela é minha família, sabe?

_ Mas ela só é a sua família porque você abriu mão de ter uma família por causa dela. Nunca pensou em desistir? De encontrar alguém, de namorar...?

_ Não. Enquanto eu respirar, eu farei de tudo por ela. Não importa ok? O que estiver ao meu alcance, eu vou fazer. E o que não estiver, eu vou alcançar.

_ Ok, mas isso não está certo. – Disse o deus grego, depois de uma longa pausa.

_ Senhora Flerch? – Um outro médico entrou no quarto.

_ Sim, sou eu.

_ Sua amiga... O corpo dela está rejeitando o rim.

_ O que? Mas isso pode acontecer?

_ É mais comum do que a senhora imagina. Às vezes acontece do nada, sem mais nem menos. Sem motivo ou razão específica. Ou o corpo pode rejeitar um órgão porque a própria pessoa se convenceu de que não o quer. Não acho que esse seja o caso, mas...

_ Não, é exatamente isso. Esse é o caso. Ela não quer o MEU rim.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem e comentem >



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